Bombeiro exausto no incêndio de Pedrógão [Foto de Nuno Botelho no Expresso] |
Os jornalistas perseguem agora os sobreviventes e ficam sem reacção quando as pessoas comprovam que a vida continua. A vida sempre continua. Numa aldeia que já tinha pouca gente e onde parte agora morreu, a senhora tratava da sua vida e dizia à repórter de arribação que a ver se, para a próxima, não era pior já que desta tinha escapado. E ria, o ar saudável da floresta no sorriso franco.
Adele com os bombeiros de Chelsea a seguir ao incêndio da Grenfell Tower |
Mais à frente, apenas por um momento o senhor se foi abaixo porque, de resto, continuou na sua lida, saudando a sorte que o tinha protegido.
Por muitos dias os jornalistas, tristes aves que gostam de se alimentar de carniça, procurarão por aquelas estradas mortas a lágrima persistente, o homem que chora amparado pelos vizinhos enquanto o carro funerário leva o seu familiar, a recordação sofrida, o idoso que dirá que nunca viu nada assim. Talvez tenham que percorrer muitos quilómetros já que a maioria dirá que já muitas vezes viu as serras num braseiro, chamas de um lado e do outro, nunca tanto como agora, é certo, que desta vez parecia que o demónio andava à solta, vomitando chispas -- mas que a vida continua. E sorriso na cara, enxada na mão, cesto de hortaliças na outra. E a idosa abrigar-se-á na paragem da carreira porque gosta de estar ali a ver quem passa, a paragem é quase a sala de estar da aldeia, e sorrirá com a própria ousadia.
Um dos looks do Royal Ascot deste quente mês de Junho (um look que eu perfilharia de gosto) |
A vida continua.
Pode a Judite de Sousa afivelar um ar comedido e entredentes insistir na demissão da ministra, pode tentar não ouvir o que António Costa tem de sério a dizer, sugerindo-lhe culpas a eito ou apelando à falta de confiança na equipa que tenta dominar a besta, que a vida continua -- e das pífias intervenções dela e de outros que tais nada sobrará para além do registo do definhamento do jornalismo em Portugal.
Pedrógão, Penela, Rabaçal, Góis.
Aqueles lugares são lindos e quem por aqui me acompanha há algum tempo lembrar-se-á dos meus passeios por estes lugares maravilhosos que agora ardem, o fogo desvairado tudo consumindo à sua passagem, mas que irão renascer, verdes, viçosos, atraindo de novo as flores, os animais, as sombras graciosas.
Aqueles lugares são lindos e quem por aqui me acompanha há algum tempo lembrar-se-á dos meus passeios por estes lugares maravilhosos que agora ardem, o fogo desvairado tudo consumindo à sua passagem, mas que irão renascer, verdes, viçosos, atraindo de novo as flores, os animais, as sombras graciosas.
Escola temporária para acolher crianças Rohingya (perseguidos em Myanmar) |
Pode ter falhado alguma coisa. Em situações anómalas é normal que o que está pensado para situações normais apresente falhas. Seria desejável que nada disto tivesse acontecido e que a mãe natureza não tivesse sido malvada. As alterações climáticas têm tradução em factos concretos, não são mera fantasia. E não tenho dúvidas de que, por todo o lado, há coisas a melhorar. Sempre há. Melhor coordenação, mais meios. Mesmo quando tudo corre bem, é sempre possível melhorar. Mas o que há a fazer é mais, muito mais do que sacrificar cordeiros na praça pública, sejam os cordeiros os técnicos da Protecção Civil, do IPMA, dos Bombeiros, da GNR, dos Operadores de Comunicações, das Autarquias, etc. O que há a fazer é imenso e requer muitas competências, muitos responsáveis, muita coordenação, muito planeamento, muita resiliência para meter mãos a um trabalho árduo, inglório, invisível, impopular. Não é coisa para as Judites de Sousa ou outras aves que tais irem depenicar para terem com que abrir telejornais ou alimentarem ad nauseam debates e trocas de galhardetes entre ignorantes cuja conversa é paga a metro.
Mulheres chinesas a fazerem ioga entre campos em flor (em Jiangsu) |
Organizar um país e mudar as possessivas mentalidades (de quem é capaz de rachar a cabeça ao vizinho por uma disputa incompreensível numa extrema da horta), expropriar terras abandonadas, promover a troca entre proprietários, valorizá-las justamente, planear a sua utilização, etc, aldeia a aldeia, serra a serra, estabelecer jurisdição, afectar recursos a tão invisível e moroso trabalho, delimitar áreas de actuação entre o poder local e o poder central -- tudo isto, como num outro post já o referi, é trabalho de sapa, de persistência. Trabalho para muitos anos.
Uma das praias onde gostaria de voltar: a maravilhosa praia de Saint Malo |
E, enquanto isso se fizer, a vida vai continuar. Chorar-se-ão os familiares tão horrivelmente perdidos, lamentar-se-á a casa tão amorosamente reconstruída (como a do Mário, cuja carta hoje me chegou), sofrer-se-ão os pesadelos que voltarão recorrentemente durante muitas noites. Chegarão apoios para a reconstrução, para a reflorestação. E a vida continuará.
Las Cuevas de Mármol entre o Chile e a Argentina, onde apenas se vai por barco. As cores da água mudam ao longo do ano |
A vida continua. O mundo é diverso. Incêndios, inundações, tornados, suaves brisas, neves, majestosos horizontes onde o sol nasce, onde o sol se põe, Cidades e florestas, rios e grutas, mares e gentes e bichos e árvores e flores e pedras.
Há que amar a natureza, respeitá-la, honrar a vida, amar a beleza de tudo, há que perceber as coisas a fundo, dar tempo ao tempo, recusar a cultura do efémero, do imediato, da superficialidade, há que pugnar pela verdade, pelo rigor, pela qualidade. Há que aprender alguma coisa com as grandes lições com que a natureza tenta ensinar os insignificantes homens.
Estas casas onde vivem monjes e freiras na província de Sichuan na China faz parte da Academia Budista Larung Gar, agora lugar de conflito |
E a vida continua. Ainda bem que continua. Na sua extraordinária diversidade e beleza, a vida continua.
Vida e Morte -- Rumi
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A primeira foto é do Expresso e as duas últimas são do National Geographic.
As restantes são fotografias do dia do The Guardian
A soprano Hana Blažíková com o Ensemble Tourbillon interpretam 'Il Goder un bel sembiante” de Pietro Baldassare
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Um dia feliz a todos quantos, aí desse lado, me fazem companhia
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