sábado, agosto 20, 2022

Boas memórias. Cozinhar para os outros.

 


Estou a ver um maravilhoso programa de culinária no 24Kitchen com Silvia Colloca que fala de comida italiana. Cozinha ao pé dos convidados numa bela varanda rodeada de natureza. Conversa, envolve a conversa, a comida e o ambiente com sorrisos. Há ali leveza, boa disposição. A partilha de experiências e de memórias ao ar livre e em volta de uma panela de onde se evolam os belos cheiros dos cozinhados é uma coisa boa.


E a luz das imagens traz alegria. O ar livre e os verdes dão saúde, mesmo quando visto através da televisão.

E ao ouvir falar de iguarias italianas lembrei-me de quando fui ter uma reunião numa empresa em Milão. Para começar, fui à vontadinha pensando que se poderia ter as reuniões em italiano pois tinha a ilusão de que, mais coisa menos coisa, as parecenças entre o português e o italiano seriam suficientes para nos entendermos. Ilusão. Nem pouco mais ou menos. Há palavras tão diferentes que bloqueiam o entendimento de toda a frase. Acabámos por ter que usar o inglês o que me deu muita pena pois adoro o italiano.


Mas o que quero contar é que os nossos anfitriões tinham reservado um restaurante especial para nos levar. Avisaram que era fora da cidade e que íamos comer a genuína comida campestre italiana. Não faço ideia onde era. Não tenho qualquer sentido de orientação espacial nem memória para nomes de restaurantes. Sei que era mesmo no campo. Uma estrada de terra batida ao longo de um ribeiro. Havia uma casa branca, o restaurante propriamente dito, e, cá fora, uns paus espetados na terra e uns panos, como que lençóis brancos atados com nós do próprio tecido, fazendo uns toldos artesanais. Havia trepadeiras, havia vasos com flores. Por baixo de cada lençol havia uma mesa de madeira comprida e uns bancos corridos. 

Os comensais em todas as mesas conversavam animadamente. Lembro-me de virem grandes taças de comida e era comida apaladada, com molhos suculentos. E nós ali no meio do campo, no mais inesperado restaurante. Parecia uma animada reunião de família.

Andei à procura na net mas não descobri. Pode até já não existir. O mais parecido que encontrei foi este aqui acima.

Outra coisa de que me lembrei ao ver o programa (na parte do gelado de morango) foi de quando, em pequena, ia apanhar morangos com o meu avô. A casa dele era geminada de um dos lados. À frente e do outro lado tinha um jardim que era mais o pelouro da minha avó. Nas traseiras, num terreno que ia em socalcos por ali acima, o meu avô tinha a sua horta. Plantava batatas e cebolas e isso ocupava a zona maior. Depois tinha feijão verde que trepava por umas canas cruzadas e que eu gostava imenso de ir apanhar. 

O tomate alongado também trepava por canas. O meu avô apanhava-os com as ramas e entrançava-as, guardando suspensos na casinha que avia no quintal e onde cebolas e tomates suspensos pelas respectivas ramas aguentavam o ano inteiro. 

Outros tomateiros eram menos atrevidos, cresciam mais modestamente, sem se arrebitarem tanto. 

Tinha também alhos, alfaces, couves, salsa, coentros. E tinha árvores de fruto. E depois, num canteiro elevado, havia morangos. Eram miudinhos mas carnudos, macios, muito docinhos. 

O meu avô chamava-me para ir com ele. Eu acreditava que ele precisava da minha delicadeza de gestos. Dizia para eu agarrar com cuidado, para não os desfazer, para torcer ao de leve para se desprenderem. Por vezes, antes ia à arrecadação onde guardava as ferramentas e trazia uma tesoura preta. Cortava os pezinhos dos morangos com cuidado. À medida que os íamos apanhando, íamo-los dispondo com cuidado numa cestinha. Chegavam incólumes à cozinha. Aí a minha avó abria a torneira e lavava-os em água corrente. Ensinava-me a pegar neles com cuidado e dizia que os morangos tinham que ser sempre muito bem lavados pois estavam em contacto com a terra e nunca se sabe que bichos ou porcarias por lá andavam. O meu avô não queria saber do que dizia serem os exageros dela. Muitas vezes apanhava-os, limpava-os com a palma da mão e comia-os assim mesmo. Mas eu, por via das dúvidas, limpava-os bem. De resto sempre gostei de lavagens.

Ainda hoje tenho esses cuidados apesar de, se calhar, os morangos que compro no supermercado nem saberem o que é terra.

E depois há o gosto em cozinhar, a vontade de fazer o que a gente vê nem que seja em fotografia e, ao saber o que é, começar logo a pensar em como fazer e, logo, logo, em introduzir algumas variações. Por exemplo, vi o que a turma do meu filo tina jantado num restaurante no interior algarvio: açorda de galinha e ensopado de javali. Pedi ao meu filho que me falasse da açorda. Falou e agora estou com vontade de fazer. Se calar vai ser o nosso jantar de sábado. Falei à minha filha e ela disse que estava adjudicado. Do ensopado de javali não sei, teria antes que ter o dito. Mas se calhar ficará bom se for feito com pernil de porco.

Também tenho uns chocos que congelei fresquinhos, por amanhar, sujos da sua tinta. Tenho que fazê-los cozidos, com as suas entranhas. Só é preciso tirar, antes de servir, a saqueta da tinta que está em baixo e que tem matéria áspera. Cortados aos bocadinhos, a gomosidade dos interiores, azeite, cebola crua às lasquinhas, salsa. Bom demais.

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E é isto. Por ora, nada mais me apraz dizer. 

Deixo-vos apenas com um vídeo que mostra Silvia Colloca para quem ainda não a conhece.


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Nota: a tecla do h no meu teclado hoje deu-lhe para entrar em greve. Uma luta para que colabore. Por isso, se derem por falta dele em algumas palavras, por favor relevem, ok?

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Desejo-vos um bom sábado
Saúde. Boas partilhas. Gratas recordações. Paz.

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