Aqui onde estou há silêncio e paz. Durante o dia, de vez em quando, passa um carro. Pode acontecer que passe também um dos vizinhos do princípio da rua mas vai a cavalo. Quando nos vê, cumprimenta com um sorriso, levando a mão ao boné. Pelo menos duas vezes por dia passa, numa carrinha, o outro vizinho para ir tratar das vacas. Antes passava também um rebanho guiado por esse mesmo vizinho.
Quando tínhamos connosco a nossa querida cãzinha, mal se ouviam ao longe os cascos do cavalo ou o balir das ovelhas, logo ela se eriçava e saía que nem uma louca para ir a correr e a ladrar ao longo da rua, pelo lado de dentro. Regressava algum tempo depois, exausta, notoriamente enervada. Eu tentava acalmá-la mas ela vinha agitada. Depois, lá sossegava.
Por vezes, de noite, ouvimos barulhos no telhado. Ao princípio, eu ficava assustada, pareciam passos. Aliás, ficávamos todos em suspenso, a tentar perceber o que era, assustados. Depois fomo-nos habituando. Achamos que devem ser bolotas ou ramos que caem, pássaros, gatos. Outras vezes ouvem-se piares altos. Talvez corujas, mochos.
E, mal o sol se prepara para despertar, logo os pássaros em concerto, uma alegre cantoria que transmite alegria para o dia todo.
Claro que, durante o dia, mal as ameixas fiquem pintadinhas, farão o mesmo que fazem a toda a fruta: chamar-lhes-ão um figo. Entretanto, para memória futura, fotografo-as enquanto estão assim, como aqui se vê, formosas, a quererem amadurecer.
Claro que, durante o dia, mal as ameixas fiquem pintadinhas, farão o mesmo que fazem a toda a fruta: chamar-lhes-ão um figo. Entretanto, para memória futura, fotografo-as enquanto estão assim, como aqui se vê, formosas, a quererem amadurecer.
A vida pode ser simples, sem ostentações, sem conflitualidades, sem dramas. A vida aqui, in heaven, decorre assim. Devagar, em paz.
Mas é um refúgio, uma excepção. No mundo lá fora, as pessoas engendraram mundos que as aprisionam, as desgastam, lhes retiram a alegria dos prazeres elementares. Tantas pessoas com depressões, tantas pessoas desgastadas, tantas pessoas enervadas por vezes com situações frívolas (comentários desagradáveis nas redes socias ou olhares de soslaio nas pequenas terras do interior, por exemplo). Parece que as pessoas se vêm esquecendo de como é bom descansar, andar no campo, ler um livro, escrever uma carta, conversar calmamente -- sem ser de copo na mão (como vejo tantos jovens ao fim do dia a conviverem, todos de copo ou garrafa na mão) -- experimentar o prazer da generosidade, sorrir, dar a mão.
Mas é um refúgio, uma excepção. No mundo lá fora, as pessoas engendraram mundos que as aprisionam, as desgastam, lhes retiram a alegria dos prazeres elementares. Tantas pessoas com depressões, tantas pessoas desgastadas, tantas pessoas enervadas por vezes com situações frívolas (comentários desagradáveis nas redes socias ou olhares de soslaio nas pequenas terras do interior, por exemplo). Parece que as pessoas se vêm esquecendo de como é bom descansar, andar no campo, ler um livro, escrever uma carta, conversar calmamente -- sem ser de copo na mão (como vejo tantos jovens ao fim do dia a conviverem, todos de copo ou garrafa na mão) -- experimentar o prazer da generosidade, sorrir, dar a mão.
Claro que não vale a pena ser bucólico-fantasista porque o tempo em que grande parte da população vivia no campo já lá vai há muito, muito tempo. Mas parece que já vai sendo tempo de as pessoas perceberem que o mundinho escandalosamente rico dos happy few que ganham por ano aquilo que os remediados não ganham numa vida inteira é, frequentemente, um mundinho espúrio, geralmente assente em alicerces inexistentes ou podres, pelo que não faz grande sentido que sejam apontados pelos media como gente em quem o comum dos mortais deve pôr os olhos. E já vai sendo tempo de os meios de comunicação social deixarem de propagandear a mediocridade ou dar palco a tudo o que é cabeça oca, opinador da treta, entretenimento pimba ou reality show com o lumpen da sociedade.
