quinta-feira, junho 26, 2025

Isto é o que realmente interessa

 

Vi o vídeo que aqui partilho com particular agrado. Revejo-me em muito do que Annie Norgarb ali diz. Não na parte em que diz que passou grande parte da vida a fazer e a ser como os outros esperavam, esforçando-se por não desagradar, mas na parte em que diz que gosta cada vez mais de estar em contacto com a natureza, na parte em que diz que a vida é como remar até chegar ao outro lado, e isto em todos os sentidos, e na parte em que diz que gostaria de passar para o outro lado com calma, na boa. 

Não posso dizer que nunca fiz coisas contrariada. Fiz. Por exemplo, quando os meus sogros ou os meus cunhados combinavam almoços ou jantares em restaurantes que, segundo eles, eram muito conhecidos e muito bons, eu ia para não ser desmancha-prazeres, mas ia antevendo que era um dia que ia às malvas. Fazia um esforço para parecer bem disposta mas, por dentro, ia mais do que contrariada. Geralmente os restaurantes estavam a deitar por fora. Primeiro que fossemos atendidos era um castigo. Os meus filhos ficavam cheios de fome, impacientes. Chegávamos a um ponto em que as crianças já se portavam mal por todo o lado, os meus sobrinhos mais pequenos choravam, já todos embirravam uns com os outros.

Alguns, começavam a pedir bebidas antes de começarmos a ser atendidos e, portanto, parece que nem davam pelo incómodo das crianças. O tempo passava e a comida não vinha. Depois, quando vinha, como éramos muitos, era uma confusão. Uma confusão a pedir, uma confusão à mesa com meio mundo a querer provar o que os outros tinham pedido, a trocarem coisas uns com os outros. Depois uns eram especialmente vagarosos, e estavam ali numa de degustar. Era quatro e tal da tarde e ainda estávamos à mesa. Quando parecia que tínhamos acabado, havia quem passasse aos digestivos e aí iniciava-se uma nova e demorada fase. Depois, ao fim de muito tempo, finalmente lá vinha a conta, sempre uma verba astronómica mas que era impossível de conferir pois, pelo meio, toda a gente tinha pedido mais um pouco de cada coisa, no conjunto parcelas que não acabavam. Podia ser aquilo ou metade daquilo. Pagava-se e pronto. Mas eu gosto de coisas rigorosas. Por isso, ficava azul de largar uma nota preta sem fazer a mínima ideia se estava correcto. Saíamos de lá tardíssimo. E, não raras vezes, a cena dava-se em lugares que não eram propriamente à beira de casa. Lembro-me, por exemplo, de uma ida à Sopa da Pedra em Almeirim, aí incluindo também primos, uma confusão indescritível, ou a um cozido em broa em Sintra num restaurante numa aldeia em que só começámos a almoçar depois das quatro da tarde. Intimamente sentia-me desvairada e estafada pois perder um sábado ou um domingo daquela maneira não era o que eu mais desejasse, mas aguentava de boa cara, fazia um esforço sobre-humano para não espumar, para não invectivar ninguém, para parecer que aquela também era a minha praia. Tudo porque não era capaz de dizer que não contassem comigo. Mas, enfim, a vida também é feita de alguns fretes.

A nível profissional também fiz alguns. O pior eram reuniões, não conduzidas por mim mas por alguém que gostava de fazer render e que deixava que se arrastassem por infindáveis horas sem que nada se resolvesse. Horas e horas a mastigar, sem engolir. Eu a ver as horas a passar, a querer ir para casa, e aquilo sem acabar. Por vezes mostrava alguma impaciência mas era obrigada a acatar o ritmo de quem conduzia a reunião. Lembro-me, em especial da ansiedade em que ficava quando os meus filhos ainda eram pequenos ou adolescentes e eu queria ir buscá-los à escola, estar com eles, queria fazer o jantar a horas... e nada, aquilo não atava nem desatava. Se calhar, não podia mesmo levantar-me e dizer que me recusava a dar mais para aquele peditório. Acho que não podia mesmo fazer isso. Mas foi tempo de vida que queimei a aturar pessoas que não sabiam conduzir reuniões ou tomar decisões. Não foi para agradar, foi apenas porque seria impensável desacatar a hierarquia, seria algo que irremediavelmente teria consequências, e não seriam boas.

Mas, tirando coisas assim, não tenho ideia de ter contrariado a minha natureza para agradar aos outros.

Mas, tirando esse aspecto, coincido muito no que a Annie Norgarb diz, no gosto das coisas simples, no prazer no contacto da natureza, na compreensão de que não vale a pena complicar e na vontade de que, quando o fim se aproximar, ir na boa, sem me agarrar a uma vida que irremediavelmente um dia se extinguirá.

Do que mais me custou nos últimos tempos da vida da minha mãe foi na sua total negação, na sua recusa em aceitar que o fim estava para breve, na forma desesperada como se agarrava à vida. Não aceitou que estava doente, escondeu-o, não quis tratar-se, teve medo dos tratamentos, e, sobretudo, não quis aceitar que o fim da linha estava prestes a ser cruzado. Estava numa angústia terrível e nunca permitiu que o tema fosse abordado. Gostava de ter podido dizer-lhe que partisse em paz, que nós ficaríamos bem e que ela iria descansar. Gostava de ter podido serená-la. Mas não foi possível. Ela queria viver e, sobretudo, queria viver com a qualidade de vida que teve até tarde. Eu gostava de, quando chegar a minha vez, encarar esses momentos com maior racionalidade, com tranquilidade, com aceitação. A forma como Annie Norgarb fala disso, sorrindo, agrada-me.

Mas não é só disso que ela fala. Fala de despojamento, fala de simplicidade. E alimenta os passarinhos, os patos, o pavão, os seus três cães. Passeia, acarinha as flores, desfruta da paz de existir.

É um vídeo muito bonito. (Dá para pôr legendas em português).

It took me 80 Years - Life Lessons I Wish I Knew Earlier - HERE'S WHAT MATTERS

Time, when approached with gentleness, doesn’t have to be something we resist. It can become a steady companion, offering a quieter kind of beauty — one that isn’t about appearance or achievement, but about depth and authenticity. As we grow older, our priorities shift, our understanding deepens, and there’s often a greater sense of ease in simply being who we are.

The passing years don’t take away who we are, they often bring us closer to it. Rather than chasing youth or regretting its passing, there is value in settling into ourselves more fully. When we stop measuring life by what we should be or do, we begin to recognise the richness of where we already are.

Featuring Annie Norgarb.

Filmed in McGregor, South Africa. 


Desejo-vos dias felizes

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