sábado, março 26, 2022

Um dia normal junto à última fronteira -- com apontamentos variados à mistura

 

Mais uma vez o meu dia foi longo e apenas consegui aterrar no meu sofá a seguir às onze da noite. Na véspera tinha dito que a sexta ia ser tranquila pois tinha uma única reunião agendada. Mal tinha acabado de dizer isso arrependi-me. Na volta, com o tempo, estou a tornar-me supersticiosa. Felizmente, a superstição só se dá com coisas meio parvas. Uma que dou como certa é que, mal digo que uma coisa não vai acontecer ou que há muito tempo que não acontece, é certo e sabido que vai acontecer. Não sei explicar mas sei que acontece. Falar nas coisas pela negativa parece que atrai, uma atração de tipo dispensável.

O certo é que aconteceu: tive uma sexta-feira do caraças, sem sossego. Telefonemas em contínuo, chatices, problemas que se embrulham uns nos outros. Pedem-me soluções e eu, tantas vezes, sem saber bem como ou, mesmo, apetecendo-me é tréguas, é pôr-me a milhas. Mas não fujo: corto a direito, passo por cima de pruridos e sensibilidades e digo de minha justiça. Por vezes, sinto que estou a tornar-me mais dura. E, mal acabo uma, quando quero pensar no que acabei de decidir, já está a surgir nova situação. 

Mas houve um telefonema bom. Telefonaram-me para me agradecer uma decisão. Palavras muito simpáticas de uma pessoa muito simpática e genuína. Por uma vez, um telefonema que acabou com 'um beijinho muito grande'. Agradeci de coração mas, ao mesmo tempo, por dentro, estava a pensar que entre beij'inho' e 'muito grande' havia uma contradição de termos. Claro que não disse nada. Imagina se ia dizer: 'Peço desculpa mas, se é beijinho, tem que ser 'muito pequenino' ou, se é para ser grande, tem que ser beijão' -- ia quebrar o momento e lançar a confusão. A semântica e a lógica às vezes só atrapalham.

Tinha pensado ir ao supermercado mais cedo mas, afinal, só consegui ir mais tarde. Pior: tive que ir sozinha. Quando vou numa de turismo com necessidade apenas de kefir ou de coisas para a sopa, é bom, passeio, vejo as novidades. Agora, quando é avio a preceito, prefiro companhia. Mas não deu. O meu compagnon de route estava ainda mais metido em trabalhos que eu.

Mal saí do carro, logo a fera veio de lá de trás a correr, a ladrar, chegando-se todo feliz, de pé junto ao portão, a dar ao rabinho. Ainda do lado de fora, fiz-lhe festinhas, disse-lhe miminhos. A instrutura bem se zanga: 'Não o mime tanto... Se quer mesmo dar-lhe mimo, primeiro dê-lhe uma ordem para ele a seguir sentir o mimo como uma recompensa.' Mas esqueço-me. Um ser tão exuberantemente feliz com a minha presença precisa forçosamente de uma recompensa e, para ele, a melhor recompensa é a minha atenção e mimo. A instrutora avisa-me: 'Assim, ele não vai sentir necessidade de ser obediente pois já sabe que recebe mimo de qualquer maneira...'. Percebo. Mas pode a gente regatear ou negociar afecto junto de quem se gosta? 

Bem. 

Depois do supermercado ainda houve muitas coisas. O meu marido queixa-se, não conseguimos ter descanso. Não sei que coisa é esta, parece que atraímos afazeres e compromissos.

Agora já passa da uma da manhã, já é sábado. E ainda tenho o cabelo molhado. Na volta, vou dormir assim o que não dá jeito nenhum. Não tenho paciência para ir secá-lo. Nunca seco com secador, não tenho paciência. 

Entretanto, estive a ver as notícias e os blogs. De vez em quando há algum que tem palavras que chegam até mim ainda a latejar e fico com vontade de enviar o meu apoio ao seu autor nem que seja, pelo menos, para que saiba que as suas palavras me tocam. O meu apoio ou um abraço. Mas não o faço. Não sei bem porquê mas não o faço. Parece que penso que é melhor guardar distância, ver e ouvir de longe, não correr o risco de dizer palavras a mais ou a menos. A vida é uma coisa incompreensível.

Alguns blogs têm a caixa de comentários fechados. É o caso do blog de Eduardo Pitta. Gosto de ler. É sempre conciso, focado. Gostei bastante de ler o que ele hoje publicou. Por isso, tomo a liberdade de transcrever quase na íntegra.

A ÚLTIMA FRONTEIRA

Estamos todos a pagar a factura da nossa indiferença face à anexação da Crimeia pela Federação Russa em Março de 2014. Quando isso aconteceu, fazendo tábua rasa do direito internacional, a Europa e a administração Trump assobiaram para o lado. O que está em jogo na Ucrânia é o nosso futuro como civilização.

Trinta dias de confronto deram origem a seis milhões de deslocados no seu próprio país, quatro milhões de refugiados no Ocidente, meio milhão de deportados para a Rússia, milhares de civis mortos, corredores humanitários atacados à bomba, cidades destruídas, tráfico de seres humanos, crise económica planetária, etc. Kiev ainda não caiu. Só cairá se a Rússia adoptar a solução final. Se isso acontecer, a NATO intervirá. Não pode ficar de braços cruzados como ficou há oito anos.

Um dia saberemos o que levou Putin a supor que a invasão da Ucrânia seria um remake da libertação de Paris, em Agosto de 1944, quando os franceses receberam os militares americanos com flores, beijos e canções. Quem terá convencido Putin dessa ilusão?