Este sábado, de manhã, fui à cabeleireira. Depois de anos sem pôr os pés numa, agora estou a tomar-lhe o gosto. Este ano já é a terceira vez que vou. Esta percebe o meu cabelo, sabe tirar-lhe volume, escadeá-lo naturalmente, colocá-lo numa altura em que não é curto nem é comprido. Como sempre, aproveito para ler revistas. E pasmo com o que ali leio. Uma futilidade constrangedora, tudo aquilo. Nada se aproveita. Uma espuma inútil que a única coisa que faz é ajudar a distorcer ideias a quem é possuidor de uma cabecinha fraca.
As sociedades quando perdem raízes e o apego às coisas naturais e simples, quando deixam de ler ou de apreciar arte, quando deixam de ser minimamente exigentes consigo próprias e com os outros, quando o humanismo passa a ser coisa perdida no passado, tornam-se vulneráveis a populismos e alvos fáceis de gente perigosa.
Enquanto escrevo, passa na televisão o que está, de novo, a passar-se em Londres. Mais um atentado. Ou dois atentados.
A minha filha assusta-se, pede-me que não fale nisto, que não escreva aqui aquilo que lhe disse a ela, ao revelar-lhe os meus medos. Não digo, claro, porque penso que o terrorismo se alimenta da propaganda e quanto mais mediatização tiverem os seus atentados, mais ideais destrutivas surgirão, mais tarados aparecerão dispostos ao sacrifício final, uma baleia azul em ponto grande e ao vivo.
Vejo ambulâncias, ruas cortadas, confusão. Eu aqui, tranquila nesta sala silenciosa, a escrever sobre flores e pássaros enquanto, num dos centros mais nevrálgicos do mundo ocidental, morre gente e outros sobrevivem, mas com feridas, a mais um momento de terror nas ruas supostamente pacíficas, cheias de gente que convive ao fim de semana à noite.
Tempos tristes estes em que parece querer anunciar-se o fim dos tempos, pelo menos dos tempos bons, aqueles inocentes tempos em que ver um arco-íris era uma festa, em que acreditar no amor nos enchia os corações e em que dávamos valor às coisas insignificantes e boas desta vida. E em que a poesia e a palavra em geral eram raiz e coroa da nossa existênia.
Vejo ambulâncias, ruas cortadas, confusão. Eu aqui, tranquila nesta sala silenciosa, a escrever sobre flores e pássaros enquanto, num dos centros mais nevrálgicos do mundo ocidental, morre gente e outros sobrevivem, mas com feridas, a mais um momento de terror nas ruas supostamente pacíficas, cheias de gente que convive ao fim de semana à noite.
Tempos tristes estes em que parece querer anunciar-se o fim dos tempos, pelo menos dos tempos bons, aqueles inocentes tempos em que ver um arco-íris era uma festa, em que acreditar no amor nos enchia os corações e em que dávamos valor às coisas insignificantes e boas desta vida. E em que a poesia e a palavra em geral eram raiz e coroa da nossa existênia.
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E queiram continuar a descer ao encontro dos golos do Ronaldo, dos meus passeios in heaven e do livro tão triste que estava a ler que tive que suspender a leitura.
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1 comentário:
"Aqui onde estou há silêncio e paz. Durante o dia, de vez em quando, passa um carro." Cara UJM, eu tenho a felicidade de viver num sítio desses TODOS OS DIAS. Jamais voltaria a viver na cidade (Lisboa, onde residimos uns tantos anos e em boa hora decidimos mudar!). Não há ruído de carros, apenas um ou outro vizinho que chega, calmamente, do seu trabalho, ou vai de fim-de-semana. As noites são silenciosas, sem sirenes, sem ruídos de automóveis, de autocarros, de gentes, etc. Sempre que tenho de andar de carro na cidade, muitas das vezes sinto-me obrigado a fechar as janelas do carro, pois caso contrário não consigo ouvir a minha música, tenho que gramara os ruídos inacreditáveis do trânsito, etc. Dizia outro dia, num Post, que se sentia o cheiro doas árvores. Não imagino bem como, com a poluição automóvel. Mas, pode ser que em certos lugares mais escondidos de Lisboa se consiga. Enfim, acho que as cidades hoje servem para se desfrutar e depois à noite fugir delas e ir para os tais Heaven, que os há em muitos locais não muito longe de Lisboa (como do Porto).
Bom resto de Domingo!
P.Rufino
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