É verdade: ali acima sou eu. Estava deitada no meu quarto in heaven quando fui fotografada. Há pouco, descobri com a Gina uma aplicação que permite aplicar efeitos às fotografias. Claro que me pus logo a fazer experiências. Peguei numa fotografia minha e escolhi o efeito Gauguin porque gosto de Gauguin e porque não distorceu ou desconfigurou a imagem original. De resto, está até bastante parecida porque as cores da túnica que tinha vestida e da colcha e das almofadas não andam muito longe destas. Mas, claro, na verdade não tenho um braço cor de salmão e outro amarelo.
Na fotografia abaixo, sou eu outra vez mas, agora, com o efeito 'abstracto'. Estava ainda deitada de barriga para baixo e a fotografia quase só apanha o meu cabelo e um pouco do rosto de lado bem como um pouco de uma echarpe que tinha posto pelas costas para me aquecer (quando, antes, tinha estado a dormir).
É a segunda vez que me mostro e, tal como na vez anterior, acho que fica claro que não quero mostrar-me. Aqui, no blog, não tenho nome nem rosto. Aqui sou apenas as minhas palavras, as músicas que gosto de ouvir, as fotografias que faço ou que escolho de outros. Só assim me faz sentido aqui estar. A exposição com cartão de cidadão na mão ou enquanto perfil no facebook não me interessa. Para isso não tinha um blog, tinha outra coisa qualquer. E, com isto, não critico quem se apresenta com nome e fotografia e descreve à minúcia as suas dores. Estou apenas a dizer que esse não é o meu registo -- e, sendo este um espaço de liberdade, que cada um seja como quer ser que está tudo certo.
Durante o dia não tive muito tempo para ler mas, ainda assim, consegui prosseguir a gostosa leitura de Caminhos e Destinos. A escrita diarística agrada-me. Mesmo que fale não de nós mas do que pensamos, ou de outros, ou de memórias ou de sonhos ou de invenções -- acho que somos nós, no dia a dia, deixando um registo nosso que fica inscrito no tempo que passa.
Gosto de aqui escrever e, se calhar, o Um Jeito Manso é mesmo (quase) um diário.
De tarde, estava a ler o que o autor diz da escrita diarística e a pensar que, se eu tivesse paciência, gostava de reler, ao acaso, apontamentos que por aqui vou escrevendo. Será que conseguiria recordar-me de tudo o que escrevi? De tudo o que vivi? Tenho alguma curiosidade em ver o que escrevi quando estava a passar por situações complicadas e o omiti, escrevendo como se estivesse feliz e descontraída. Em alguns casos apenas o referi mais tarde, noutros nunca falei. Não me lembro do que escrevi mas lembro-me (e lembro-me porque ainda hoje isso acontece) que, nesses dias, antes de escrever, penso sempre que não vou conseguir fazê-lo. E, no entanto, por um qualquer mecanismo que desconheço, ao pousar os dedos no teclado é como se um véu descesse sobre os problemas e uma janela luminosa se abrisse para um mundo em que nada de mal se passa comigo ou com os meus.
Lembro-me dos dias em que recebi a notícia gloriosa de que mais uma criança estava para chegar e que, por ser isso um assunto tão milagroso e me trazer uma felicidade tão íntima, o guardei para mim. E lembro-me da tristeza indescritível quando, por duas vezes, o milagre foi involuntariamente interrompido. Ou da expectativa boa que sempre antecede a chegada de cada criança. E, no entanto, nada disso transparece do que escrevo.
Ou quando há doenças, medos, ou, pior, quando há partidas. Apenas falo quando o susto passou e é quando falo ou, em casos muito especiais, falo em quem partiu mas só depois, quando arranjo forma de honrar a memória de quem partiu sem que a minha emoção se sobreponha.
Ou outros casos. Não sei como consigo eu isso. É como se pusesse na zona de sombra a parte de mim que não quer ser vista ou que não quer revelar os seus espaços de intimidade. Ou como se, sendo eu uma mulher de corpo inteiro, me cobrisse com o tal véu que me oculta tal o faço como na imagem em abaixo em que cobri o rosto com uma echarpe (neste caso, à fotografa dei o efeito 'beleza').
Ou quando há doenças, medos, ou, pior, quando há partidas. Apenas falo quando o susto passou e é quando falo ou, em casos muito especiais, falo em quem partiu mas só depois, quando arranjo forma de honrar a memória de quem partiu sem que a minha emoção se sobreponha.
Ou outros casos. Não sei como consigo eu isso. É como se pusesse na zona de sombra a parte de mim que não quer ser vista ou que não quer revelar os seus espaços de intimidade. Ou como se, sendo eu uma mulher de corpo inteiro, me cobrisse com o tal véu que me oculta tal o faço como na imagem em abaixo em que cobri o rosto com uma echarpe (neste caso, à fotografa dei o efeito 'beleza').
O tempo passa e eu vou mudando. Não tenho dúvidas disso, desde logo a nível físico. Mas sei que há uma linha que se mantém, íntegra. Vislumbro nas minhas memórias ecos do que sempre fui. No mais essencial de mim sou sempre eu e sempre a mesma. Ainda que não me mostre com nome, com rosto, com descrições exactas de quem sou, do que faço, dos problemas que tenho -- sou sempre eu. Mesmo quando ficciono ou falo como se fosse eu, sendo outra, ou mesmo que nada diga e apenas barafunde ou ria ou desdiga, sou sempre eu.
Reler-me talvez me ajudasse a conhecer melhor a mulher de quem tenho uma imagem cadeidoscópica. Talvez percebesse que, com mais ou menos cores, com mais ou menos efeitos, com ou sem filtros, sou, afinal, sempre igual e sempre completamente transparente. Não sei. Sinceramente não sei. Quem sabe se, para vocês que por aqui me acompanham, a minha imagem até não é um pouco mais definida do que é para mim. Se calhar é.
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