segunda-feira, julho 24, 2017

Sobre o dia que passou,
enquanto ouço o vento





Este domingo, tal como se previa, foi repleto. Praia de manhã, uma aragem boa, a água fria mas nada de dramático, depois bacalhoada com todos a la maison, preparar petiscos para levar, a seguir superar o trânsito para ver se chegávamos a horas -- indo em carros separados, a maltinha é muita, já não cabe num único carro -- e isto para irmos buscar veraneantes ao aeroporto, o aeroporto mais parecido com dia de feira popular a abarrotar, os veraneantes a chegarem bronzeados e felizes da vida, depois todos para mais uma festa de anos, a última antes de os leões começarem a atacar, o meu caranguejinho mais lindo já um rapazinho, menino mais querido, depois, à noite, de novo em casa, a lida da casa, refeições adiantadas -- uma labuta (mas uma labuta boa). Mas, de facto, de manhã até à noite, uma roda viva. À noite quase me sentia desidratada de canseira. Mas bebi água quando cheguei, dormi uns minutos e reequilibrei a energia.

Estive agora a ver as fotografias que fiz. Todos bronzeados, todos sorridentes. A meio da festa, jogo de futebol lá fora com a rapaziada. Fui com eles, fiz a reportagem. Ouço-os a discutirem, não se põem de acordo quanto a ter sido ou não golo, se estava fora, se foi ou não auto-golo. Um diz que marcou uma tabelinha, outro fala em golo-cueca. Uma linguagem que não acompanho. O mundo do futebol requer, para a sua compreensão, competências que não possuo nem conseguirei, alguma vez, adquirir.


Depois, de novo em casa, os rapazes todos transpirados, uns quantos fazem uma banda. Um toca gaita de beiços, e toca bem, outro guitarra e todo ele inspiração, e duas meninas (no meio de tanto rapaz, hoje, entre os convidados, apareceu uma menina, uma companhia para a minha princesa mais linda que regressou bronzeada, olhos cinzentos ainda mais claros, quase transparentes) ocupam-se da bateria usando caixas de tupperware. O bebé come uma grande papa e mantém-se acordado e ri até que, finalmente, no meio daquele reboliço, adormece. Outro bebé, maior, faz uma ruidosa festa enquanto come e depois desata a gatinhar no meio da confusão dos outros. Os mais crescidos jogam PlayStation. Por fim, cantam-se os Parabéns e come-se o bolo de anos que é, na forma e na decoração, o leão do Sporting. Claro que parte dos convidados diz que se recusa a participar do festejo, que não pode compactuar com a situação, todos em volta da mesa debruçados sobre o símbolo do clube rival mas, enfim, a bem da paz social e familiar, superam a provação e acabam a comer partes da fera.

Agora, aqui em casa, o meu marido dorme depois de se queixar ('um gajo não consegue descansar'). Eu descanso, escrevendo.

Estive a ver as notícias no mundo por esses jornais online e não sei se é do cansaço que tenho em cima ou se é que o mundo anda mesmo desengraçado. Por cá, os onlines apenas dão destaque a palermices que o láparo diz ou a uma estranha atracção pela exumação contabilística de vítimas ou a populismos de trazer por casa. Não tenho paciência. Entre um xenófobo suburbano, uma política com a cabeça mais vazia que uma sapateira cheia de aguadilha e que tenta imitar as peixeiras em gritaria e um partido esvaziado que cavalga cada onda que lhe pareça trazer sangue ou porcaria, não consigo optar por nada.


Desloco-me, então, para outras paragens.

Descubro, perplexa, que os jiadistas cultivam a poesia, são incentivados a dedicar-se à literatura, que aprendem boas maneiras, que são sensíveis à elegância de atitude. Que, pelo meio degolem quem se lhes atravesse pelo caminho, não parece ser, para eles, uma contradição mas um acidente de percurso.
Terei que voltar ao assunto com mais tranquilidade pois temo que precise da cabeça a funcionar a pleno para poder perceber o que vi escrito. O mundo tem tantas surpresas e incompreensões que a minha pobre mente não está suficientemente ginasticada para poder entrar facilmente em todos os labirindos que nos aparecem pela frente, uns mais atraentes outros mais assustadores, esquinados, escondendo monstros elegantes que se dedicam à poesia.
Passo então para os novos palácios, os novos monumentos. Mas não palácios venezianos, não belos edifícios renascentistas, não, nada disso. 

