segunda-feira, abril 18, 2016

A propósito de 'As mulheres de Atenas',
a palavra a dois Leitores, os Caros P. Rufino e José Neves


No outro dia transcrevi um excerto do livro 'Os Gregos' que suscitou comentários interessantes. Por recear que passem despercebidos, resolvi puxá-los para aqui pois considero que enriquecem o conhecimento da matéria versada.

O Leitor José Neves polemiza a propósito do que eu disse pelo que teve resposta, como poderão ver, na respectiva caixa de comentários. Por isso, não vou aqui repetir-me. Contudo, não me referi a um dos aspectos pois, na altura, passou-me. Refiro-me agora.

Considera ele que o termo 'amante' -- que, pelos vistos associa a 'vulgar amante' -- é depreciativo e sinónimo de 'mulher por conta' e que, portanto, eu não o deveria ter usado ao referir-me a Aspásia. 
Mas essa conotação é sua, Caro José Neves, e não minha. Amante, para mim, é alguém a quem se ama e com quem se tem um relacionamento amoroso sem vínculo contratual, digamos assim. Uma amante, para mim, não é forçosamente uma mulher por conta, uma mulher vulgar, ou, sequer, uma mulher a quem não se reconhecem atributos intelectuais ou culturais de monta. 
Finalmente duas observações: a abertura de parágrafos no texto é de minha responsabilidade e pretende manter alguma homogeneidade com critérios usados em textos meus ao longo do blogue. As fotografias que intercalei, intercalei porque sim e porque é também hábito meu. Foram feitas esta manhã.

E, feito o preâmbulo, que fale quem sabe.


Divna Ljubojevic - Agni partene Αγνή Παρθένε

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A palavra ao Leitor P. Rufino


Já Heródoto quando relatava os comportamentos dos Egípcios, dizia que as mulheres egípcias gozavam de um maior controlo das suas vidas do que as suas congéneres gregas, podendo, por exemplo, ser elas a iniciar um divórcio. E podiam ser comerciantes, por oposição às mulheres gregas, que não possuíam essa liberdade, total, de negociar. Embora, a exemplo das outras sociedades dessa época, a função principal das mulheres egípcias, tal como as gregas, assentasse na sua capacidade procriadora. 

O grande orador e estadista grego, Demóstenes, da Antiga Atenas, costumava dizer: “nós temos as Hetairai para o nosso prazer, as concubinas para os nossos desejos mais comuns e as esposas para a procriação e guardiãs domésticas”. 

Na desaparecida Etrúria Antiga, as mulheres tinham mais direitos, por exemplo, participavam nos banquetes com os homens, uma prática que era criticada por Teopompo que estava habituado às prostitutas de diverso tipo (Hetairai, etc) nos tais banquetes. As mulheres Etruscas tinham inclusivamente direitos civis e financeiros e os Etruscos consideravam o casamento importante, mais do que um mero arranjo com vista à reprodução. 

Na Grécia Antiga, algumas Hetairai obtiveram vulto e sucesso, como Teódote a companheira do estadista Alcibíades, Aspásia a amante de Péricles (de quem se contava que o filósofo Sócrates ia a sua casa e terá tido uma relação), Prynea modelo e amante do grande escultor Praxiteles (e do orador Hiperides). Mas, houve outras, que ficaram igualmente famosas (pela beleza e intelecto), sobretudo na qualidade de Hetaeras, como as duas Lais (de quem uma delas o grande pintor Apeles se deixou encantar pela sua extraordinária beleza), a Thais, Sinope, etc. Naera era tão bonita e célebre que os seus patronos lhe compraram a liberdade, ao ponto de ela dizer de si própria “ser a amante de si própria”. Xenofontes, no seu livro “Memórias de Sócrates” dá conta dos amores de Sócrates por outra conhecida Hetairai, a bela Theodote, um misto de mulher independente, vivendo numa casa “de gosto deslumbrante”, segundo crónicas do tempo. 

E grande estadista e legislador Solon (misógeno e homossexual) determinou, entre muitos outros aspectos, que o homem guardião podia vender uma mulher solteira que tivesse perdido a sua virgindade. Em sua opinião, “as mulheres eram uma fonte perene de fricção e conflito entre os homens”. 

As mulheres da Antiga Roma tinham, mesmo assim, mais direitos do que as suas congéneres Gregas. 

