sábado, julho 17, 2021

Quando me tiram as palavras da boca

 



Acabámos de trabalhar a horas, concretamente por volta das seis da tarde. Uma coisa tão única que parecia que estávamos a entrar de férias. Cedendo à sugestão da minha filha, desafiei-o para irmos até à praia. 

Fomos.

Muita gente e tanto mais quanto a maré estava quase cheia. Ainda assim caminhámos, depois ele deu um mergulho. Eu, como tinha guardado a máscara no soutien do fato de banho, tive essa desculpa para não mergulhar também. Ainda assim, andei dentro de água a apanhar com as ondas, mas de pé, virando-me de costas quando receava que me cobrissem até ao pescoço e estragassem a máscara. Estava boa a água. Tive pena de não ter ousado. Lá dentro parecia frescota mas, mal saía, pensava que estava boa e voltava a entrar; mas debalde. Deve ser a isto que há quem chame mixed feelings.

Como nos tínhamos esquecido de levar toalha ou whatever, estendi o vestido na areia e sentei-me em cima. Ter-me-ia apetecido deitar e ficar a sentir o sol macio do fim da tarde e a ouvir o mar mas o vestido não dava pano para tanto.

Vi uma jovem que não fazia outra coisa senão fazer selfies com o namorado. Fazia poses, fazia caras, trejeitos, arrebitava-se, dobrava a perna, atirava a cabeça para trás. Chamei a atenção do meu marido, interrogando-me sobre o que levaria o jovem namorado a prestar-se àquela absurda sessão fotográfica. Interiormente, pensei que talvez fosse amor. Mas um amor que assenta em cima do narcisismo de um dos membros do casal é coisa de perna curta, não vai a lado nenhum. A seguir, pensei  que tal como há quem, em namoros, sofra de violência física há, certamente, quem sofra de violência psicológica. Aturar uma pessoa narcisista deve ser do pior que existe. 

Eu acho que não aguentaria, às tantas andaria a atirar sucessivos copos de água por cima da cabeça do narcisista. E se a água normal não fizesse o narcisista pegar na trouxa e desamparar de vez, partiria para copos de água de cozer corvina para os deixar malcheirosos, quiçá até lhe juntasse uma pinguinha de azeite para não ficarem apenas a feder a pexum mas ficarem, também, completamente untuosos.

Adiante.


Contudo, qualquer coisa de inspirador aquela sessão deve ter tido porque me pus à frente do meu namorado e disse: vamos também fazer uma selfie. Ele empinou-se, fez corpo. Deu-me logo vontade de rir. Pedi para se pôr normal para não estragar a fotografia. E, antes que me desse daquelas imparáveis vontades de rir, carreguei no botão. 

E coloquei no grupo da família do whatsapp, dizendo que também sabíamos fazer selfies. 

Como não tinham assistido à macacada que aqueles dois para ali estavam a fazer à beira-mar -- certamente dezenas de selfies, se calhar até faziam vídeos, quiçá para publicar uma story no insta -- não devem ter percebido o porquê da legenda. 

Agora uma coisa é certa: parece que acabou a covid. A malta já não está nem aí. Montes de grupos de jovens, grupos de amigas, grupos de casais, notoriamente mistura de vários agregados familiares. Claro que máscara zero o que não seria grave já que estão ao ar livre. A questão é que estão encostados, deitados ou sentados muito juntos, virados uns para os outros, tudo no maior chill out, desfrutando o belo sunset. Sem qualquer cuidado. Dir-se-ia que não há nem nunca houve covid. Só espero é que a versão delta ou gama ou lambda ou o escambau não seja da qualidade de ficar tinhosamente em suspensão durante o tempo suficiente para ficarem todos infectados, caso algum deles o esteja.

Vim impressionada com o descaso que observei. 

Mas, vá, é tempo de férias pelo que corações ao alto.

Depois, resolvemos ir e eu, que estava com a ideia de que já estava em férias, disse que boa, boa, era se fossemos comprar caracóis. Ele disse que sim. Como ele é alérgico a caracóis, sugeri que comprássemos também gambas para ele, coisa a que eu sou alérgica. Não quis, disse que comia o resto das costeletas. Disse que então não valia a pena ir comprar caracóis, até porque teríamos que fazer um desvio. Insistiu.