Inward-looking?
A rendering of Apple Park in Cupertino, California,
the company’s global headquarters designed by Norman Foster + Partners.
It’s ‘a 100-year decision’, says Tim Cook, Apple’s CEO.
Os novos príncipes não surgem da aristocracia de antanho. Os novos fidalgos vestem jeans, têm ideias loucas numa garagem, arranjam amigos que os acompanham, vão por aí fora. São outros os mundos. De repente são dos homens mais ricos do mundo, são cortejados, distribuem oferendas, criam fundações. Quando se dá por ela, têm a trabalhar para eles muitos milhares de pessoas a quem eles querem felizes para que melhor produzam. Para isso, os novos senhores do mundo contratam os melhores arquitectos, pedem que lhes desenhem os edifícios mais arrojados, que criem novas formas, que inventem novos materiais, que tragam árvores raras das selvas mais recônditas, que façam nascer água e inventem rios, que no meio dos escritórios haja parques frondosos, ginásios, cinemas, bibliotecas. Leio isto e fico ligeiramente incomodada. Que novos produtos são estes que, do nada, geram tamanha riqueza? Faz isto sentido? Twitter, Facebook. Por exemplo. Como é que eu me enquadro este admirável mundo novo? Eu, que me encanto com a requintada filigrana da folhagem das árvores ao cair da tarde, como posso perceber o poder incomensurável destes novos reinos que comandam o mundo?


Entretanto, na RTP 1, passa A Última Paixão do Sr. Morgan. Já tinha visto mas estou a gostar de rever. Gosto da serenidade que vem das histórias bonitas, bem representadas. 

Não vos maço mais pois, como vêem, não tenho nada de mais para dizer. Nunca tenho nada de mais para dizer.

Hoje recebi vários mails de Leitores mas dois deles tocaram-me mais. Num deles, quem me escreve diz que gosta de me ler e que gosta de mim. Noutro, quem me escreve preocupa-se comigo, acha que há um tom de preocupaçao no que tenho escrito, pergunta-me pela família. Sinto-me tocada. Escreve-se como se se escrevesse sem ninguém aí desse lado, 'meu querido diário', e depois, quando se recebem palavras de afecto e cuidado, percebe-se que o mundo das palavras é afinal parte do mundo de verdade.
Hoje, quando perguntei à minha pequena leoa de olhos transparentes o que gostava de receber pelo aniversário, disse-me que queria um diário. Perguntei-lhe para quê. Disse-me que era para escrever sobre aquilo de que gostava ou não gostava, sobre os amigos, sobre coisas, e que tinha um cadeado com uma chave. Minha menina querida. Vai fazer sete anos, adora ler e agora quer ter um diário. Eu disse que lho oferecia eu. Depois perguntei-lhe se já tinha falado nisso a outras pessoas. Disse que a muitas. A ver se consigo ser eu a dar-lhe. 

Lá fora o vento dança nos ares e eu, que tenho os vidros abertos, sinto a frescura da noite. Gosto de estar assim, na sala quase às escuras, a sentir o ventinho a entrar, a escrever. 

Mas já escrevi demais. Tantas vezes me aconselharam: na internet os textos querem-se curtos, meia dúzia de linhas, se tanto. E eu que não aprendo.

Mas vou acabar. Antes, vou escolher fotografias do campo para povoar estas as minhas palavras. Gostava que a luz que eu vejo pousada sobre as folhas e sobre os muros chegasse intacta até vós. E gostava de vos poder oferecer os figos que começam a ficar carnudos e doces e as amoras que, quando tintas, são doces que só visto. Como não posso, deixo-vos aqui estes pedacinhos do meu paraíso na terra. 


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Desejo-vos a todos, meus queridos Leitores, uma bela semana a começar já por esta segunda-feira.

Sejam felizes.

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