sábado, junho 15, 2013

O testamento de cores de Maria Helena Vieira da Silva aos amigos - o testemunho numa instalação no Jardim das Amoreiras. E encontros, correspondências entre ela, Arpad Szenes, Alberto Lacerda e Mário Cesariny: a amizade em palavras. A amizade em gestos.


No post a seguir a este, junto-me à senhora que não consegue parar de rir e a todos quantos se dobram agarrados à barriga ou rebolam no chão: esta do recurso do Crato ter que ser aperfeiçoado e darem-lhe 10 dias para ver se ele atina, é do melhor que vi nos últimos tempos. Hilariante.

A seguir a esse, uma lavagem de alma: duas talentosas sopranos portuguesas, uma delas candidata a melhor cantora do mundo.

Mas isso é a seguir a este. Agora, aqui a conversa é outra. Aqui fala-se de amizade.


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Um azul cobalto para a felicidade



Querido amigo

Estou há muitos dias para lhe escrever e não posso. Escrevo e rasgo, escrevo e rasgo e nada me parece suficiente para lhe dizer a minha amizade por si e a saudade do Inverno que passámos. Agora passou tudo. Agora a vida anda a correr. Só lhe posso dizer que reli aqui 'junto de um seco, fero e estéril monte', e ouvi a sua voz a dizer 'inútil e despido, calvo informe', e fiquei muito contente. Foi porque o ouvi com tanta atenção que agora ainda ouço a sua voz, distante.

Peço que me escreva logo, assim que receber esta carta para me dar notícias suas dos amigos e da Rosário que nós esperamos com imapaciência. Um grande abraço

Maria Helena

[Na lateral, por AS]

Alberto queridinho um abraço poético do Arpad

[Carta de Maria Helena a Alberto de Lacerda em Maio de 1962]




Meus Queridos Maria Helena e Arpad

Um azul ultramarino para estimular o espírito



De la musique avant toute chose
Et pour cela préfère le pair
(Verlaine, adaptado: porque estou a acreditar que mesmo Verlaine preferia o par ao ímpar, que o ímpar é coisa dolorosa 'sans rien en lui qui pèse ou qui pose' (que maçada, assim?).

Quanto ao par, o único que conheço são vocês dois. Evidentemente! Um Par-Ímpar! (Ou o Par-Ímpar com que o Souza-cardoso já se preocupava porque ainda não vos tinha visto a atravessar uma rua e a fecharem-se, por fora, em casa).


[Carta de Mário Cesariny de Junho de 1982]

Um amarelo limão para a graça



Um amarelo barite: ficção científica, brilho, esplendor




Um laranja para exercer a visão de um limoeiro ao longe




Querido Mário

Se uma palavra minha o ajudasse, mandava-lhe mil... mas lá bem posso lutar contra o seu demónio, saio vencida. Se o Mário me ouvisse... Para quê procurar assim o sofrimento? Ele existe por toda a parte, neste nosso pobre corpo doente que vai morrendo dia a dia, não lhe chega esse? Não lhe chega a sua imaginação? Precisa de provas. Ai de nós, e da nossa loucura sempre presente, sempre a lutarmos com ela até à morte. Não é fácil viver, querido Mário, mesmo quando parecemos equilibrados.


[Carta de Maria Helena a Mário Cesariny, de Janeiro de 1965]


Terra de Siena natural: a transmutação do ouro


Querido Alberto,

Andei perdida num mar de tristeza, de trabalho, de gripe. Não dei notícias mas penso sempre no Alberto um pouco inquieta, por não ter notícias. A Cecília* levou-me para outros mundos quase ia esquecendo que ainda estou neste.
Um grande abraço muito amigo da Maria Helena

[na lateral]

Minha mãe, a Cecília, tantas pessoas queridas que vão partindo e eu já não sei bem onde estou. A morte, eu julgava que fosse uma coisa natural, é, mas nós morremos também aos poucos ainda vivos. Os mortos levam com eles uma parte da nossa alma. E deixam-nos o espírito. Será assim?

[Carta de Maria Helena a Alberto Lacerda, Fevereiro 1965]

Um vermelhão para fazer circular o sangue alegremente



* Cecília Meireles (1901-1964), poetisa brasileira, grande amiga do casal Szenes, desde os tempos do exílio no Brasil (1940-1947)

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Veneza divínissima
24 de Julho 72


Querida Maria Helena,

Eu vou-lhe contar a história: eu tinha visto aquele vestido em Florença (feito no Norte de África, imagine); achei lindo, lembrei-me de si, imediatamente, lembrou-me o seu lado Ghirlandaio, ou Andrea del Santo, ou Carpaccio; vi-a conversando com o Leonardo sobre Proust, via em Veneza, num baile dado em sua honra pelo Dodge; antes do baile, no banquete, tinha, à sua direita, Giorgione (estou apaixonado pelo Giorgione)
(...)
E com toda esta parlenda ainda não agradeci a maravilhosa estadia, que me penetrou de calma, de poemas, e de um sentido de ternura que me comove cada vez mais profundamente.

Bem hajam
Beijo-lhe as mãos.
Abrace todos por mim.
Seu, do coração,

Alberto 

*

Fico-me por aqui (mas acho que, um dia destes ainda volto a estes maravilhosos testemunhos de afecto entre amigos; estes livrinhos estão a revelar-se preciosos).

Queria fazer uma formatação diferente do habitual mas, certamente por nabice minha, isto deu-me um trabalhão, o texto todo desformatado e a fugir-me pelos lados e, junto aos verdes, a recusar-se a ficar escrito. Desisto. Já passa outra vez das duas da manhã, estou perdida de sono (o que é o costume) e não tenho sabedoria nem paciência para, a esta hora, tentar que isto fique com ar mais arrumado. Fica assim, meio à maluca, mas vocês, tolerantes como presumo que sejam (senão não estavam para me aturar), vão, certamente, desculpar e fazer de conta que isto não prejudica a qualidade dos textos.

Relembro os dois posts a seguir a estes: um para rir como há muito não nos ríamos e outro para nos emocionarmos com o quanto a nossa alma se pode elevar perante vozes superlativas.

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Desejo-vos, meus Caros leitores, um sábado em grande. 
E, vá lá, vamos todos rir até mais não poder com a incompetência dos ignorantes, ok?

1 comentário:

jrd disse...

Já tivemos um prior do Crato mas o que temos agora é o "pior" do Crato .
Que maldade tão grande misturar a criatura aberr ante com gente tão importante.