Quanto a Artemis (a Diana na mitologia Romana) é fascinante ler o que Sarah Pomeroy escreve num dos seus livros (a “Amazonas” costumavam adorá-la e procuravam assemelhar-se a ela, segundo a mitologia Grega). Fascina-me particularmente Artemisia (Grega de Helicarnassus), a Rainha Ionian, brilhante estratega militar, ao serviço de Xerxes, durante as campanhas das Guerras Persas. 

A terminar, não se deve comparar os costumes daquelas épocas e daquelas civilizações com as de hoje. Embora, se possa comparar com as diferenças dessas civilizações de então. Como as mulheres da Etrúria, os direitos que gozavam, com as suas congéneres Gregas. E as de Roma e da Antiga Grécia.

Há hoje, sobretudo na historiografia inglesa, muita informação sobre a Antiga Grécia e, no caso em questão, sobre as mulheres desse tempo e das diversas categorias de “prostitutas”, que de facto possuíam características diferentes e destinavam-se a fins igualmente diferenciados, como as “dicteriades”, as “auletrides” e as “hetairae”, sendo as primeiras as de mais baixa categoria, trabalhando em bordéis, as seguintes, “auletrides” (que significava “tocadoras de flauta”), possuíam mais instrução e capacidades, tais como cantoras, músicas, dançarinas, etc. 

Por fim, as “hetairae” eram as de mais elevado estatuto, devido às suas qualidades e conhecimentos intelectuais, de beleza, educação, etc. Muitas, como já se disse, ficaram na História dessa grande civilização, que foi a Grécia Antiga, “o berço da nossa civilização actual”. 

Terá sido Solon, o grande reformador dessa época, que terá criado os primeiros “bordéis” (“porneia”), com vista a que aos cidadãos nunca faltasse “conforto sexual”. 

Curiosamente, a iniciação sexual dos mancebos muita das vezes fazia-se através de contacto com homens mais velhos, os “erastes”, com quem o tal adolescente, “eromenos”, acabava por ter uma relação sexual. O sexo entre homem e rapaz era comum nessa época e fazia parte da cultura e hábitos de então. 

Para as mulheres casadas, nessa altura, sexo três vezes por mês era considerado suficiente para qualquer cidadã casada. E o guardião de uma mulher solteira, se aquela fosse apanhada em “flagrante delito” tinha o direito a vendê-la como escrava. 

Sobre este tema haverá muita coisa para dizer e contar, mas também pode ser maçador. Agora, há autores e, sobretudo, autoras – historiadores/as -, cujos relatos e descrições desses tempos, bem como das situações e respectivos hábitos culturais, que sabem ser cativantes para quem é leigo na matéria e cuja leitura acaba por se desfrutar, com prazer (salve a redundância). 

É preciso avançar vários séculos, até chegar à Renascença, para se encontrar um tipo de “prostitutas” semelhantes às tais “hetairae”, como algumas famosas cortesãs italianas (“somptuosa meretrize”), cuja designação acabou por vir a ser a de “cortegiana honesta”, em vez de meretriz. Eram mulheres que para além de serem muito belas, possuíam um elevado grau cultural e até social. Algumas pintaram, outras eram poetisas, etc. 

Verónica Franco (pintada por Tintoretto) foi poetisa e escritora, Beatrice de Ferrara, cuja casa ficou célebre pelo esplendor e que foi modelo de Rafael, foram alguns desses exemplos. Voltando à Grécia, há uma pintura mural em Pompeia (que recomendo vivamente que se visite – fiquei fascinado) que retrata Safo, a tal poetisa Grega. 

E na Roma Antiga, Aesia Pola foi uma das raras mulheres a exercer medicina, actividade que posteriormente veio a ser proibida às mulheres Romanas. E já que se fala de prostitutas, deixo-lhe uma curiosidade: Roma é talvez a única cidade do Mundo a ter uma praça, ou melhor, pela dimensão, praceta, dedicada a uma “cortesã” (“cortesã honesta”), que significava, mais ou menos, “mantida por alta roda”, na pessoa de Fiammetta Michaelis, que foi amante entre outros de Cesário Borgia, filho do Papa Alexandre VI. Fiammetta tinha residência perto da dita praceta que hoje tem o seu nome e “costumava deslocar-se à igreja de Sant’Agostino para se confessar, rezar e fazer inúmeras doações generosas para as almas do Purgatório. Acabou sepultada naquela igreja, embora os vestígios da sua sepultura tenham desaparecido.

