Isto foi no domingo. 25 cheio de graça.
Sugeri à minha menininha mais linda que ela podia convencer o avô a trazer a gaiola da garagem. Foi logo a correr pedir ao avô. O meu filho disse que isso era manipulação. Aliás, creio que não foi essa a palavra que usou. Também não foi instrumentalização, acho. Mas o sentido foi esse. Reconheci: O avô não é capaz de lhe dizer que não. Humilde, a minha menina mais doce disse: 'Nem a mim nem a qualquer dos outros netos'. Contrariei: 'Olha que não. Acho que é mais contigo'. Ela disse: 'Se calhar é porque sou a única menina'. É muito terra a terra e nunca se acha o máximo e, por isso, ainda a admiro mais. O avô ouviu a conversa como se não fosse nada com ele. Mas lá foi à garagem. E nós com ele. E lá empurrámos a big gaiola rampa acima e lá a puxámos pela relva, quase tendo que a pegar em peso. E o avô nem refilando...
O meu filho perguntou se eu queria aprisionar pássaros. Expliquei que não: quero, apenas, proporcionar-lhes água e alimentação e as portas vão estar todas abertas.
Afinal, andando de volta da gaiola, não descobri as ditas portas. A minha nora foi ver. Descobriu: apenas uma pequena portinhola. O meu filho diz que, se um pássaro entrar, depois vai ter dificuldade para sair, que a gaiola vai ser uma armadilha. Isso preocupa-me. E confirmou que, se os pássaros lá forem, aquilo vai estar sempre sujo. O meu marido diz que é isso que tem andado a tentar explicar-me. Mas o menino do meio, espertíssimo, logo descobriu que há uma espécie de tabuleiros que se puxam e que podem lavar-se à mangueirada. Aliás, fizeram-no logo. A gaiola nunca deve ter tomado um banho tão a preceito.
Mas, enfim, não quero saber dos problemas, prefiro o lado romântico. A gaiolinha já ali está e está linda. Agora tenho que arranjar alpista e recipientes para a água. Também pensei que, em último caso, caso não consiga atrair passarinhos para os brunches, arranjo rouxinóis. Custa-me a ideia de ter pássaros engaiolados mas, se calhar, alguns não se importam. Cantam bem. Ou periquitos, que são tão lindos. Acho que não cantam tão bem mas são bonitos. Ou um papagaio. Isso seria o máximo, um papagaio malcriadão. Ensinava-o a dizer mal do Cavaco. Eu diria: 'Olha lá, Tobias, o que achas do Cavaco?'. E ele soltaria uma de salão: 'Eu quero é que o Cavaco se f...'
Mas não sei. Vou por partes. Primeiro tenho que arranjar alpista e água. Depois logo vejo como corre.
De manhã, fomos outra vez ao viveiro. O meu marido a antever que as empregadas iam fazer uma festa por me verem ao fim de uma semana sem lá ir. Não ligo. A minha nora enviou-me um artigo sobre suculentas de chão e achei uma grande ideia para pôr nuns canteiros que estão sem nada de jeito, in heaven. Então, lá fomos. Muita gente. Cada vez mais gente a comprar plantas. E, então, imagine-se, não é que o meu marido se lembrou de levar umas suculentinhas para oferecer à neta? Claro que não disse 'suculentinhas', acho que disse apenas 'dessas plantas'. E eu, em brasileiro: 'Gordinhas?'. Não disse nada. Não me dá muita confiança quando estou numa de gozar com ele. Então escolhemos um vasinho e umas pequeninas que, de tarde, eu e ela, em conjunto, plantámos. Ficou contente, a minha menina mais linda, e eu ainda mais contente por a perceber contente.
O menino do meio, alto e esguio, já sem a tala no braço, foi lá acima buscar os carrinhos que tinham sido do pai. O mais pequeno também gosta de brincar com aqueles carrinhos perfeitos como carros de verdade. A menina, depois, fez figurinhas com bocadinhos de guardanapo de papel para fazer de condutores e penduras.
Quando estavam a despedir-se, o menino chegou-se ao pé de mim e disse-me: 'Sabes do que eu andei à procura?'. Pressenti. Ele confirmou: 'Do livro...'. Desatei a rir. 'Seu grande malandro'. E ele: 'Vá lá... Diz lá... Onde está...?'. Eu a rir: 'Esquece. Não vou dizer'. E ele: 'Vá lá... É só arte...'. Sacaninha. Não se esqueceu... Mais eu me ria: 'Nem por sombras te vou dizer. Quando tiveres dezoito anos. Ofereço-te a carta de condução e o livro'. E ele: 'Vá lá... Diz só a inicial da divisão onde ele está...'. E eu: 'Desiste. Não vou dizer'. Lá foi, pedindo, refilando.
Há anos que isto dura. Uma vez, há uns anos, teria o quê? uns quatro? cinco? talvez quatro anos, descobriu um livro de fotografia com alguns nus. Mulheres. Ficou doido. Maminhas, maminhas, maminhas. (Sai ao pai. Era pequenino e todo ele vibrava com maminhas). Escondi o livro no sítio mais remoto da sala. No dia seguinte, a irmã contou que, tendo acordado cedíssimo, ainda quase de noite, tinha apanhado o irmão com o livro na cama. Fiquei espantada: 'Mas como? Como o descobriste?'. E ele, pequenino: 'Não sei... apareceu aqui na cama...'. Insisti: 'Apareceu na cama?!?! Ó seu maroto! Levantaste-te de noite...? Foste à procura...?... Só pode...'. Riu-se. Menino mais inteligente, mais persistente. E nunca mais desistiu de descobrir o bendito do livro. Já empreendeu expedições com os primos, já me reviraram tudo. Só visto.
O que me divirto com eles...
Há a máscara, é certo, mas paciência, que seja com máscara. Mas, bolas, melhor ainda será quando pudermos estar todos, ao mesmo tempo, todos em cima uns dos outros, eu agarrada a eles, às beijocas gordas, abraçada, feliz da vida por vê-los todos juntos, bem dispostos, sem a porcaria da máscara.
Como é bom de ver as fotografias foram feitas aqui em casa. David Gilmour e Romany Gilmour interpretam The Magpie. Ou seja, enquanto escrevi a companhia não podia ter sido melhor
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