Nem valerá a pena a gente pôr-se para aqui a dissertar sobre as pregas e os plissados da vida. Não há nada de novo a dizer. Desde o início dos tempos que se sabe que, por fora, de repente, vê-se uma coisa mas, ao pé, com tempo, se percebe que há a parte que é ocultada pelos efeitos, e isto já para não falar nos avessos.
Tenho experiência de frequentar hospitais públicos e privados. Já passei noites no exterior sem saber nada dos doentes que tinham sido devorados pela dinâmica hospitalar, já andei entre macas onde gente grita e tosse e escarra e vomita e chora e grita, eu própria já passei uma noite e uma manhã no meio de gente em camas encostadas umas às outras, gente que gritava que estava a urinar-se ou outras cujas fraldas eram mudadas à frente de todos, onde os doentes mentais gritavam e choravam a noite inteira desestabilizando ainda mais a desgraça que ali se vivia.
Já tive os meus pais internados em hospitais públicos e em hospitais privados.
A grande e terrível diferença está nas urgências e nos serviços de observação. Nos hospitais públicos que conheço a falta de espaço, a falta de meios e a falta de organização são gritantes e a dignidade dos doentes e o respeito pelos acompanhantes são totalmente ignorados.
Uma vez internados, as diferenças esbatem-se. A disparidade que subsiste terá mais a ver com a privacidade, especialmente quando, nos privados, se está num quarto individual. Mas não tenho razão de queixa nos internamentos (dos meus pais) em hospital público. Para os doentes, em particular quando estão mesmo doentes, na prática nem dão muito pelo local nem se importam com existirem ou não frescuras.
Estar num hospital privado, em quarto individual, é quase como estar num hotel com todos os serviços incluídos. Sobretudo há a preocupação do serviço ao utente e à família. Há sempre alguém que atende o telefone, alguém que está disponível quando queremos uma informação sobre o nosso familiar ou um médico que nos explica a situação e as perspectivas. E isso faz muita diferença pois ter um familiar internado e não conseguir encontrar ninguém que nos informe cabalmente é frustrante.
Mas, como tudo, é relativo. E, sobretudo, é para quem pode pagar (sobretudo, que tenha um seguro com um grande plafond ou tenha ADSE e poupanças).
Contudo, uma coisa é comum: o sofrimento de quem está doente e a angústia dos familiares.
Vejo muitas vezes os familiares de um doente internado na mesma ala da minha mãe, que está num hospital privado. Tenho impressão que estão lá quase todos os dias e, não sei porquê, estão muito na sala de espera. Vejo sempre um homem que talvez seja um pouco mais novo que eu. E vejo um rapaz e uma rapariga que presumo que sejam irmãos. Os jovens conversam, riem-se, outras vezes falam com ar sisudo, parecem reflectir e recebem e fazem chamadas. Parecem esquecidos do homem que imagino que seja o pai. Acho que nunca os vi a dirigirem-se a ele, nem nunca vi o homem a falar com eles ou ao telefone. O mutismo daquele homem faz-me muita impressão. Já calhou partilhar o elevador com eles. Os jovens conversando, o homem em silêncio, um ar muito triste. De vez em quando vejo-os a irem ao quarto mas pouco depois saem. Imagino que seja a mulher do homem e mãe dos jovens que esteja internada. Como nada sei, só posso presumir e, dada a ala que é e dado o pouco tempo que estão no quarto, presumo que a pessoa esteja maioritariamente a dormir o que nem sempre é muito bom sinal.
No outro dia falei de um homem que saiu e voltou pouco depois com um jovem que pensei ser o filho. São outros, não estes de que agora falo.
Mas a angústia dos que temem perder o seu ente amado é a mesma. Nada sei da história de cada uma daquelas pessoas que ali está internada.
Cada um terá a sua história.
No outro dia, por alturas do Natal, num fim de semana, no átrio cá em baixo, o átrio vazio, três tias podres de betas falavam muito alto (como as ultra betas sempre fazem). Uma dizia que não ia subir e as outras duas: 'Olha agora...', 'Olha-me esta...!', 'Deixe-se disso, venha lá...'. E a beta zangona: 'Não vou! Depois do que ele disse, que não queria ver-me, acha que ia aparecer...? Nem pensar, né...?', e as outras: 'Esqueça lá isso, não ligue, venha lá...'. Nisto chegou um super beto, alto, porte real, pinta de beto de Restelo, Estoril ou Cascais, ultra-pintarudo: 'Atão? Temos reunião aqui em baixo?'. E as outras: 'Imagine que esta agora não quer subir...'. E ele: 'Ah essa tem graça, conte-me lá...'. E a beta azeda: 'Disse que não me quer ver. Acha que eu ia?' e as outras: 'E ela a dar... Ouça: esqueça. Venha lá.'. Face ao impasse, o betalindão sacou de um cigarro, fez um sorriso complacente de macho alfa e disse: 'Vocês entendam-se que eu vou até lá fora fumar um cigarro'.