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A palavra ao Leitor José Neves


(...) Já tinha confessado antes que lera quase tudo mas não os gregos e isso nota-se perfeitamente no modo ligeiro como tratou o problema das "mulheres de Atenas". Essa ligeireza é patente ao propor uma confrontação sem mais de costumes e práticas sociais entre uma sociedade de há 2500 anos com a sociedade actual. E abusa dessa situação ao legendar um quadro de Aspásia como a "amante" de Péricles, um termo cujo significado e sentido moral de hoje ou não existia para os gregos e por isso mesmo as titulavam de "heteras" que não eram "mulheres por conta" como uma vulgar amante mas, como diz um helenista francês , "As raparigas particularmente dotadas para o canto e para a dança eram com frequência treinadas como heteras".

Aspásia é a mais célebre porque cativou Péricles (este deu o divórcio à mulher e assumiu viver com Aspásia) e exerceu uma grande influência sobre os costumes atenienses mas, também Praxíteles teve a sua Frine, Platão a sua Arqueanassa, Epicuro as suas Dánae e Leôncia, Sófocles a sua Teóris e Míron a sua Làide. E porquê, porque as heteras eram as únicas mulheres cultas de Atenas.

Embora sendo Atenas uma democracia esclavagista e consequentemente o estatuto das mulheres estar inteiramente subordinado aos homens e ao serviço do tear e trabalhos domésticos, nem por isso deixou de haver mulheres livres como Safo de Lesbos e aquelas que nas tragédias gregas aparecem como sendo activas e inteligentes como Medeia, Antígona e outras.

Mas sobretudo, nesta sociedade de homens e esclavagista onde a filha era do pai e a mulher do marido sem quereres ou vontades, os racionalistas gregos punham-se a discutir e filosofar, como Platão pela boca de Sócrates, acerca de uma sociedade perfeita onde existiria uma "Comunidade de Mulheres" cuja defesa vai sendo fundamentada por Sócrates, lógica e racionalmente passo a passo, até chegar à conclusão: "Por conseguinte, meu amigo, não há nenhum emprego respeitante à administração da Cidade que pertença à mulher enquanto mulher ou ao homem enquanto homem; pelo contrário, as aptidões naturais estão igualmente distribuídas pelos dois sexos e é próprio da natureza que a mulher, assim como o homem, participe em todos os empregos, ainda que em todos seja mais fraca do que o homem".

A sociedade da democracia grega só foi possível pela liberdade de pensar e racionalizar todas as questões da existência e também do papel dos escravos, dos sábios, da justiça, da moral, dos deuses e religião e também das mulheres dentro do seu tempo e conhecimentos. 

Não é possível comparar seriamente aquela sociedade com a de hoje e muito menos opondo uma à outra através dos costumes ou moral. 

E mesmo que a comparemos, salvo determinados aspectos mais primitivos que entretanto foram sendo ganhos da humanidade, ficam sérias dúvidas acerca da grandeza de uma e outra.

Só mais umas notas:

A hetera Aspásia tentou criar cursos de letras e filosofia para raparigas que foi um escândalo e, claro, um insucesso.


Se a mulher levava um dote para o casamento em caso de divórcio esse dote era, por lei, restituído à família da mulher o que lhe permitia uma inestimável protecção e alguma independência.

Também há inscrições tumulares que indicam mulheres a trabalhar fora de casa como Fanóstrate, parteira e médica; Melita, filha do imigrante Apolodoros registada como ama; Mânia, merceeira cuja loja fica perto da nascente. 

Também a religião era uma das actividades em que as mulheres tinham mais liberdade para se envolverem diretamente na vida da comunidade como sacerdotisas, pitonisas, menades.


Uma questão é importante assinalar; os gregos, como diz Kitto, actuavam dentro de um quadro pensado e instituído tão racional e lógico sobre todos os assuntos, quer familiares quer os da polis que não consta qualquer relato de um grego fanático quer político quer religioso nem dado a excessos como os do nosso tempo acerca do desporto ou comercialismo. E, embora pudessem "expôr" à porta os filhos recém-nascidos indesejados, também não consta que batessem nas mulheres, as maltratassem ou matassem como hoje acontece frequentemente por questões de sexo ou ainda mais frívolas.



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Pelo seu generoso contributo, aqui, muito sinceramente, agradeço aos Leitores P. Rufino e José Neves.

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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma bela semana a começar já por esta segunda-feira.
Saúde, sorte, alegria - é o que vos desejo a todos.

