domingo, setembro 19, 2021

Tenho uma capoeira. É de vidro. Mas há galos que tiveram que ficar de fora.

 


Gosto de fazer arrumações, das grandes. E, quando as faço, é de a a z

Neste caso, com o movimento de translação que imprimi aos roupeiros in heaven, deu-se origem a uma das derivadas destas mudanças: a crivagem para ver o que deve ficar e o que deve ser dado ou ir para o lixo.

Há uma informação essencial para compreender a minha casa mas eu, como gosto de manter alguma reserva, não a transmito aqui. Por isso, não deve ser fácil perceber porque é que numa casa grande há tanta falta de espaços para arrumação. Mas acreditem que há. Por isso, aproveito todos os lugarzinhos possíveis para enxertar um armário onde guardar a tralha.

O meu marido massacra-me com um mantra que me recuso a interiorizar: diz que não há falta de espaço, há é tralha a mais. Aos anos que o diz. Em parte terá razão, não digo que não.

Quando se compra uma casa usada ou se fazem obras e grandes mudanças ou se aceita a casa como ela é e apenas se melhora uma ou outra coisa. Nós optámos pela segunda hipótese. 

Uma das particularidades um bocado absurdas da casa é que, tendo a casa principal duas casas de banho, uma delas é tão grande, senão maior, do que o meu quarto. Um tamanho inusitado e sem jeito. Eu olhava aquele salão com irritação: um desperdício sem solução. Até que resolvi marimbar-me para a ordem natural das coisas e mandar fazer um roupeiro praticamente de parede a parede. Não é normal as casas de banho terem móveis destes mas azarinho.

Só que, como isto se deu numa outra encarnação, o roupeiro é de madeira maciça, cor de madeira, mais ou menos cor de mel. Se fosse hoje seria branquinho. Mas não, senhor, uma coisa imponente e despropositada na big casa de banho. Agora olho para ele e só me apetece pintar. Um dia ainda pego numas latas de tinta, talvez branco, talvez branco azulado, e graffito aquilo tudo, talvez um graffiti a dois tons.

Bom: aquele roupeiro tinha tudo -- roupas do meu marido que estavam boas e que eram boas mas, na altura, ou um pouco apertadas ou um pouco largas, lençóis, almofadas, pijamas, produtos de higiene. Ou seja, cheio como um ovo.

Depois havia o guarda-fatos ultra-vintage que era da mobília de quarto dos anteriores proprietários, daqueles móveis em mogno num castanho quase preto com o qual consegui conviver até há algum tempo mas que, progressivamente, se me tornou quase sepulcral. Já antes tinha colocado pedra mármore nos tampos da cómoda e mesas-de-cabeceira como forma de aclarar o ambiente. Agora o quarto está outro, como já antes o referi. Esse guarda-fatos foi para o quarto do estúdio, depois de esvaziado.

Na cozinha desse estúdio, para uma das paredes mandámos fazer um móvel, igualmente em madeira-madeira, também em cor-se-mel, creio que é cerejeira, igual aos demais móveis da cozinha. Por fora, são portas de alto a baixo. Mas, por dentro, esse móvel é um mundo. Tem roupeiro, tem arrumação, tem gavetas, tem uma parte despenseira. Também estava cheio.

E o que estava no quarto do estúdio, um de pinho-mel que, quando a minha filha era pequena, estava no seu quarto, foi para a casinha das ferramentas.

Ora, tudo o que estava dentro de cada um teve que saltar cá para fora para que a arrumação agora se fizesse racional, organizada, lógica, optimizada. 

Muita coisa foi à vida. Temos levados sacos de roupa para aqueles contentores da doação de vestuário. Outras coisas vão simplesmente para o lixo. E tenho descoberto coisas surpreendentes. Hoje vi uma colcha de que não tinha qualquer ideia. É linda. Deve ter sido das tias do meu marido, quiçá até da avó. Não me lembro do nome do tecido, se é que é aquele de que hoje à tarde me lembrei. Tem um relevo, parece de seda, é espesso. É em tons de marfim. Pensei logo trazer para o meu quarto da casa nova. Mas, claro, lavei-a. 

