sábado, abril 14, 2012

Em dia de chuva (vista do lado de dentro de uma torre de vidro e depois sentida no rosto junto ao rio), poemas da Praça da Canção de Manuel Alegre e a Trova do Vento que Passa na voz de Adriano Correia de Oliveira. E para nos ajudar a perceber o que é ter asas na alma, o bem disposto bailado Rain pela Kyiv Modern Ballet


Música, por favor

Adriano Correia interpreta a Trova do Vento que Passa, poema de Manuel Alegre


Na cidade transparente que habito durante o dia, as torres são de vidro e vêem-se árvores mas não se ouvem os sons da rua nem se sente o cheiro verde das flores (já falei disso algumas vezes e não vos vou agora maçar muito mais).

Não se ouve também a chuva mas vê-se e eu gosto de a ver escorrendo pelos vidros da minha janela que não se abre. Hoje foi um desses dias. Pela forma como escorria e pela movimento elegante mas violento das árvores lá em baixo, eu imaginava que bateria com força. Parecia estar muito vento e a chuva deveria estar a bater violentamente nestes vidros isolantes - imagens em movimento, silenciosas (uma coisa de tipo cinema mudo, o que não deixa de ter a sua graça). 

Comprei hoje alguns livros, entre os quais um livro muito bonito e também já vos contei como gosto de livros bonitos enquanto objectos.

A Praça da Canção, aqui ao pé de um outro livro que também adquiri,
uma monografia sobre  Edward Hopper e sobre quem depois falarei


Trata-se da edição do 40º aniversário (que já ocorreu em 2005) da Praça da Canção de Manuel Alegre, com ilustrações de José Rodrigues e prefácio de Paula Morão, uma edição Dom Quixote. É um livro grande, revestido a tecido encarnado, e todo ele muito cuidado, um livro mesmo muito bonito, agradável à vista e ao toque. E o preço uma surpresa: apenas 14,90€ (na FNAC).

'Havia o mar. Raparigas da terra da saudade' - pág. 74 da Praça da Canção,
com belíssima imagem de José Rodrigues


Dele extraio os seguintes excertos de poema, muito adequados aos dia de hoje:


                          Chove nas ruas como nas veias
                          cidade cheia de mágoas
                          e não há barcos ideias
                          que nos levem por sobre as águas
                          que tu vento despenteias.


                           Há só a chuva nos vidros
                           e este viver para dentro
                           há só minutos perdidos
                           e as caravelas do pensamento
                           naufragadas nos sentidos.
(...)
                           Minha cidade calafetada
                           quando à porta bate o vento
                           há só poetas cantando
                           este viver para dentro
                           e as caravelas do pensamento
                           naufragadas (até quando?)
                           perdidas no nevoeiro.


                          Dai-me um verso marinheiro
                          dai-me um verso madrugada.



Há pouco, quando a noite  começava a descer sobre Lisboa sempre bela e sobre um Tejo agitado, e quando a chuva molhava os rostos dos poucos que se aventuravam por aqui, neste fim de dia ventoso, frio, quase agreste
                         

E, por passear, e por falar em palavras que nascem da brisa que nasce em mim apesar destes dias tão pesados em que os mercados dominam o mundo,

                               Não leves o sol nas mãos
                               quando fores amor à praça
                               onde até o sol se compra
                               onde até o sol se vende
                               e sobretudo não digas
                               essas palavras que nascem
                               da brisa que nasce em ti
                               quando passares pela praça
                               onde se compram palavras
                               onde as palavras se vendem.


Mas voltando à chuva: sinto-a como uma bênção, uma dádiva, e é tão indispensável, e lava-nos, dá-nos vida.

Lembrei-me agora: no outro dia eu andava a passear no jardim rente ao rio e estava a chuviscar. Geralmente não uso chapéu de chuva. Cruzei-me, então, com dois homens que vinham conversando debaixo dos seus chapéus de chuva. Ao passarem por mim, um disse: 'a chuva é mesmo uma coisa psicológica' e, com ar destemido e intrépido, fecharam os chapéus de chuva. Pensei cá para mim: '... É de homem!'.

Adiante.

Mesmo nestes tempos de desconfiança e incerteza, em que o futuro nos é atirado à cara todos os dias como um pecado ou um bem imerecido e em que todos os contratos são rasgados unilateralmente por este governo que nos desrepeita, a chuva pacifica, baptiza. 