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8 comentários:

josé neves disse...

Uma vez que a autora de UJM citou " Os Gregos" de Kitto seria bom ler o Cap.X, O Espírito Grego, para se perceber bem da dificuldade inultrapassável em fazer comparações entre gregos clássicos e a actualidade dada a abrangência para-a-totalidade dos conceitos gregos relativamente aos conceitos especializados da nossa cultura.
Só mais umas notas:
A hetera Aspásia tentou criar cursos de letras e filosofia para raparigas que foi um escândalo e, claro, um insucesso.
Se a mulher levava um dote para o casamento em caso de divórcio esse dote era, por lei, restituído à família da mulher o que lhe permitia uma inestimável protecção e alguma independência.
Também há inscrições tumulares que indicam mulheres a trabalhar fora de casa como Fanóstrate, parteira e médica; Melita, filha do imigrante Apolodoros registada como ama; Mânia, merceeira cuja loja fica perto da nascente. Também a religião era uma das actividades em que as mulheres tinham mais liberdade para se envolverem diretamente na vida da comunidade como sacerdotisas, pitonisas, menades.
Uma questão é importante assinalar; os gregos, como diz Kitto, actuavam dentro de um quadro pensado e instituído tão racional e lógico sobre todos os assuntos, quer familiares quer os da polis que não consta qualquer relato de um grego fanático quer político quer religioso nem dado a excessos como os do nosso tempo acerca do desporto ou comercialismo. E, embora pudessem "expôr" à porta os filhos recém-nascidos indesejados, também não consta que batessem nas mulheres, as maltratassem ou matassem como hoje acontece frequentemente por questões de sexo ou ainda mais frívolas.

Um Jeito Manso disse...

Ora esta, José Neves... o que é que eu posso fazer ou dizer para que V. perceba de vez que não fiz comparações nem entre os clássicos e os actuais, nem entre os gregos e os portugueses nem entre os algarvios e os lisboetas, nem entre os gays de antes e os machões de agora nem entre cães e gatos nem entre o sol e a lua, nem entre sportinguistas e benfiquistas?

Transcrevo um simples texto e o meu Caro encasquetou que eu estava a tirar conclusões e a fazer comparações e não sai daí... Isso é teimosia ou embirração, oh senhor?

Mas sabe uma coisa: como sou boazinha, perdoo-lhe. Aliás, nem é bem isso, que boazinha, boazinha também não serei. A questão é que gosto do que escreve, acho interessante, aprendo consigo. Portanto, daqui a nada, quando acabar uma outra coisa que tenho em mãos, vou pegar também neste seu texto e vou colocá-lo ao pé do outro.

Mas olhe lá uma coisa: faz favor de não voltar a vir dizer-me que o que eu comparei era mal 'acomparado', ouviu? Não comparei nada, senhor. Mas, nem que seja para o provocar, a ver se amanhã ou um dia destes, pego num outro bocado do livro e o interpreto à luz dos tempos de hoje só para o deixar mal disposto. Combinado?

No meio disto tudo, descobri que tem um blogue e mal tenha tempo vou lá espreitar. E vá-se preparando que me vai ter à perna. Hei-de atazanar-lhe o juízo e dizer-lhe que não devia ter dito o que disse ou que deveria ter dito de outra maneira ou outra coisa qualquer. Vai ver...! E depois não se queixe, ouviu...?

Pedro disse...

ahahahahah então você vai ler os livros de que eu me lembro - e do qual apenas uma frase, honestamente não tinha memória destas tretas todas - em manhãs de ressaca? Depois dá nisto.

Um Jeito Manso disse...

Não seja convencido, Pedro.

Pedro disse...

Apenas a passar o tempo. Só isso. Não perco uma erupção de classicismo por nada deste mundo.

Um Jeito Manso disse...

Como o sei generoso, penso que essa sua afirmação é uma erupção de generosidade, mais do que de ironia. Os seus olhos não vêem por aqui uma erupção de classicismo, pois não? Sabe que o classicismo não mora aqui, não sabe? Aqui é um lugar de modernidade. Penso que talvez por isso atraia os amantes da cultura grega.

Um bom dia para si, Pedro.

Pedro disse...

É um lugar de modernidade. Sem dúvida. «Amantes da cultura grega...» ena pá...

Um Jeito Manso disse...

Então onde é que está esse sentido de humor, Pedro?

(Olhe que eu acho que o humor é a manifestação suprema da inteligência, por isso veja lá...)