segunda-feira, janeiro 23, 2023

Criada por macacos

 

Vivo uma vida privilegiada e, tal como eu, a maioria das pessoas que conheço. Podemos queixar-nos de tudo mas não temos razão nenhuma para isso.

No outro dia a minha prima, olhando para a minha mãe, disse que ela estava bem. A minha mãe, em vez de dizer que sim, que felizmente está bem, fez logo um certo ar sofredor dizendo que nem por isso. Para sua frustração, quando se preparava para falar dos seus males, a minha prima atalhou, disse que coisinhas todos temos, eu mudei de assunto e perguntei pelos meus tios, e a conversa seguiu. Depois, já quando estava só com ela, perguntei porque tinha, outra vez, tentado dizer que não está boa quando está. Que não, que não está, que isto e aquilo, e tudo insignificâncias que têm a ver com não ter vinte anos, coisa que parece não querer aceitar. E voltei a dizer-lhe que não percebo porque é que, em vez de dar graças por estar tão bem, parece que anda sempre a ver se fica doente. Quase ofendida, reagiu: que não, que não quer nada ficar doente, que disparate, ora essa. E eu insisti: 'Então sinta-se agradecida, dê graças por estar tão bem'. Encolheu os ombros. Acha que não a compreendo.

De facto, para minha pena, não se sente agradecida, anda constantemente a ver se identifica sintomas que possam levar à descoberta de uma possível doença. E, desta forma, acaba por não aproveitar a boa vida que tem.

Nisso sou o oposto em relação à minha mãe. Sinto-me permanentemente agradecida. 

Agradecida pela saúde que tenho e pela saúde dos meus (e desvalorizo as pequenas coisas do dia a dia), agradecida por estarmos juntos, por vivermos perto uns dos outros, por gostarmos uns dos outros, por termos casas em que nos sentimos bem, por vivermos num país afável e bonito, por podermos conviver e passear em paz... por tantas razões.

Tendo uma pessoa próxima a atravessar um mau momento, um difícil momento de sofrimento físico e de medo, o que me traz naturalmente preocupada, penso ainda mais convictamente que devemos dar-nos por felizes pelo que temos enquanto estamos bem pois a verdade é que nunca sabemos se um dia deixaremos de estar. E também para não parecermos estúpidos e mal agradecidos aos olhos dos que estão realmente mal e precisam que saibamos encontrar as palavras solidárias e de conforto que os ajudem a ter esperança e a suportar melhor aquilo por que estão a passar. Lembremo-nos também das heroicas pessoas da Ucrânia e de todos os países em que há guerra, em que há fome, tragédias naturais, ditaduras, opressão, perseguições e maus tratos. Aí, sim, a vida é difícil, verdadeiramente difícil.

De forma geral temos, sim, razão para nos sentirmos agradecidos e razão para sabermos desfrutar tudo o que de bom nos rodeia.

O vídeo abaixo não tem legendas em português e é uma pena. Mas, a quem consiga entender o inglês, recomendo a sua audição. 

Marina Chapman foi raptada aos 4 anos de uma aldeia na Colômbia rural. E foi abandonada numa selva. Aí viveu durante cerca de 4 anos, sobrevivendo entre macacos. O que esta criança sofreu dificilmente se imagina. Mas sobreviveu. Até que um dia resolveu aparecer a uns humanos, acreditando que a mulher jovem era uma boa pessoa. O que sofreu depois disso foi talvez ainda pior. Mas um dia uma senhora resolveu ajudá-la e aí a sua vida mudou. Agora, com cabelos grisalhos, sente-se feliz. Sorri. Não fala com amargura, não fala com revolta. Gostaria de voltar à selva em que viveu e tentar encontrar os macacos com que viveu. Mas não sabe onde é. Do que ela diz, dir-se-ia que não acha que a sua vida tenha sido uma vida de sofrimento, dir-se-ia que pensa que foi um percurso que a trouxe até onde está hoje, feliz.

I Lived With Monkeys In The Jungle


Desejo-vos uma boa semana a começar já nesta segunda-feira
Saúde. Coragem. Reconhecimento. Paz.

7 comentários:

João Lisboa disse...

Como dizia alguém, "a saúde é um estado precário que não augura nada de bom".

:-)

Pôr do Sol disse...

A vida nem sempre é justa e por vezes, depois de passarmos um bom bocado, com amigos com sol, aparece uma nuvem negra que nos deita ou aos nossos por terra.

Mas depois de nos sentirmos impotentes, incapazes de apoiar alguem que necessita urgentemente do calor da nossa mão na sua, de um abraço, de uma palavra que não seja frase feita, demasiado ouvida, temos de nos agarrar ao que de bom vamos tendo. E sem darmos por isso, essa força transmite-se.

É compreensível que a proximidade da finitude nos torne carentes, cause medo e o desconhecimento de como será, com sofrimento, ou de repente, entra-se em ansiedade.

Todos os dias temos conhecimento de coisas menos boas que acontecem a antigos colegas, amigos, familia. E porque será que as boas noticias não correm tão depressa?

Querida UJM, que tenha uma semana cheia de boas novas, paz, saude e paciencia.

ccastanho disse...

UJM
Uma lágrima, que bom, ouvir,

https://www.youtube.com/watch?v=CsuHTuRQVb8

ccastanho disse...

Já agora, UJM, não sei se gosta desta pérola:

https://www.youtube.com/watch?v=Y1fnT0bnq34

Um Jeito Manso disse...

Olá João,

Tal e qual. Uma caminhada, umas vezes longa, outras nem tanto, mas que tem sempre o mesmo fim.

Aproveitemo-la enquanto há caminho para andar, não é?

Um Jeito Manso disse...

Olá Pôr do Sol,

Sábias e amigas palavras as suas. Gosto sempre muito de ler o que escreve mas, às vezes, é mais que isso: ajudam-me a compreender melhor as coisas difíceis da vida.

Obrigada.

Beijinho, Sol Nascente.

Um Jeito Manso disse...

Olá Ccastanho,

Gosto sempre das suas escolhas. Hoje de tarde, enquanto estava numa outra, estava a ouvi-las (de gosto).

Muito obrigada!