A “operação especial militar” que visava “desnazificar” a Ucrânia foi prevista para durar umas horas, porque, julgavam os idiotas de todos os matizes, a chegada do primeiro tanque ao Donbass levaria Zelensky a fugir para o Ocidente e a população ucraniana a receber os “libertadores” em triunfo. Nada disso aconteceu. A Ucrânia resiste, a Ucrânia vai continuar a resistir, para desgosto dos “pacifistas” que apelam à capitulação de um Estado soberano.

(...) 

E, como sempre, procurei notícias e explicações ou apontamentos que me ajudem a perceber como atingiu tamanhas proporções a chacina que Putin empreendeu e que se, por um lado, arrasou lugares, matou gente e empurrou para outros destinos milhões de pessoas, a verdade é que, estranhamente, à parte a força bruta dos bombardeamentos, no terreno demonstram amadorismo, desmotivação, desgoverno.

Partilho alguns vídeos que me parecem dignos de registo.


Ukrainian family: 11-year-old girl shot in face by Russian soldier

Terrified Russian soldier tells gran he wants to ‘get the f*** right out of’ Ukraine

A TERRIFIED Russian soldier has told his gran he wants to “get the f*** out” of Ukraine and expected the war to be over in two weeks.

The unnamed soldier was heard speaking in an intercepted telephone call home that has been released by the Ukrainian government.

Vladimir Putin’s troops have been hit by plummeting morale after the quick victory promised by the tyrant has turned into a bloodbath in the face of fierce Ukrainian resistance.

At the start of phone call, a woman asks the soldier “God, when will this end” to which he replies that his situation is “scary granny”.

He then says that his “whole brigade was smashed” and that “I don’t know how God saved me”.

“To be honest with you I would get the f** out of here right now and I don’t care,” the soldier tells her.

“The main thing is to survive the hell. We thought everything would be over in two weeks. It’s been almost a month already.”


Mounting Deaths Make Russian Censorship Of Ukraine War Harder To Maintain

Joshua Yaffa, correspondent for the New Yorker, talks about how Russians would react if they knew the truth about the war happening in their name in Ukraine, and the question of whether Vladimir Putin can continue to keep Russians in the dark.

Gen. McCaffrey: Russia Has ‘Lost Command And Control’

Retired Four Star General Barry McCaffrey and former consultant to the FBI’s Counterterrorism Division Clint Watts discuss the Russian army struggling with logistics, communication, and resources.
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As fotografias provêm do Guardian

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Desejo-vos saúde, boa sorte, paz e felizes reencontros

6 comentários:

Anónimo disse...

Querida um jeito manso,a anexação da Crimeia não foi feita na administração Trump.

Um Jeito Manso disse...

... e...?

Anónimo disse...

Nem tudo no mundo é culpa de Trump...Eduardo Pitta nem sempre é preciso e focado.

José Duarte disse...


Olá, UJM. Também concordo com o que escreveu Eduardo Pitta. É um modelo de concisão e objectividade analítica, ao contrário de muito do que se vai lendo e escutando por aí (a propósito, ele já corrigiu, no seu blog, o lapso acima anotado, que, de resto, pouca importância tinha).

É espantoso como alguns ainda procuram defender o que é moral e eticamente inaceitável - a cobarde e assassina agressão de um velho criminoso do KGB a um país soberano que em nada ameaçava a Rússia. É falaciosa e anedótica a ideia de que, com NATO ou sem Nato, um qualquer país daquela área (ou de outra) possa sequer sonhar em ameaçar militarmente a potência detentora de mais ogivas nucleares em todo o mundo - e, note-se bem, a única que ameaça abertamente fazer uso delas...

Mesmo muitos dos que começam por censurar a invasão, logo lhe acrescentam a adversativa que lhes denuncia o anti-ocidentalismo ou o anti-americanismo primários. Aqueles "mas" e "porém", a que logo anexam o chorrilho de argumentos do Kremlin, fá-los cair em inultrapassável e estúpida contradição: condenam a invasão de Putin, "mas" assumem como válida a argumentação (a lista de pretextos) de que ele se serviu para invadir (a "ameaça" da NATO, os nazis, os drogados, etc. etc.).

Só podem ser qualificados como desatentos ou como desonestos. Porque, em seus enviesados comentários e manifestos, escamoteiam - omitem - a informação principal, a única que expõe à luz do dia aquilo que realmente move o bandido russo. De facto, Putin escreveu e disse, antes da invasão, que "russos e ucranianos são o mesmo povo" [só contaram p'ra ele...] e que, portanto, a Ucrânia não tem justificação para existir como nação soberana e independente. Foi dito, está escrito - que mais se pode argumentar a partir daqui? Como é possível, sabendo disto (e eles sabem...), continuar a sustentar como válidos os pretextos para o crime?

A propósito de comentários, uma última nota acerca do blog "Estátua de Sal", tão profusamente citado por alguns dos fervorosos (ou ferozes?) contraditores de UJM. Também eles se esquecem de informar previamente que o proprietário daquele blog optou por passar a seleccionar nesta matéria (usando, aliás, de um seu inquestionável direito) artigos e opiniões que vão sempre no mesmo sentido - o da defesa do crime de Vladimir Putin. Convinha que eles prevenissem o povo leitor, antes das citações...

Continuando a apoiá-la na sua luta desassombrada contra o criminoso do Kremlin, desejo-lhe um excelente fim-de-semana.

Um Jeito Manso disse...

Anónimo/a do Trump e do Pitta,

...e...?

Um Jeito Manso disse...

Olá José Duarte,

Aleluia!

Já estava a ficar preocupada, julgando que quem por aqui costuma acompanhar-me alinha pela cartilha de que a Ucrânia estava mesmo a pedi-las... e que bem faz o Putin em aplicar o justo correctivo...

Nem sabe como gostei de ler o seu comentário!

Obrigada. José Duarte.

E tenha um bom domingo-