segunda-feira, março 25, 2013

Passear em Lisboa, na Expo, junto às Tágides do Tejo e a Catarina de Bragança. Depois os Desastres da Guerra, Sombras do Medo de Graça Morais (na Fundação Arpad Szenes Vieira da Silva). Depois do almoço no CAM, Exposição 360º - Ciência Descoberta na Gulbenkian


Hoje o passeio foi por outras bandas. Com a Ponte 25 de Abril cortada ao trânsito devido à Meia-Maratona, hoje de manhã fomos caminhar à beira-rio (claro, sempre à beira-rio), na zona da Expo, Parque das Nações.

Entre sol e chuva, nuvens e abertas, o passeio rente ao rio estava cheio de gente. A pé, a passo ou a correr,  com crianças, gente de idade, uns de bicicleta, uns com cães, outros sem cães, uns a fazer ginástica, outros a fotografar, ali é, sem dúvida, um lugar muito agradável para respirar ar limpo e sentir uma natureza  em parte desenhada, diria cosmopolita.




Nestas alturas sinto que sou transparente. Parece que ninguém me vê. Eu vou por ali, silenciosa, olhando, fotografando. Quem passa conversando, não reduz o tom de voz quando passa por mim e eu vou ouvindo o que dizem.

Ela diz que quer ter um filho, já viste?

É normal. 

Normal? Pá, não pensei ter outro filho. Já viste?

Pois. Os outros já crescidos. Mas é normal que ela queira.

E agora, já viste? faço o quê?

E lá se afastam, e passam outros, Pá, isto não tem saída.

E depois passa uma correndo, arfando. E depois passa outra com phones e vai cantando. E nós, que não ouvimos o que ela ouve, só a ouvimos a ela, cana rachada, cantando alto, na maior das naturalidades...

E depois outros fazem ginástica, deitam-se no chão. A Ponte Vasco da Gama quase ali ao lado.



Desporto sobre o Tejo


E há várias pontes assim, e não serão bem pontes, mais uns passadiços sobre o rio e vistos de longe parecem-me palafitas.



Ao fundo a ex-Torre Vasco da Gama, agora o hotel  Sana Myriad, um luxo de localização


Depois de ter estado uns dias nas cidades e vilas junto à Serra da Estrela em que dá ideia que as pessoas se conhecem todas ou, mesmo que não se conheçam, reparam umas nas outras, aqui ninguém olha para ninguém. Casais abraçados e quem é que quer lá saber se são legítimos ou clandestinos, mulheres sozinhas, gente vestida como quer, gente a apanhar sol apesar de estar frio e de chover a cada cinco minutos. 

Não sei o que é melhor, se é este espaço de indiferença ou o espaço de proximidade dos lugares mais pequenos. Sei que eu é nos grandes espaços anónimos que me sinto bem. Sempre assim foi e acho que sempre assim será.



Homem à pesca quase debaixo da Ponte Vasco da Gama


Quando vejo alguém assim, como o pescador que é pouco mais que um irrelevante ponto na paisagem, sinto que é também assim que eu sou. Insignificante, quase invisível, um ser quase transparente que caminha na beira do rio, em harmonia com a natureza.

Num local como este, apenas se passa alguém conversando, há um som. É tudo muito silencioso.



O lago das Tágides, as Ninfas de João Cutileiro


Num lago, há mulheres nuas que se banham, que brincam umas com as outras, seios à vista, braços ao alto. Lavam-se, riem, umas sentadas, outras deitadas, impúdicas, alegres.

Talvez que se, em vez de serem de pedra, fossem de carne e osso, as pessoas passassem sem estranhar. Talvez as fotografassem como eu fotografo as ninfas de pedra mas não mais que isso.

E, mais à frente, uma rainha de bronze, formosa, bonita. Catarina de Bragança.



Catarina de Bragança da autoria de Audrey Flack (Nova Iorque, 1931).


Vestido ondulando, fitas esvoaçando, é uma presença inusitada aqui à beira do rio e parece que também ninguém a vê. Transparente como eu.

E nem as gaivotas soltam os seus estridentes gritos. Aqui estão silenciosas. Deslizam no rio como sílfides.

Outras, muito sossegadas, olham o rio.



