Tive com a minha cãzinha, uma boxer cor de mel que viveu connosco durante quase treze anos, um dos mais genuínos e imaculados afectos da minha vida. Eu, que antes tinha medo de cães, deixei-me seduzir pela ternura e alegria daquela criaturinha bebé que viria a revelar-se muito inteligente e uma amiga incondicional.
Se ainda hoje continuo a pouco conseguir falar dela isso deve-se à saudade que sinto e à dor imensa que tive quando se foi. A forma como me olhou quando, quase sem conseguir andar, se virou para trás sem perceber porque não a acompanhava continua a pesar-me. Cobarde, cobarde, incapaz de a acompanhar nos últimos momentos.
Por estas alturas, com o calor, não procurava o meu contacto: estendia-se no chão de madeira ou de pedra. No inverno saltava, a meio da noite, para cima da nossa cama e, entre os dois, sobre a colcha, ali ficava ela. Contudo, no verão ia para debaixo da cama.
Menina linda. Saltava no ar, atirava-se a mim para me beijar quando eu chegava a casa. Em contrapartida, ia, acabrunhada, caída, para a sua cama quando sentia que eu ia sair. Mas se percebia, não sei como, que a levaria comigo, aí já era uma animação, impaciente à minha volta, a lamentar-se pela minha demora, quase me puxando para a porta.
Já o contei: surpreendia-me com o conhecimento de vocabulário dela. Testava-a: traz a bola. E ela lá ia até que, passado um bocado, aparecia com uma bola. Mas se eu lhe pedia: 'vai buscar a bolinha' aí já ela me aparecia com uma bolinha pequenina. Se eu dissesse: vai buscar o brinquedo, passado um bocado aparecia com uma coisa cujo nome eu não sabia e que, por isso, chamava de brinquedo. Se estava ao ar livre podia pedir-lhe um pau e ela andava, andava, até me aparecer com um pau. E se eu lhe perguntava: 'onde é que está o gato?' aí eriçava-se, arqueava o corpo, bufava, rosnava, ladrava furiosamente. A mesma coisa com 'viste o cavalo?'.
Inteligente, sensível, meiga. Mas já se sabe que os cães são assim.
Mas um peixe...?
Hiroyuki Arakawa é um mergulhador profissional.que acompanha a vida subaquática numa zona de especial beleza e riqueza natural, no Japão. Uma vez, aí, ele salvou um peixe que estava ferido e cansado, dando-lhe de comer durante dez dias. A partir daí o peixe não mais o esqueceu. Ha vinte e cinco anos que dura o afecto. O peixe, Yoriko, que parece ter feições quase humanas, deixa-se afagar e beijar e retribui o afecto ao velho mergulhador, acompanhando-o, mostrando-lhe, com essa proximidade e permissão, que sabe bem que ele é o seu grande amigo.
Aliás, estudos da Universidade de Oxford revelam que os peixes reconhecem o rosto humano, mesmo quando o que lhes é mostrado são fotografias. E mesmo se, para os baralhar, as fotografias forem a preto e branco ou até se a forma da cabeça das pessoas for uniformizada, ainda assim eles conseguem distinguir aquelas que conhecem. Espantoso.
Hiroyuki Arakawa e Yoriko, best friends forever
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Até já.
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