Um assunto que, no contexto da finitude da vida, sempre me perturba um bocado não é tanto o de aceitar que somos seres efémeros, passageiros numa viagem que não é infinita, mas o de que muitas vezes se está prestes a chegar ao fim sem que disso sequer se suspeite.
A primeira vez que essa ideia me assolou, e já falei disso aqui, foi quando uma tia do meu marido, uma tia queridíssima, muito bem disposta, sempre a levar tudo para a brincadeira, senhora de um recortado e fino humor, num certo dia em que o gato ia ficando entalado na porta, tendo-se assustado, deixou de falar. Toda a gente pensou que, sendo o afecto dela pelo gato tão grande, o susto tinha sido tão intenso que se tinha produzido ali um estranho efeito psicológico. Mas os dias passavam e a ela não recuperava a fala. E estava estranha, como se tivesse ficado um bocado debilitada. A família toda intrigada com tão bizarra reacção. Sobretudo intrigados, chamaram o médico a casa. O médico mandou fazer exames. E os exames não poderiam ter deixado a família mais perturbada: um tumor no cérebro. Não voltou a recuperar a fala e morreu pouco tempo depois. E, no entanto, antes do episódio do gato, nem ela nem ninguém suspeitaria que o seu fim estava bem próximo.
Com o meu tio aconteceu a mesma coisa e também já o contei. Forte, cheio de vitalidade, cores de pessoa com saúde para dar e vender. voz franca e forte, grande e bom conversador, amante de história e de política, sempre com vontade de relacionar assuntos do antigamente com a actualidade. E com um bom humor imbatível. Ria enquanto falava, ria de gosto. Quando o meu pai teve o AVC foi o grande apoio da minha mãe, sua irmã. Transportava-os às consultas, ajudava o meu pai nas escadas e a andar e a entrar e sair do carro. Estava sempre disponível, sempre bem disposto. Ele e a minha tia, um casal do mais bacano que há. Até que inesperadamente se descobriu que ele estava com um cancro avançado. Sem sintomas, dores, nada. Ao olhar as fotografias dessa altura, ele sempre na boa, sempre com aquele seu ar de homem saudável, nem ele nem ninguém desconfiava que não seria por muito tempo.
A seguir foi a minha tia que recebeu o mesmo veredicto. E foi a mesma surpresa. Num instante desapareceram. O casal a que não se conheciam doenças de relevo, sempre felizes, com uma vida saudável, foi-se sem que antes qualquer um tivesse percebido que o fim estava para breve.
Claro que, perante situações assim, duas atitudes podem ser assumidas: a pessimista, a de que não sabemos como estamos por dentro e de qual a nossa sina pelo que não vale a pena entusiasmar-nos com coisa alguma pois pode ser sol de pouca dura, ou fazer de conta de que nunca pensamos nestas coisas e viver a vida na boa, felizes por estarmos bem e não deixar que receios, porventura infundados, se aproximem de nós. Tendo a achar que a segunda é a melhor.
Nos sítios por onde tenho andado não posso ignorar que tenho estado muito perto de quem está a caminho do fim da linha, com as angústias que isso sempre traz aos próprios e aos próximos. Para me distrair, penso que todos estamos a caminho do fim da linha. Desde que nascemos que o estamos. Uns mais depressa, outros mais rapidamente, uns com maior outros com menor sofrimento. Que dizer de uma menina que na escola é perfurada por um estilhaço do vidro da porta em que embateu? Ou de jovens que, talvez pela animação do álcool, se envolvem em brigas das quais nasce a morte de um deles?
No outro dia morreu um familiar próximo de um amigo. Morte inesperada, prematura, deixando toda a gente consternada. E, no entanto, quando soube como foi, pensei que foi uma morte feliz e que a família deveria encará-la assim. Morreu sem o prever, sem sofrimento, de súbito, no local em que mais gostava de estar.
Os meus filhos vão achar que este post é deprimente e que eu deveria procurar a psicóloga. O meu marido, se os ouvir dizer isso, vai insistir no mesmo. Estranham ver-me assim e eu compreendo-os. Mas não sei se não é normal que eu pense nisto e se não é até racional que, com a serenidade possível, eu reflicta nestas coisas.
Uma amiga há pouco enviou-me uma mensagem a lamentar eu não ir a um almoço de grupo e a dizer para eu ligar a combinar alguma coisa. Mas, ao mesmo tempo, face às minhas actuais circunstâncias, a compreender que eu esteja sem grande disposição para participar em encontros em que toda a gente quer é estar animada e feliz e não a falar em preocupações ou com reflexões sobre a finitude da vida. Claro que toda a gente sabe que é finita mas, caraças, isso tem que ser dito em voz alta...? Acho que não. Por isso, reservo a minha participação para quando estiver a milhas de pensamentos destes.
Tirando isso, posso acrescentar que fui comprar uns pijamas para a minha mãe pois no fim da semana foi transferida para um local onde vai continuar a ser cuidada e, dos pijamas que tem, uns acho que são talvez quentes demais e outros talvez frescos de mais pelo que, apesar de ela não se queixar, arranjei-lhe uns bonitos que não são quentes nem frios. E, porque precisava desvairadamente de me alienar e estava tudo em saldos, apesar de não precisar de nem mais uma só peça de roupa até ao fim da minha vida (mesmo que viva até aos cento e cinquenta anos), marimbei-me para isso e cedi à tentação: uma blusa, uma camisa e um poncho. Quero lá saber. Até uns brincos e um colar mega hiper coloridos eu comprei. Apetece-me ter vontade de me revestir de todas as cores.
E quando fui ao supermercado comprar peixe, legumes, kefir e etc, resolvi fazer um desvio até à cosmética e, vendo um creme transparente que diz conter ácido hialurónico, não quis cá saber de coisas e comprei-o também. Pode não preencher ou reafirmar mas mal não deve fazer e imagino que seja uma sensação fabulosa colocar na cara um creme transparente como água.
Quando cheguei a casa, como tinha andado a provar roupas, antes de trocar de roupa tomei banho e usei aquele gel que se transforma em espuma e que supostamente tem poderes de relaxamento que recebi de presente de natal. Deve ter feito um bom efeito pois mal me sentei no cadeirão adormeci profundamente.
E acordei com vontade de voltar a escrever com aquela motivação aguda que me causa um frisson miúdo nas entranhas. E, caraças, quero mesmo acreditar que um dia vou conseguir descobrir uma editora que acredite que o que eu escrevo tem público e resolva apostar em mim.
Um dia há-de acontecer. Tenho esperança.
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E porque não quero que fiquem a olhar para isto e a achar que estou é a ficar deprimida ou mais lelé da cuca do que era costume ou que só tenho pensamentos que não interessam nem ao menino jesus, termino com umas fotografias que mostram Julia Fox num evento da Sotheby em Nova Iorque na semana passada. E, tal como tive o cuidado de informar no título da mensagem, o vestido não é de noiva nem consta que ela tenha namorado. Igualmente encantadora é a carteirinha de mão que a sua acompanhante levava. Não que me passe pela cabeça pôr-me nestes preparos mas, ainda assim, acho que aqui devo deixar registo de tamanha ousadia (ou maluquice).
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