Sentindo a aragem fresca do rio, pensando na sua vida


E depois vamo-nos embora. Não me lembrei da Poesia no CCB. Só agora, lendo um comentário num dos textos mais abaixo, me lembrei. Que pena.

De qualquer forma, tinha uma pendência por cumprir e, por isso, lá fomos.

O destino era o Jardim das Amoreiras, um Jardim que conheço muito bem, que já muito frequentei e que se mantém inalterado, ano após ano. Um lugar bom para se estar.



Vieira da Silva agora


O destino era, pois, a Fundação Arpad Szenes Vieira da Silva. Claro que aproveitámos para ver as obras da Vieira da Silva e do marido, Arpad Szenes, sempre um grande prazer. Mas, depois, o objectivo era ver a exposição da Graça Morais, Os desastres da Guerra.


Palavras de Graça Morais

Sombras do medo
Pinturas nas quais homens e mulheres se transmutam em animais. animais que ganham a força dos heróis.
Anjos que carregam nos seus braços seres que são resgatados do Inferno e dos desastres das guerras e das doenças


Não são obras fáceis de ver. Incomodam. Ferem. Ferem porque são feridas expostas. Ferem. Por vezes, temos vontade de desviar o olhar.




Alguns não sabemos se dormem, se estão mortos, se estão apenas desamparados. Ou com medo.

Mais à frente uma vitrina cheia de recortes mostra onde Graça Morais foi buscar estas imagens. Não as inventou. É gente de verdade.



Repare-se na imagem das crianças deitadas cobertas de branco e atente-se no desenho acima


São imagens de dor, de gente que foge, de mães que seguram os corpos dos filhos, pungentes pietàs, gente caída, ensanguentada, crianças.



O medo, a tristeza, o amparo, os animais

Há um sofrimento grande que transparece, que sai das telas. Há muita violência. Incomoda. Incomodam os rostos gastos e sofredores.


Palavras de Graça Morais:

A caminhada do Medo
Fuga do Caos e do Abismo. São milhões de seres humanos que migram em busca de um futuro melhor. Fugidos de guerras, de genocídios, do terrorismo, de catástrofes naturais, lutando numa cruzada contra a fome, a doença, as injustiças sociais e as perseguições políticas.


Nestas obras de Graça Morais o que vemos é que são animais que nos regem, são animais, somos animais, somos seres irracionais. Quem faz a guerra? Quem comanda o mundo? Pessoas como nós? Animais? Animais como nós?




E há fogo no ar, sangue, beligerância e há a grande besta que tudo destrói. E há o cansaço, o fim da linha, o fim do sonho.



Um Chagall ao contrário: não há sonho, não há romance, fantasia.
Em Graça Morais, nestas obras, há sombras, medo, cansaço, guerra, dor, fome, morte


Trouxe uns livros, tenho-os aqui e gostava de amanhã ter o dia todo para os ler, para passar as mãos pelas páginas macias.

Depois, Gulbenkian. Almoço no CAM. A seguir, Exposição 360º - Ciência Descoberta (exposição sobre a ciência ibérica na época dos descobrimentos) que fez os encantos dos meninos. Olha! Olha! Rinocerontes, crocodilos, pinguins. Mas disso já não vou agora falar porque não era permitido tirar fotografias e porque senão isto vai levar horas a ler e vocês rifam-me...

Mas, antes de me ir embora, e porque falar da Gulbenkian sem falar dos Jardins e dos patinhos até parecia mal, aqui vos dou conta que há imensos patinhos bebés, uma ternura.



Patos, Patas e seus filhotes Patinhos - nos lagos dos Jardins da Gulbenkian

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Este é o meu segundo texto de hoje aqui no Um Jeito Manso. A seguir poderão ver um texto e imagens relativos a um vestido espectacular de Joana Vasconcelos a propósito da sua Exposição no Palácio da Ajuda e outros modelitos dos StoryTailors


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Apesar de isto por aqui, no UJM, ser dose, ainda arranjo coragem para vos convidar a ir dar uma espreitadela ao meu Ginjal e Lisboa. Hoje as minhas palavras juntam-se às de António Ramos Rosa para falar de um país adormecido que repousa à beira mar e, a seguir, uma música bonita demais, a Dança dos Espíritos Abençoados de Gluck numa coreagrafia de Pina Bausch.

