domingo, setembro 12, 2021

Quanto vale o sangue dos outros?
Ou como é fácil fazer nascer unicórnios

 

Muito loura, uns olhos muito azuis que a maquilhagem tornava maiores e que pouco piscavam, uma voz estranhamente grave (aliás, forjadamente grave), uma toilette a la Steve Jobs (quase sempre de gola alta preta), um sorriso charmoso, uma conversa convincente (para quem queria deixar-se convencer), uma audácia mascarada de assertividade, uma opacidade mascarada de transparência, um à-vontade perante potenciais investidores e representantes do poder político, um descaramentos que não desarmava -- tudo ingredientes que fizeram de Elizabeth Holmes um caso sério no mundo dos negócios emergentes e muito promissores.

Em especial os homens mais velhos babavam-se perante a jovem e formosa fundadora e gestora daquela fantástica empresa que se anunciava como the next big thing. Era uma nova Apple que estava a nascer. Uma tecnologia inovadora que revolucionava o mundo das análises de sangue e que renderia milhões e milhões. 

E, perante a inexistência de evidências, apenas levados pela lábia da juvenil e sorridente loura de olhos de boneca e voz grossa, os investidores abriram os cordões à bolsa e o dinheiro começou a entrar. Num instante. a Theranos valia brutalidades. Ninguém queria ficar para trás. 

Na minha vida profissional já testemunhei um caso idêntico embora, obviamente a uma mais modesta escala: uma mão cheia de nada a ser apresentada como um tiro certeiro num mercado em brutal expansão. Quem mantivesse a cabeça a funcionar facilmente percebia que só um maluco investiria um cêntimo numa coisa que até podia ser mas que, de facto, não era nada. Quando a máquina da mentira é posta em marcha dificilmente pára. 

Só pára se alguém, totalmente descomprometido com o projecto, à bruta e de forma pública e irrefutável, a parar. Caso contrário, os enganados não querem aparecer como uns patos e vão ficar calados, os que apadrinharam não vão querer parecer uns otários e ficam caladinhos, os que lá trabalham não querem perder o emprego e nem um pio, os mais próximos não querem dar uma facada nas costas e fazem de conta que não sabem de nada. Todos, de uma maneira ou de outra, se tornam coniventes, todos encobrem o inexistente unicórnio. 

No caso de Elizabeth Holmes o caso é mais grave pois não apenas enganou os investidores como se esteve nas tintas para a saúde das pessoas cujo sangue era analisado naquelas máquinas da treta que vendia como se fossem revolucionárias e fiáveis. Resultados errados que levavam a medicação inadequada podendo pôr a vida dos doentes em risco enquanto o sucesso da empresa era incensado e recompensado -- dois mundos antagónicos que existiam sob gestão da sua CEO que continuava a apresentar-se em conferências, entrevistas e encontros com altas figuras da política e do mundo dos negócios. Sempre segura, combativa e sorridente.

Agora, cerca de três anos depois de ter sido publicamente desmascarada, apresenta-se a julgamento menos maquilhada, já sem a farda a la Steve Jobs, toda ela num estudado low profile, responsavelmente grávida -- e sorridente como se não fosse nada com ela. Já não se mostra como a grande empreendedora mas como a inocente que os outros querem derrubar e que está ali disponível para contar como foi manipulada, enganada.

Como qualquer psicopata, não assume a responsabilidade pela gravidade dos seus actos. É capaz de invocar desculpas, fazer-se de vítima e, de olhar tranquilo e ingénuo, continuar a apresentar-se como bem intencionada. 

Descrita por quem sabe como uma narcisista, tudo nela evidencia os traços psicológicos de gente assim. Em maior ou menor grau os narcisistas têm sempre qualquer coisa de psicopata, de sociopata, de tóxico, de perigoso. No caso de Elizabeth Holmes estar-se-á perante um expoente máximo mas não nos enganemos: de gente assim a única coisa a fazer é guardar distância pois desde que começam numa de ser cativantes até à fase em que se fazem de vítimas, nunca assumem responsabilidade pelo mal que espalham à sua volta. Esvaziam animicamente os que os rodeiam e que, tantas vezes, ingenuamente tentam ajudá-los.

O vídeo abaixo mostra bem toda esta história. Poderia ser ficção: a ascensão e queda de uma extraordinária lunática. Mas não é ficção: é verdade. A lunática, Elizabeth Holmes, é bem real.

Elizabeth Holmes exposed: the $9 billion medical ‘miracle’ that never existed

Elizabeth Holmes promised the world a medical revolution. At 19, she claimed to have invented a miniaturised machine that with a single drop of blood could map a person’s health quickly, reliably and cheaply. She boasted that her technology meant serious diseases like cancer would be prevented before they happened. And it was not only a “wow” moment for patients. High-profile investors rushed to pour a fortune into Holmes’ company, Theranos, and she became Silicon Valley’s first self-made female billionaire. But as Tara Brown reports, her invention was an invention – it simply didn’t work. Elizabeth Holmes is no visionary. She’s a cruel fraudster who has put people’s lives at risk, and because of that, now faces 20 years in jail.



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Desejo-vos um bom dia domingo

[Apesar de ser um dia triste]

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