quarta-feira, maio 09, 2018

Corpos celestiais
[Heavenly Bodies: Fashion and the Catholic Imagination]


Não sou de andar em festas e, muito menos, fantasiada. Mas, se fosse esse o caso e se o tema fosse o que acima se cifra, ficaria logo tentada a portar-me mal. Não me ocorreria ir disfarçada de uma canonizada madona, de anjinha, de santinha ou de virgem por vocação. Não sou de disfarces. 

Por mais que, no canto mais irritante da minha consciência, o grilo maçador puxasse pela minha alma para me convencer a pôr pr'a lá toda esta minha tendência para pecar -- que tão mal fica a uma senhora-dona que devia era respirar doceza e santidura por todos os poros -- eu haveria de estar em pulgas era para mostrar que religiosa que se preze sabe brincar como gente grande. 

Está bem que talvez fosse espiar vestidos de toda a espécie já que, pensando bem, a subversão assenta bem em qualquer um.

Olhem, pensando melhor, não querem acompanhar-me na escolha de uma toilette para a ocasião?


Muito fechado, mesmo para irmãzinha-da-caridade-pum é roupa a mais. Ainda que não levasse nenhum underwear que isso, claro, que teria que ser. Mas morreria de calor de qualquer maneira. Nem pensar.


Também não. Também muito fechado, muito noir. Não sei se aquela faixa mais clara à frente é aberta. Se for, melhor. Mas, mesmo assim, não seria suficiente. Preciso de andar mais arejada. E aquelas trancinhas também não, são muito convencionais. E ir com um padre ao lado, então... Credo. E logo aquele. Ainda se fosse o Georg Gaenswein... Esse eu não me importava nada de levar pela mão, agora este... Ná.


Ai... não... lamento mas não... De Sta. Binoche, madona infeliz, não, não, não! Está certo que em dourado e mais esgargalado já eu me sentiria mais à vontade... mas não sei, há ali qualquer coisa de piedoso que não fica bem com a minha cor de olhos, acho que entristeceria a minha beleza que se quer fogosa e sem rédea.


Bem. Estes modelitos já me agradam mais. Os tecidos, os decotes, as cores estão muito bem, são soft and nude comme il fault. Mas, ainda assim, vendo bem, estas donzelas assim disfarçadas quase poderiam ser umas noivinhas de Sto. António e isso não quero, senão ainda me aparecia o nosso ubíquo Marcelo para me desejar boa sorte, tirar uma selfie e mandar mais uma boquinha ao Costa e eu, para esse peditório, não estaria para dar. Quem quiser fazer revisão da matéria dada que vá bater a outra porta. Disse.


Ai credo. Não sei que figura do Catolicismo é que a menina Sara quer invocar mas, com a cara de má com que está, a mim esta toilette quase me mete medo. Para começar, palpita-me que aquele tecido deve pesar toneladas e aquele altar no totiço deve ser outro pesadelo. Mal por mal, mais valia que tivesse uma cesta de frutas à cabeça qual Carmen Miranda. E aqueles folhinhos nos ombros...? Ná... parecem umas asinhas mas, com aquele peso a arrastar-se à ré, de certeza que não levanta voo. Ná.


Bem, de Papa talvez. Gosto de andar de salto alto, perna ao léu e de refrescar as poitrines pelo que estes paramentos papais me parecem francamente adequados. O pior é mesmo o chapéu. Deve ser desconfortável. Um peso na testa que não estou habituada a sentir, if you know what I mean. Portanto, de Papa também não. Só se fosse sem aquele chapelão. Aliás, pensando bem, para compensar tanta pedra preciosa, só se levasse um humilde solidéu aplicado no alto do penteado. Mas não sei, parece que não estou muito convencida.


Este vestidinho aqui da Salminha também não. Ela que não me leve a mal mas, heaven por heaven, prefiro o meu matagal. É certo que este aqui que reveste o corpinho celeste da Salminha -- corpinho esse que é todo ele de boa carnadura e capaz de tirar qualquer Adão do sério, e nem precisa, ela, de se apresentar de maçã na boca -- tem um belo padrão, umas lindas cores e brilhos e um bom corte. Mas não sei, parece que faz muito lembrar a Sta Madona das Big Boobies e eu nisto, que me perdoem, sou muito puritana, acho que os castos seios, quando tão exuberantemente exibidos, são bem capazes de distrair da vontade de rezar. 


Portanto, depois de muito ponderar, eu iria assim, como a menina Cara. Mesmo o meu género. Pia e recatada, uma simples e casta devota, discreta e inofensiva, com um certo toquezinho de graça no cabelinho em pink mas coisa muito ao de leve -- e toda coberta (embora arejada), quase incógnita, verdadeiramente eu, Sta. UJM. 

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E, por agora, é isto. Hoje, por uma vez, não estou para mais, apenas mesmo para assuntos dados à espiritualidade.

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Mais fotos das toilettes que puderam ser observadas no Met Gala 2018 por exemplo aqui.

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Ah, e caso não estejam ao corrente da grande revelação (os novos gémeos separados à nascença) queiram descer um pouco mais.

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