domingo, junho 04, 2017

Os golos de Cristiano Ronaldo na final da Champions, in heaven, por entre o caso das criancinhas desaparecidas, chilreios anónimos, um sol dourado e um ventinho fresco





Não está calor. Calor nenhum. Quando o vento sopra sente-se, mesmo, algum frio. Estou vestida com calções curtos e uma blusa fina de alças. Há pouco, enquanto andava lá por baixo a passear, pensei que devia vestir um casaco mas o ar fresco na pele soube-me bem.  

Agora estou na sala enquanto na televisão dá a final da Champions. De lá chega o som da festa do futebol. Ouço dizer que 'o gajo está sempre a fazer carinhas'. Depois 'o gajo agora está louro aos caracolinhos'. Mas a televisão está um bocado longe e não vejo bem. Grande alarido agora. Ouço 'o gajo já marcou'. Olho e vejo um vulto vestido de lilás a dar um grande salto. O gajo é o melhor jogador do mundo. 


Lá fora o sol está dourado, faz dourar as árvores e os arbustos. É como se a doçura do sossego pousasse sobre o que me rodeia.


Fotografo o que vejo enquanto aqui escrevo. A cor da cortina parece contagiada pelo ouro do sol a esta hora em que já passa das oito da tarde. Sabe-me tão bem estar aqui. 


As árvores crescem desabaladamente. A minha filha admira-se: também não choveu assim tanto que justifique um crescimento destes. Não, de facto. Mas a verdade é que a terra se modificou. De pedregosa e árida tornou-se muito fértil. 

Tudo cresce assim. Os pinheiros, cedros e eucaliptos atingem alturas incompeensíveis. Mesmo o alecrim ou a madressilva crescem de forma incomum. Tudo está florido e perfumado. 


Ao passar por um caminho rearei numas flores delicadas e cheirosas. Nunca ali as tinha visto. Penso que sejam ervilhas de cheiro. Tão bonitas. De onde vêm estas flores, eu não sei. Dá ideia que há aqui, neste lugar abençoado, um chamamento que atrai flores vindas não sei de onde. Flores e pássaros.


E os pássaros, esses invisíveis seres que enchem o ar de variadas melodias, devem ser muitos. Tão frondosas estão as árvores que nunca consigo vê-los. Estive sentada no banco que foi pintado do azul-alentejo que veio por engano e o chilreio era esfusiante. Estava imóvel a ver se descobria algum pássaro mas não, dá ideia que se disfarçam entre a folhagem. Ou, então, sou que sou mais míope do que penso. Mas não faz mal. São como eu. Querem ser apreciados pelo que cantam, apenas pelo seu canto, e não pelo que parecem ser. Também eu quero que gostem ou não gostem do que escrevo, independentemente de eu ser como sou.


Tenho estado a ler um livro que pensava que ia ser uma animação. Qundo comecei a ler ainda me ri, uma maluqueira desbragada, o Pacheco no seu melhor. Depois percebi que o disparate era uma defesa, que o que estava a ler era um dos livros mais tristes que já lera. Interrompi para escrever isto porque a escrita era dilacerante.

Ainda pensei transcrever uma parte para vos mostrar mas falta-me o ânimo para tal. Talvez depois, não agora. Não sei se todo o livro será assim, mas até onde li, Luiz Pacheco fala do período em que viveu, pobremente, nas Caldas da Rainha, tão pobremente que os filhos lhes eram retirados e dados para adopção. A forma como ele fala desse período é pungente.


Enquanto o meu marido cortava umas pernadas da figueira gigante a cuja sombra fresca e perfumada gosto de me acolher nos dias de verão, estive sentada num banco a tentar ler. Mas as solicitações eram muitas e as leituras devem ser guardadas para momentos de algum recolhimento. Acho que agora, enquanto por ali as atenções estão concentradas no futebol, vou ler um pouco do livro sobre arte. Acima, há pouco, junto aos livros, uma tigelinha onde os meninos estiveram a experimentar culinárias com bolotas, folhas variadas, bocadinhos de terra e alguma água. Brincam tanto, eles. Tudo lhes é motivo de descoberta e alegria. Como escreve o Pacheco, o facto é que conviver com as crianças nos leva a aprender muita coisa e nos rejuvenesce porque repito a novidão nos dá vida e os mais novos são os mais sábios.


E, de novo, ali do fundo da sala, um bru-ah-ah, a explosão em forma de grande festejo. Cristiano Ronaldo marca mais um golo. Imparável este rapaz. Fui ver a repetição: uma precisão e compreensão do jogo quase não-humana, uma coisa de tipo ex machina. Mesmo eu, que nada percebo de futebol, me espanto com a energia intravável com que ele se lança a caminho do golo.



E já quase anoiteceu, as janelas já foram fechadas. E ouço o vento nas árvores. Uma música maravilhosa que me chega da natureza, aqui in heaven.

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Até já. 

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