Estou a escrever e estou a senti-la, agora mansinha, aqui a fazer umas cócegas carinhosas na janela mesmo ao meu lado.

E por Chuva e por irmos passear até à praça, que tal irmos ao baile? Não é um baile qualquer, é um bailado e, por sinal, muito divertido. Uma festa em dias de cinza. 

                         
Rain - Kyiv (Kiev) Modern Ballet coreografia de Radu Pklitaru sobre música popular e sobre música de Bach

««««.»»»»

Tenham, meus Amigos, um belo sábado.
Com ou sem chuva, com ou sem poesia, com ou sem asas nos pés, com ou sem uma insustentável leveza nos pensamentos, sintam meus Caros, a alma lavada e a paz no vosso coração

(Credo...! Ando zen é o que é, para escrever coisas destas. Oh senhores, mas que é isto...? Pareço uma beata ou uma betinha... Mas aguardem-me que não perdem pela demora:  não tarda, apareço aqui, pronta para a guerra)
  

13 comentários:

patricio branco disse...

o texto adequa-se ao poema ou vice versa. Há um sentimento de bem estar quando dentro de casa se ouve e vê a chuva cair fora, ainda mais quando há vento. o vidro da janela separa o mundo interior do exterior e emudece ou silencia este, é como assistírmos a um filme mudo, talvez nestas circunstancias seja melhor assim, um espectaculo só visual, sem os sons mecanicos da rua a distrair-nos. há outros sons que é bom ouvir, sons da natureza, mas os do trafico duma cidade nem tanto.
esplendido poeta m a, tão português, estas trovas criam musica a quem as lê, mesmo que não conheça a interpretação de acdo. são obra dum grande poeta que sabe trabalhar as palavras com ritmo, musicalidade, rima, imagens e ideias, sentimentos.
No fragmento poetico seguinte há de facto um aviso mercantilista pois na praça se vende tudo mesmo o que não queremos, neste momento, p.ex. vai se vender na praça a maternidade adc, provavelmente já foi assinado o contrato de promessa a algum amigo, e injustamente vemos a adc acusada de não servir, de maternidades nos centros da cidade já não se usarem em paises modernos ou nestes tempos, pobre maternidade que tantas boas coisas fizeste e fazes agora acusada de maus serviços e vendida na praça. Lisboa, cidade de mágoas.
Sim, é de ler manuel alegre, esse discipulo de camões e parente de pessoa, poeta que não tenho duvidas ficará na nossa literatura onde já está firme. poeta que sobre a nossa emigração lançou esse lamento que diz "eu vi a minha patria derramada na gare de austerlitz", e não resisto a citar:

Solitário
por entre a gente eu vi o meu país.
Era um perfil
de sal
e abril.
Era um puro país azul e proletário.
Anónimo passava. E era Portugal
que passava por entre a gente e solitário
nas ruas de Paris.

Vi minha pátria derramada
na Gare de Austerlitz.
etc

Anónimo disse...

Já em outro dia afirmei e hoje reafirmo:o seu blog é sempre - mas sempre! - muito bonito. Delicioso! Como é que se consegue ter tanta inspiração? O texto de hoje, por exemplo, ter-lhe-á sido segredado em morse pelos pingos da chuva na janela? E amanhã, que trombetas soarão para a preparar novamente para a sua guerra... da paz?

Isabel disse...

Gosto mais do eu lado Zen, embora aprecie sempre os seus textos e post.
Gostei imenso do bocadinho do bailado. Muito.

Já agora se puder fale-nos também do livro do Edward Hopper, fiquei curiosa.

Adoro comprar livros e chegar a casa, sentar-me sossegadinha a vê-los e a desfrutá-los. Agora compro menos, não dá para comprar como há uns anos atrás. Estes governos roubam-nos tudo...

Um abraço e
Bom fim-de-semana

Maria disse...

