Também quero aproveitar para dizer outra coisa. Estávamos a jantar e a vermos a RTP 3. Por indolência fomos ficando. Gosto do Ministro Pedro Marques. Gosto desde que foi Secretário de Estado. É um fulano sóbrio. Não atira foguetes, não tenta agradar, fala do que sabe e, se não sabe, diz que não sabe. E, do que sabe, fala com determinação. Gosto. Não há cá rodriguinhos, bolas de efeito, jeitos à esquerda e à direita. E dá ideia que tem os pés assentes na terra, não parece ser fulano para se deixar deslumbrar.
Mas, então, lá estava ele, tentando manter uma linha de rumo racional face a perguntas da Ana Lourenço que o interpelava numa lógica de imediatismo, como se, agora que o fogo foi apagado, já se estivesse em condições de começar a trabalhar. Que ainda não haja levantamento de estragos, que, por conseguinte, muito menos se tenha podido avaliar a forma mais expedita e económica de fazer face a todos os estragos ou se há seguros que cubram parte dos danos ou condições efectivas para se pedir o recurso a fundos, isso, para ela não interessa nada. Para aquela cabecinha (que antes me parecia mais ou menos atilada e que, com o tempo, tenho visto a tender para a desmiolice) seria normal que, não se sabendo ainda nada disso, o Ministro estivesse em condições de responder com números exactos a quanto vai custar ou quando vai estar tudo pronto.
Como é que eu poderia alguma vez ocupar cargos em que tivesse que aturar perguntas assim...? Jamais! (ler em francês de Alcochete, se faz favor). Se numa situação destas, no dia em que fosse nomeada para coordenar a reconstrução de uma coisa com a amplitude de toda a zona ardida nos diabólicos incêndios de Pedrógão e Góis, e sem se saber ainda o exacto âmbito e a real dimensão dos estragos, me aparecesse uma Ana Lourenço a fazer perguntas destas, acho que responderia com ar sério:
Com certeza, Ana. Eu digo-lhe. Vai demorar três meses e duas semanas e meia e vai custar quatro milhões, quinhentos e vinte e sete mil duzentos e setenta e seis euros e vinte e três cêntimos.
A ver se ela percebia a ironia... Na volta, não.
Para os jornalistas qualquer asneira dita com ar convicto é letra de forma, coisa equivalente ao que antes era atestado em papel azul de vinte e cinco linhas com selo branco e escriturado por notário. E quatro ou quarenta, milhões ou milhares de milhões para os jornalistas é tudo igual ao litro. Vão por mim: ainda pior que cliteracia de alguns australopitecos é a confrangedora iletracia matemática dos jornalistas. Mas, enfim, acho que, quanto a isso, não há nada a fazer. Temos que sofrer em silêncio (ou, então, seguir o avisado conselho da Mãe Preocupada).Continuando. Na volta, a dita Ana Lourenço (e aqui leia-se Ana Lourenço em sentido lato) achava que eu estava a falar a sério e ainda me perguntava a seguir: E quantas pessoas vão estar envolvidas nessas operações? E eu, na mesma linha, responderia, com convicção:
Ainda bem que fez essa pergunta, Ana. Vão estar envolvidos catorze engenheiros civis, dois mecânicos, quatro electrotécnicos, dez biógofos, dois astrofísicos, um astronauta, sete arquitectos, duzentos e trinta e sete pedreiros, treze electricistas, doze canalizadores, a equipa do Querido, Mudei a Casa, cinco silvicultores, dois deputados do PSD Ribatejo, trinta e três motoristas, vinte e nove agricultores, a ex-ministra Cristas, cinco jardineiros, dois fotógrafos, rédeas curtas para dez meios jornalistas, milho para meia dúzia de galinhas sem cabeça (bem, talvez essas não precisem de milho), uma gaiola para cinco papagaios e uma jaula para seis abutres.
Enfim.
Mas adiante que não era sobre isto que eu ia falar.
Mas adiante que não era sobre isto que eu ia falar.
A cena é que a Ana Lourenço -- que hoje não se apresentava com o habitual cabelo em asa de corvo mas, sim, numa rutilante cor de cobre -- estava com um generoso decote que deixava antever parte dos seios. Acresce que dá ideia que os pousava sobre a bancada, empolando os volumes que se acomodavam dos lados do vale que se formava entre eles.
Em frente, o pobre ministro tentava manter o olhar acima da linha de água para que ele (ele, olhar) não se afundasse na regueira por onde talvez escorresse a putativa transpiração entre-seios da Ana Lourenço.
Contudo, o pobre, de vez em quando, quando ela falava e ele se via forçado a encará-la, fechava os olhinhos, tentando não ver o que ela tinha bem à vista. Olhinhos semi-cerrados. Franzidinho, franzidinho... Ou isso ou é míope e estava, o maroto, a focar a visão para melhor alcançar as poitrines da Lady in Red Hair.
E estava eu a pensar isto -- mas em silêncio, que eu os pensamentos íntimos gosto de os guardar só para mim -- e diz o meu marido: 'Não deve ser fácil um gajo manter-se concentrado... a Ana Lourenço hoje está com as mamas quase de fora'.
Exagero dele, claro. Não estavam quase de fora coisa nenhuma, estavam apenas sofialorianamente bem insinuantes, digamos assim.
Esta dele (dele, meu marido) até me fez lembrar uma do marido de uma colega. Conta ela que ele, quando ela sai de casa mais decotada, lhe alarga o decote com um dedo, espreita bem de perto e lhe pergunta: 'Olha lá, achas que vais bem assim, as mamas todas à mostra?'. Conta ainda ela que, calmamente, o elucida: 'Olha lá tu. E tu achas que os meus colegas costumam meter o dedo no meu decote e espreitar lá para dentro?'
E sai de casa assim mesmo, orgulhosa nos seus bem fornecidos seios.
E faz ela muito bem. Desde pequena que ouço dizer que o que é bom é para se ver. Ora essa.
E sai de casa assim mesmo, orgulhosa nos seus bem fornecidos seios.
E faz ela muito bem. Desde pequena que ouço dizer que o que é bom é para se ver. Ora essa.
Enfim.
Isto só para dizer que, por todas as supra aduzidas razões, aquele pobre ministro Pedro Marques deve ter suado as estopinhas para sair lúcido daquela entrevista com a Ana Lourenço.
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NB: Caso este converseio não seja bem a vossa praia e prefiram prosa mais literária, desçam, por favor, para ouvirem um escritor guapissimo com voz arraçada de Pipi a falar da Madame Bovary.
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[Não sei se ainda vou dedicar-me ao meu folhetim ou se vou mas é pregar para outra freguesia. Já vejo]
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