Entretanto, despachei-me da obtenção da credencial de acesso e subi enquanto o grupinho continuava naquela. Apesar de preocupada, achei um piadão.
São episódios que, mais betice ou mais pobreza, mais tristeza ou mais euforia (porque nem sempre os hospitais são locais de sofrimento, também são locais em que se nasce e em que as famílias vão em festa) pontuam sempre estes locais, fait divers com que podemos sempre distrair-nos das nossas preocupações. Os tais refegos que nem sempre se veem, que nem sempre têm relevância, mas que, de uma maneira ou de outra, fazem parte da vida daqueles locais.
Lembrei-me agora de falar disto pois, com este problema dos jornalistas com salários em atraso, tenho pensado na minha própria experiência como leitora e nas diferentes motivações que me animam quando procuro a imprensa.
Os tempos são outros, não podemos recuar aos tempos da fundação dos brilhantes títulos (DN, JN, etc) nem podemos, sequer, recuar aos tempos a seguir ao 25 de Abril.
Falo por mim. Já não leio jornais em papel.
E o jornal que mais leio é o The Guardian. De longe, é o jornal que, para mim, melhor cobre a informação sobre uma variedade alargada de temas que me interessam. E tem boas fotografias, vídeos interessantes. De longe, o que mais me agrada.
Depois, se me apetece a leveza, alguma fofoca, alguns temas sobre moda ou decoração ou culinária, vou para o Madame le Figaro. Há superficialidade, claro, mas há também elegância e diversidade. E também preciso disso na minha vida.
Há outros nos internacionais mas aqueles dois são os primeiros do dia e os que, mesmo quando não tenho tempo ou cabeça para nada, não passo sem espreitar.
Depois, nos portugueses, percorro, geralmente en passant (até porque, ao não ser assinante, metade não consigo abrir), o Expresso, o Público, o DN. Mas basta ver um que os outros geralmente não diferem muito. Um que agora gosto de espreitar é o CM. Desgraças e parvoíces. Mas acho uma certa graça pois há ali muito do submundo que tem muito da vida real, a vida que se vê nos hospitais públicos, nos locais onde a vida se pode ver despida de selfies e instagrams. Como também não consigo abrir os conteúdos pagos, não consigo ir ao detalhe. Mas fico estupefacta com os que se matam, se esfaqueiam, os que desaparecem, gente que vive anonimamente até que um dia vai parar a uma morgue, um homem de 180 kg que teve que ser retirado pela janela, por bombeiros, uma igreja à venda numa cidade. Coisas assim. Não leio artigos de opinião nem notícias que envolvam política ou coisa do género. Ainda assim, pasmo comigo mesmo. Mas sinto que tenho que conhecer melhor este mundo que é bem paralelo em relação àquele que frequento.
Fazendo agulha para o tema do momento, a crise mediática de momento. Lamentando muito o que está a passar-se com os trabalhadores do Global Media Group, tenho que dizer que, nos tempos que correm, ou há qualidade, diversidade, diferenciação ou não vale a pena. Não reconheço isso no DN e o JN nunca frequentei. A TSF foi durante muito tempo uma rádio de referência. Com a saída de Fernando Alves desapareceu a minha principal ligação à TSF.
Agora um aspecto quero referir: o que está mal, muito mal nisto é que empresas e marcas importantes sejam vendidas, quase às cegas, a fundos que ninguém conhece e que nada têm a ver com as empresas que compram, que estão ali apenas para ganhar dinheiro, seja por vender edifícios seja por dispensar pessoas, reduzindo custos, seja pelo que for e não para desenvolver o negócio. Depois de tantos exemplos nefastos de fundos opacos com capitais em offshores, como se explica que ainda se continuem a fazer negócios destes sem que nenhuma entidade valide previamente a lisura, a transparência, a legitimidade, o cumprimento fiscal, etc?
Penso que nada há a fazer, a nível público, para salvar estas empresas pois, a salvar estas, ter-se-ia que salvar todas as outras de qualquer outro sector, e não vejo que nem o DN, nem o JN, ou a TSF ou as outras do grupo sejam estratégicas para o país. Penso que o que há a fazer é apenas, e não é pouco, obrigar os accionistas e os gestores a cumprir a lei, caindo a pés juntos sobre os prevaricadores.
Mas, caraças, que sirva de exemplo para:
1- Negócios futuros, seja em que âmbito for. Tudo deve ser escrutinado antes de qualquer operação se concretizar,
2 - Para o jornalismo que compreende que tem que se reinventar e apostar na qualidade e na diferenciação, senão inevitavelmente soçobrará.
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Desejo-vos um bom dia
Saúde. Alegria. Paz.
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