Portanto, o meu jantar foi um prato de caracóis. Depois comi um pêssego e uma fatia de queijo. Ou melhor: duas. Melhor: três. Perco-me: uma fatia de pêssego fresquinho com uma fatiazinha de queijo da serra é um petisco de detrás da orelha. A seguir, comi um quadrado de chocolate preto com figo, uma maravilha que a minha filha me ofereceu.

A seguir começámos a ver Gambito de Dama

Yes, Mr. Anónimo do Baldinho, fiz-lhe a vontade. Não estávamos numa de The Crown e, tem razão, Cold Water Man, o Virgin River é capaz de ser uma pepineira (mas acho que ainda vou ter que confirmar, ainda tenho esperança que aconteça ali um twist que vire a mesa e mostre que a chazada do início é só para despistar). Então, The Queen's Gambit. E foram três episódios de seguida. Viciante. Dou-lhe razão.

O meu filho ligou quando estávamos a ver. Tinha sido também uma sua fortíssima recomendação. Perguntou se não estávamos a ver The Crown. Confirmei. Disse-me que o conceito das séries não costuma ser andar a intercalar episódios de séries diferentes mas que, pronto, está bem. 

Já disse ao meu marido que, se calhar, podemos ver estas coisas no computador e levá-lo para o jardim. Não percebeu, diz que na sala a ver na televisão estamos melhor. Expliquei que é para não estarmos fechados em casa, assim teríamos o melhor dos mundos, estaríamos ao ar livre e a ver séries. Isto durante o dia, bem entendido. Acho que não ficou convencido.

Agora foi-se deitar. Diz que amanhã há mais.

E haverá.

Tenho ainda a reportar um outro evento. As minhas orquídeas, que não têm nome nem pensamentos de gente, tinham largado as pétalas. Fiquei na dúvida se estavam a caminho de se finar ou se estavam simplesmente numa de mudar de visual. Mas deixei-as ficar à janela e fui regando. Eis senão quando vejo que estão a rebentar uns little botões e, hoje, que as flores começam a dar as caras. Estou contente. Há coisas que quase parecem milagres. Mas, se calhar, não é milagre, se calhar é normal. A menos que, em vez de cor-de-rosa, me apareçam amarelas. Isso é que era bom, milagre para ninguém botar defeito.

Gostava também de falar de Léa Seydoux, actriz que muito admiro e que, ao que parece, está em quatro filmes em Cannes e que, tendo testado positivo, não poderá esta presente. 

Mas o adiantado da hora faz-me protelar a intenção. Já vão sendo horas de me recolher aos meus aposentos.

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As borboletas são obra de Salvador Dali e sobre a escolha destas imagens para enfeitarem este texto e sobre a escolha do título do post, a Wendy McNeill tirou-me as palavras da boca: Ask Me No Questions

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Bem, para que isto tenha um toque de quelque chose, partilho um vídeo que me diz também quelque chose:


"Ela escreveu o que eu sinto" | Clarice Lispector e Maria Bethânia


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Um belo sábado!

3 comentários:

aamgvieira disse...

Policiais, ver Killing Eve, HBO.

A.Vieira

Anónimo disse...

Tem mal intercalar séries? Eu não vejo dois episódios seguidos da mesma. A minha noite é assim: um episódio coreano, seguido de um episódio não-coreano. Salvo raras exceções. Quem é que aguenta ver só coreanos? O que é bom demais também machuca. ;)

Anónimo do Baldinho

Anónimo disse...

Para mim, binge é ver todos os dias episódios da mesma série. E já é muito. Antes era um por semana para toda a gente, mas as pessoas evoluem tão rápido que se esquecem de como as coisas eram e mudam de um dia para o outro. Aquilo que me surpreende: essas mudanças ficam. Ficam mesmo. Não são coisa só de dar um taste e partir para outra. Acho incrível. Também gostava de ser mais assim. Na volta, eu é que sou antiquado.

O mesmo do Baldinho