Quando foram as partilhas foi um processo tão atribulado, tão louco, que acabei por nem saber o que tínhamos trazido. Depois o meu marido também não queria usar nada daquilo. Por ele não tinha ficado com nada. Como elas tinham dito que gostavam que as coisas fossem repartidas pelos sobrinhos, cumpriu-se o desejo. Mas muita coisa foi para o lixo, logo no momento em que se separavam as coisas. Como eram coisas boas e bonitas e tão estimadas por elas, não consegui deitar fora o que trouxemos apesar do meu marido não querer ver aquilo nem pintado. Portanto, ficou tudo em sacos, na arca, ou encafuado nos roupeiros. 

Agora, nestas arrumações, ao sair tudo à cena, descobri coisas muito interessantes. E nem ele sabe de quem é que as coisas são. A bem dizer nem eu sei. Às tantas também pode ser das minhas avós. O que sei é que são autênticas revelações. 

E, claro, lavei tudo. Hoje foram mais três máquinas de roupa. O que me valeu é que, com o vento que esteve, estendido tudo ao sol nas cordas que prendemos entre as árvores, seca tudo num instante. Fica a roupa bem seca, rija, perfumada. Só depois arrumo nos seus novos poisos. 

E tenho a dizer que sigo o método kondo. Sigo quer na seleção do que conservo e do que vai fora, quer na dobragem e acondicionamento. Gosto imenso de o fazer. E gosto de, depois, olhar para as gavetas, tudo tão bem organizado. 


Tenho ainda a dizer uma outra coisa. Penso que já é sabido por quem por aqui me acompanha: acho piada às galinhas e aos galos enquanto objectos. Prestam-se a representações divertidas. Por isso, havia galináceos all over. Com o touch minimalista da minha filha, todos esses meus excessos foram recolhidos. Então não se sabia o que fazer a tanta bicheza, sendo que é bicheza esteticamente do meu agrado. Então, tive uma ideia. O meu marido, se estivesse aqui diria que isso é o pior, eu ter ideias.

Mas tive e estranhamente ele achou a modos que um disparate... mas não se opôs ferreamente. Portanto, a coisa concretizou-se. Uma vitrina é agora a capoeira em que se juntam quase todos os cacarejantes. Está na cozinha, ao pé do frigorífico. Está cheia. Mesmo assim não couberam todos pelo que há uns quantos tresmalhados.

Fiz o mesmo com os carrinhos antigos, uma colecção de quando o meu marido era pequeno. Estavam num rebordo da parede do antigo quarto do meu filho. Impossível limpá-los. Pensei no mesmo das galinhas mas numa versão diferente. Acho que ficou com piada e, da próxima, a ver se não me esqueço de fotografar. 

E é isto. São duas da manhã, trabalhei que me desunhei durante todo o santo dia, e, como é bom de ver, daqui hoje não sai mais do que isto.

Ah, creio que não vale a pena dizer que o meu marido, com isto tudo, só não me rifa porque se calhar tem receio que ninguém queira habilitar-se. O que ele tem protestado só eu sei. 

(Mas, no fim, quando vê tudo arrumado, clean e bem cheiroso, fica caladinho e eu percebo que gosta do produto final. Mas, porque acha que já merecia um dia de descanso, não diz nada para marcar a sua posição)


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Uma vez mais chego a esta hora e sinto-me incapaz de responder e agradecer os comentários. 
A ver se este domingo ou na segunda consigo. 
As minhas desculpas.
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Desejo-vos um belo dia de domingo

2 comentários:

atalhos disse...

Olá, Um Jeito Manso.
Já foi ver Cry Macho? Outro galo cantaria, como diria a minha avó. Ninguém como *Klimt* Eastwood para despedir-se com um abraço assim.
Uma boa semana para si.

Um Jeito Manso disse...

Olá 'Atalhos'

Apenas vi o trailer. Desde que apareceu a covid não voltei a ir ao cinema... Apesar de agora estar vacinada ainda me faz impressão estar muito tempo em espaços fechados com pessoas que não sei se estão livres do bicho.

Acho que essa do Klimt está bem 'apanhada'. Está com a voz gasta dos velhos, ele, e, no entanto, que densidade tem aquela voz. Deve ser um filme extraordinário como têm sido alguns dos seus últimos filmes. De cada vez que sai mais um dos seus filmes, há sempre a tentação de olhar como se fosse o último, o testamento, o corolário de uma vida. Mas essa conclusão tem-se sempre revelado prematura.

Vi que o galo do puto se chama Macho e vi que há lutas de galos, o que deve ser um espectáculo com alguma beleza trágica

Mas agora com o seu comentário fiquei muito curiosa.

Uma boa semana, T.