Querida amiga:
Manuel Alegre, Adriano, a chuva, o fim de semana.
Acho que já lhe disse que, redescobri o prazer de caminhar à chuva. Já não meto os pés nas poças, nem levanto a cara, para sentir a chuva forte bater-me nela, ensopar o cabelo longo. Estou mais comedida. Mas desde que recomecei as caminhadas, sabem-me bem os chuviscos,abro as narinas e respiro fundo, o aroma da terra e da erva molhada. Hoje de manhã, foi o que fiz.
Tenho sempre um livro de poesia por perto. Manuel Alegre, Sophia, Eugénio de Andrade, David Mourão Ferreira, Natália...
Li há pouco o último romance da Rosinha. Estou a ler "As cantoras carecas" da Lídia Jorge.
Adriano, como eu chorei quando morreu. Aquela voz, aquele sentimento...
Almocei: filete de peixe espada, esparregado, antecedidos de uma maçã. Bebi água e café sem açúcar.
Tenho pavor de engordar e sou pouco comilona. E sim, sou terrivelmente vaidosa, apesar dos 67.
Agora, no meu canto habitual, quentinha, vejo o céu cinzento, alguns pombos, uma ou outra gaivota. Ontem fui ver os patinhos ao rio que passa perto de casa. Que lindos! Uma meia dúzia deles, pequeninos, abrigava-se sob as asas da mãe. Nisto, vejo uma ratazana enorme, aproximar-se deles. Fugi. O meu marido diz que ela não lhes fez mal, mas hoje, não fui lá.
Detesto ratos. Até os que nos governam.
Beijinho querida
Mary

Tété disse...

Hoje consegui chegar aqui ainda cedo. Estou mais descansada dos afazeres e vim visitá-la.Aliás, o que faço quase sempre, embora às vezes não faça comentários.
Depois de ler o que escreveu e desejou:
"a alma lavada e a paz no vosso coração"
não consegui deixar de lhe agradecer e retribuir tão gentil voto.
Com chuva ou sem ela, faz-nos bem desanuviar das complicações e lendo-a conseguimos entrar nesse mundo sem poluição que não deixa que os pesadelos que vivemos se lhe sobreponham .
Obrigada UJM (Tá)e desejo que por muito tempo possamos fazer parte do seu concreto e do seu imaginário.
Já agora, já deu porque o "azaharealfarroba" foi removido? Tenho pena mas a "Mar" lá saberá o porquê. Bom fim de semana e grande beijinho.
Teresa

Um Jeito Manso disse...

Caro Patrício,

Como é sabido por quem me costuma ler, sou grande amante de poesia, uma amante amadora.

Manuel Alegre é daqueles poetas que alia o sentido do que escreve, à musicalidade das palavras que vai juntando numa toada que nos leva com ele.

Gostei imenso do poema que citou e gostei muito das suas palavras sobre ele e sobre a sua obra.

A poesia é intemporal, é eterna e eu que sou uma pessoa dos números, encanto-me com as palavras. Gosto de palavras, gosto de ler sobre palavras, gosto de falar e de escrever sobre palavras.

Obrigada pelas suas, que tanto me fazem sempre pensar e com quem sempre aprendo.

Um Jeito Manso disse...

Olá Caro(a) Anónimo(a),

Muito obrigada pelas suas palavras. Talvez sejam excessivamente benevolentes mas, olhe, tive hoje um dia tão complicado que agora me sabe bem ler palavrinhas assim. Muito obrigada.

Hoje não vou poder escrever nada porque passa da meia noite e só agora estou aqui a começar a responder aos comentários, já não tenho energia para me pôr a escrever. Amanhã (se o dia não for como o de hoje e espero bem que não) escreverei e espero que saia bem.

Um Jeito Manso disse...

Olá Isabel,

No momento em que lhe estou a responder (depois da meia-noite e cansada) estou mais do que zen, estou quase a 'apagar', cansada e perdida de sono. Mas não vou conseguir ir escrever nada. A ver se amanhã o dia está mais calmo do que foi o de hoje e se consigo escrever com calma.

Se puder, tentarei escrever sobre Hopper, o pintor da grande solidão urbana, o pintor das mulheres que esperam em silêncio.

Um abraço, Isabel e bom domingo.

Um Jeito Manso disse...

Olá Mary, caminhante Mary,

É tão bom passear... E, indo com o seu amor, vão conversando, movimentando os músculos, vendo, observando, conversando sobre o que vêem e, quando chegam a casa, vão frescos, cabeça arejada. Todos os médicos recomendam como sendo das melhores coisas para se ter saúde e boa disposição. Por isso, adorei ler sobre os seus passeios, a natureza, patinhos, ratinhos e todos os bichinhos que equilibram os habitats.

De resto, poesia, música, literatura, amigos, afectos - e a vida irá avançando com naturalidade, tranquilamente.

Um beijinho, Mary.

Um Jeito Manso disse...

Olá Teresa-Teté, menina do sorriso bonito,


Muito obrigada pelas suas palavras, tão queridas.