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Resta-me, por hoje, apenas desejar-vos uma bela semana, a começar já por esta segunda feira. 
Que a tristeza paire bem longe de vós. Saúde e alegria é o que vos desejo, meus Caros leitores.

7 comentários:

A Matéria dos Livros disse...

Que linda reportagem/crónica a deste domingo! Levou-me a passear por Lisboa, a bela.

Também gosto muito do Parque das Nações, do seu cosmopolitismo, da sua qualidade, do rio e, claro, da liberdade que o anonimato citadino permite.

Não sabia que Graça Morais estava na Fundação Arpad Szenes/Vieira da Silva. Até quando? Vou ver se ainda tenho tempo de lá ir.

Um beijinho e boa semana!

JOAQUIM CASTILHO disse...

Olá UJM

Hoje o meu comentário vai todo, e mais uma vez, para as suas EXCELENTES fotos para os seus enquadramentos originais e esteticamente perfeitos que nos dão uma nova visão do que já vimos mil vezes- Parabéns e obrigado!!!

um abraço

Anónimo disse...

Olá,

Gostei de ver as Tágides, tenho várias fotos delas dos saudosos tempos da Expo 98.
Também gostei de ver a Catarina de Bragança, que não conhecia.

O Jardim das Amoreiras é um local onde passei inúmeras vezes, quer a pé, quer de eléctrico.
Obrigada pela visita guiada à exposição da Graça Morais, uma pintora que não é nada fácil mas que aprecio bastante.
Consigo é sempre assim: recordar e aprender!

Também adoro sentir-me invisível nos grandes centros urbanos, e não me estou a referir apenas a Lisboa mas a cidades muito maiores, onde a descoberta do desconhecido é uma aventura.

Bj e um óptimo dia.

Antonieta

Isabel disse...

Gostei muito do post e das fotos.
Gosto imenso dessa zona, onde já passeei algumas vezes. Agora já lá não vou há bastante tempo.

Quando compara as cidades do interior, neste caso Covilhã e Castelo Branco, com Lisboa (e outras grndes cidades), faz-me pensar naquilo que sempre senti pelo facto de viver numa cidade que é uma aldeia grande: as pessoas de certa forma são "controladoras" de comportamentos. Não se pode ser diferente. Ainda é muito assim.
Por outro lado tem outras coisas boas.
Eu também gosto do anonimato das grandes cidades, talvez porque só lá vou de vez em quando e gosto de observar os outros, com essa certeza de que ninguém me "vê".

Um beijinho e boa semana

jrd disse...

De como se exprimem emoções ou o talento de saber falar do talento dos outros.
Belíssimo poste.
Abraço

Maria Eduardo disse...

Olá UJM,
Mesmo sem sair de casa hoje dei um passeio muito diversificado. Andei pela Expo, caminhei nas passadeiras sobre o rio, fotografei, caminhei, observei invisível sempre a seu lado e não é que nunca tinha reparado na estátua de Catarina de Bragança? Até estou envergonhada, pois já fui centenas de vezes ao Vasco da Gama, Parque das Nações,Exposições disto e daquilo e não me lembro de a ver lá, foi preciso vê-la aqui através dos seus olhos. Quando lá voltar vou procurá-la.
Já tinha ouvido dizer que a Graça Morais tinha uma exposição,mas não sabia que era na Fundação Vieira da Silva, mas é uma pintura tão realista que me assusta...Prefiro flores, natureza e amores!):)
Depois regressei ao Ribatejo, onde acontece pouca coisa, não dá para alegrar nem aquecer o coração.
Ainda bem que passou um dia bom e que se descontraiu, como é preciso!
Obrigada pelo belo passeio que me proporcionou.
Um beijinho grande.
maria eduardo

p.s. Respondi ao comentário que deixou no meu post do bom sono, boa vida, fiquei satisfeito que tivesse reparado nele, fui mesmo muito marota, por si!.
Mais um beijinho e muito repouso, pois dá mais energia que o comer e o beber!

sonia disse...

Agradeça aos céus por morar em Lisboa, a terra onde eu mais gostaria de morar. Meu sangue lusitano clama por essa cultura. Tem tudo a ver com minh'alma!
(deixei um comentário pra ti na minha página).