quarta-feira, maio 31, 2017

Ou nada





Espreitar a perspectiva. Cortar a parede para a colar às flores ao longe. As cordas rangendo no rio. O sol a afundar-se no horizonte. As mãos que pensam em silencioso sossego. A árvore que se agita. O tronco da árvore, rugas e pele, calores e frios, cantos de pássaros. O musgo e a flor que se deita sobre ele. O olhar doce que se abeira. A indiferença do gato. As casas ao longe. O momento. O ângulo que a sombra desenha no muro branco. Fotografar.


Pintar. Nasce a forma, imperceptível forma, desfaz-se a cor em várias outras, sublima-se o movimento. Oculta-se. Insinua-se o imperceptível objecto. Oculta-se. Ou apenas se disfarça. Derrama-se a luz. Linhas suaves, uma curva que amacia o olhar. Olha-se e é o irreconhecível. Percebe-se, então, que nada mais há a acrescentar. Tarde, tão tarde já. Noite alta, já madrugada.


Ou uma arca cheia de fios, rolos, meadas. De todas as cores. Um papel muito grande, quadriculado, o quarto de um desenho. Uma grande tela em branco, um tecido que cheira a trabalhos manuais, juta, fios indomesticados, orgânicos. Os joelhos cobertos, a tela que se vai enchendo de desenhos feitos de lã. Cores, uma pintura a formar-se feita de fios de lã. Imensa, calor nas pernas, um peso crescente, um labor insano, uma obra prestes a nascer. Quase, quase. Só mais uma flor. E agora o caule. Quase. Quase. Noite após noite.

E as borboletas no estômago. A página em branco. As borboletas a subirem ao peito. Os dedos a deslizarem no teclado. A borboletas a taparem a visão, a tomarem conta do sentido. Os dedos a procurarem as letras, sozinhos, os dedos com vida própria, as borboletas em volta, as palavras a surgirem. Noite adentro. Até que o cansaço pega nas mãos e as leva a dormir.

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Nada mais a dizer. A não ser ver as imagens que chegam do mundo, esse lugar desconhecido que os nossos corpos habitam (as mentes habitam num outro universo, também desconhecido: aquele em que queríamos estar, aquele em que gostámos de ter estado, aquele que esconde os nossos medos e guarda os nossos sonhos, um mundo só nosso).

Cox’s Bazaar, Bangladesh

A villager heads to a storm shelter as Cyclone Mora hits the region, bringing winds of up to 84mph. Thousands of homes have been damaged and more than 300,000 people have fled coastal villages
[Photograph: AFP/Getty Images]

Balmazujvaros, Hungary

A white stork takes off from a nest at sunset
[Photograph: Zsolt Czegledi/AP]

Bangkok, Thailand

Shopkeepers in flooded streets after heavy rainfall hit the city
[Photograph: Lillian Suwanrumpha/AFP/Getty Images]

Bristol, England

A baby western lowland gorilla in the arms of her mother, Touni, at Bristol Zoo Gardens. The zoo has invited the public to help name the baby
[Photograph: Ben Birchall/PA]
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Ou ler. Ler, Os olhos semi-cerrados, ler em silêncio.

Ou ler em voz alta. Acto de amor. Ler um livro para que o outro ouça o que os nossos olhos lêem.


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Ou dizer com o corpo: poesia-me.


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Ou nada. 
Talvez apenas escrever em silêncio, em segredo. 

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As pinturas são, uma vez mais, de Georgia O'Keeffe. A primeira fotografia é minha. As quatro legendadas em inglês são fotografias do dia do The Guardian, A música lá em cima é interpretada por Catrin Finch e Seckou Keita, Alan Rickman em 'Reading to Marianne' no filme Sense and Sensibility. Carolina Mancuso é uma das bailarinas que dança 'Tiger Lily' numa coreografia de Jiří Kylián

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E, agora, eu desejo a todos os que aqui estão comigo um dia muito feliz.

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