Eu acho mesmo que se arejarmos a cabeça, se conseguimos trazer para junto de nós temas que sejam 'boa onda', imagens ou palavras com alguma beleza, sons harmoniosos, se conseguirmos levar até aos outros um sorriso, uma palavra de gentileza, conseguiremos aguentar melhor as contrariedades da vida.

Eu hoje tive um dia um pouco complicado mas acho que consigo ultrapassar as coisas menos agradáveis com alguma serenidade porque tendo a levar a vida a bem, esperando sempre que as coisas melhorem.

Não sei desse blogue, fui experimentar e vi que foi removido tal como diz mas não o conhecia (sou pouco conhecedora da blogosfera, poucos mais conheço do que os que estão ali ao lado na minha lista e conheço-os a quase todos por visitarem o meu; sou, blogosfericamente falando, muito ignorante). Por isso não posso esclarecê-la.

Um bom domingo, Teresa-Teté e um beijinho!

Tété disse...

Ó Tazinha, claro que conhecia o blogue. Por vezes até comentou. Era daquela senhora já na casa dos sessenta que se viu obrigada a emigrar, creio que para a Suiça, e que adotou o nome de Mar.
O blogue era relativamente recente e também tinha sempre uma palavrinha da Helena Sacadura Cabral.
Talvez já se lembre, mas também
sei que a sua vida é muito preenchida e que a cabeça por vezes cheia de coisas importantes não consegue reter as outras.
Beijinho

Anónimo disse...

Cara UJM:
Hoje com mais tempo para me mimar com a sua escrita e apreciar as suas belíssimas sugestões, deixo também a minha.
Quando fiz a proposta do percurso, pensei nos restaurantes, mas..não queria ser atrevida. Uns conheço bem, outros nem tanto. Fica a sugestão:
Em Vila Ral come-se bem no “Espadeiro” e no “Museu dos Presuntos”.
Na Régua “O Cacho D’oiro” e a “Varanda da Régua” (com uma bela vista sobre a cidade)
Mais recente e bastante conceituado (dizem) com cozinha de autor “O Rui Paula” do chefe Rui Paula na Folgosa, na estrada marginal entre a Régua e o Pinhão.
Já agora, no Pinhão não perder os azulejos, sec. XIX, da estação.
Mas bem próximo, na estação do Tua o “Calça Curta” serve bons petiscos e pratos de caça.
Em S. João da Pesqueira “O Forno da Devesa” .
Depois das vistas de S. Salvador do Mundo vale a pena descer à Estação da Ferradosa para descansar junto ao rio e, querendo temperar o estômago num de dois restaurantes o primeiro do lado esquerdo, mais rústico (não me recordo do nome, mas come-se bom cabrito assado e para petisco uns peixinhos do rio fritos, divinais, na época própria).
E mais à frente, à direita mesmo na estação “ O Cais da Ferradosa” , um armazém transformado em restaurante com propostas regionais e cozinha moderna.
Em Foz Côa “O Bruiço” è bastante agradável com boa comida caseira e a Quinta da Erva Moira em Muxagata (acesso um pouco difícil, era, não sei como está agora) com prova de vinhos e almoço por marcação 279 759 299.
Ao domingo de manhã a entrada no museu do Côa é gratuita (era antes da crise). Tem um bar restaurante.
Esta é uma sugestão pessoal e circunscrita aos meus parcos conhecimentos nesta matéria.
Para amantes da fotografia como a UJM o Douro superior é um paraíso, em Maio/Junho com as vinhas verdejantes, em Setembro/Outubro com extraordinária profusão das cores outonais (a minha preferida).
E com o espanto original diante da realidade e o coração entrem no “Reino Maravilhoso”.
E desfrutem!
E tenha um óptimo domingo
abraço da
Leanor formosa e segura

Um Jeito Manso disse...

Leanor, formosa e segura,

Ontem tinha lido o comentário antes de o publicar e depois, quando estava a responder, já não o vi lá e fiquei com medo de me ter enganado e apagado. Com as pressas e o tardio da hora nem me lembrei de ir ver ao post do dia anterior. Ainda bem que hoje me alertou.

Muito lhe agradeço e certamente que todos os leitores também agradecerão. Parecem óptimas sugestões, tudo muito bem explicado e já está tudo copiadinho para um documento de word para servir de guião a uma passeio de sonho.

Muito obrigada!