segunda-feira, janeiro 13, 2025

Coisas da vida

 

O domingo foi tranquilo. Estive muito ocupada mas isso não tornou o dia menos tranquilo. 

O tempo esteve afável e, depois de almoço, pus-me em trajes menores ao sol. O buganvília fornece a cortina que garante a minha privacidade face aos vizinhos da casa ao lado. 

Tenho dois familiares internados e, dada a idade que têm, claro que fico bastante preocupada. 

Há cerca de um ano estava eu numa angústia, aterrorizada sempre que o telefone tocava, aterrorizada sempre que entrava no quarto, aterrorizada sempre que não sabia o que dizer à minha mãe sem deixar perceber que sabia que ela podia morrer de um momento para o outro.

Nessa altura, quando estava em casa, via todos os vídeos que encontrava, colocava mil questões ao chatgpt, percorria toda a literatura que encontrava para tentar perceber o comportamento da doença e se havia alguma coisa que se pudesse fazer ou para perceber quais seriam os sinais de que ela estava mesmo a morrer. O meu marido queria impedir-me, achava que eu estava a martirizar-me desnecessariamente. Mas tenho uma necessidade insaciável de querer compreender tudo ao pormenor. A minha filha também me criticava, dizia que era assunto para médicos, não para leigos, e que estava a deprimir-me para nada. Creio que o meu filho talvez me compreendesse pois é um bocado como eu mas acho que o meu marido não chegou a comentar com ele que eu andava, obsessivamente, a tentar saber tudo o que se passava dentro do corpo da minha mãe. Depois, poucos dias depois, morreu. 

Se calhar deveria ser capaz de dizer que, felizmente, poucos dias depois morreu. Mas ainda não consigo associar o conceito de felicidade à antecipação da morte.

Contudo, o meu lado racional começa a interiorizar que, nestas situações, querer que a morte chegue mais tarde é apenas querer que aqueles que amamos sofram cada vez mais. Por isso, tento ter sempre presente o que uma amiga, médica, amiga também da minha mãe, me disse já por mais de uma vez: 'Ainda bem que foi rápido, ainda bem. Não percebes que foi melhor assim?'. Pois, se calhar devia mesmo perceber.

Foi em Janeiro.

Também me lembro de que, quando morreu a minha avó materna, o meu tio, tentando consolar-me, disse: 'É assim, no inverno cai a folha', como se fosse uma coisa natural, chegando-se ao inverno da vida, partir.

Não fixei o mês das mortes de mais ninguém, a não ser a do meu pai que morreu no início de Maio. Dos meus outros avós, tios, sogra, etc, não me lembro. Mas sei que o meu sogro também morreu por estas alturas. Se fizesse uma pesquisa aqui talvez descobrisse o dia da partida de alguns. Mas não quero, não me apetece.

E espero que estes meus familiares que agora estão doentes recuperem. Um parece que está a melhorar, outro nem tanto. A minha prima usa termos médicos e eu depois vou ver no google ou no chatgpt o que é mesmo aquilo. Quando as pessoas chegam a estas idades avançadas, a vida começa a ser um equilíbrio. Felizmente viveram bem até agora pelo que isso já ninguém lhes tira. Não é?

Seja como for, começo finalmente a encarar estas coisas como naturais.

Em contrapartida, ainda fico muito impressionada, mesmo um pouco angustiada, quando alguns dos meus amigos, da minha idade, têm coisas chatas. Dois deles tiveram-nas muito recentemente. Um ainda está em tratamento. Isso faz-me impressão. Um dia estão na boa, toda a gente, incluindo eles, julgam-se na boa, curtem a vida com gosto e alegria, e, afinal, no dia seguinte, descobrem que não estão. Desses dois, um era (e é) médico do outro. A vida é, por vezes, traiçoeira. E breve.

O meu marido não gosta que eu fale disto. Acha que é uma conversa da treta. Mas não sou pessimista, fatalista, nada disso. Acho que é o contrário. Se encararmos a nossa condição humana, precária, frágil, efémera, de forma racional, saberemos dar valor ao que temos, enquanto temos. 

Penso que se tivermos consciência de que coisas assim acontecem a toda a gente, melhor saberemos aproveitar a vida, dar-lhe valor, darmos graças por estarmos bem.

E é isto. Não tenho conseguido responder a mails, comentários ou ver televisão porque, quando me meto em alguma, é de cabeça e pouco ou nenhum tempo sobra para o resto. Hei de voltar à superfície.

Entretanto, desejo-vos uma boa semana.

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