Começo a escrever já bem depois da uma da manhã. O dia foi longo, preenchido, bom, dourado. Caminhamos suavemente para o Outono. Estivemos in heaven, em boa companhia. Aproveitando a minha abertura para despir as casas de cor, a minha filha libertou a sala da televisão dos encarnados e substituíu-os por neutros claros. A sala cresceu, virou outra, a tranquilidade tomou conta do que antes era quente, talvez até quase fervilhante. Um dos meninos esteve a fazer máscaras orientais, fez um trabalho muito interessante. No fim, surpreendeu-me. Ofereceu-me uma. Fiquei mesmo contente, pedi-lhe uma dedicatória. No fim agradeceu-me, creio por ver que fiquei tão contente com o que ele fez.
Por fim, quando puxei os sacos de lãs de arraiolos que estavam na parte de cima de uns armários, caíu um diferente. Ao abri-lo para ver que lãs eram aquelas, deparei com os ditos cortinados.
Entretanto o meu marido, cansado como anda e sendo já tarde, estava especialmente irritado porque, ainda por cima, não encontrava o que procurava. Ao ver sacos com lãs ficou furioso, que aquilo não estava a fazer falta para nada, que não ia andar a carregar sacos com lãs, que eu devia estar a gozar com ele, que coisas assim logo vão quando os homens das mudanças forem buscar os móveis que faltam. De certa forma percebi e não insisti.
Portanto, trouxemos algumas coisas mas muito menos que o habitual. E, no meio daquela birra, no meio dos sacos com as lãs, os ditos cortinados lá ficaram outra vez. Fiquei com pena, queria ver como ficava o meu quarto tão bonito, agora com uma colcha de renda feita pela minha avó, réplica de uma outra feita pela mãe dela. Eu adorava aquela sua colcha tão simples e pedi-lhe que me fizesse uma igual. Os tapetes também são clarinhos e os quadros são em tons fluidos, muito claros, tal como as molduras. Acho que as cortinas de renda ainda devem dar uma fluidez ainda maior. Senão, se por algum motivo não ficarem bem, talvez uns brancos que também trouxe do quarto que era da minha filha.
Quem aqui vem a esta casa refere sempre a luz, refere que é ampla. E penso que é a luz, a claridade, o espaço aberto e acolhedor que melhor a caracterizam.
No outro dia estiveram cá, de novo, os antigos donos. Ainda não a tinham visto decorada com as nossas coisas. Hesitaram, receavam ficar com pena de esta já não ser a sua casa. Mas estavam curiosos, acabaram por não resistir. Gostaram muito, via nos seus semblantes que ficavam surpreendidos e agradados com as soluções que arranjámos, com as peças que usámos. Penso que está mais espaçosa do que quando eles cá viviam. São muito simpáticos. Conversam muito e com grande à vontade. Acho imensa graça à espontaneidade deles, especialmente à dela. Conta-me coisas espantosas que não relato aqui por razões óbvias, a agente nunca sabe quem nos lê. Mas gostaria de contar pois são coisas por vezes muito divertidas. O marido é mais calado mas também muito simpático. Aproveitei para lhes pedir uns contactos. Achava que eu devia ser professora. Depois, ao ver umas coisas pintadas por mim, exclamou: 'Ah, também é artista...?' e fez um sinal ao marido como se já lhe tivesse dito que eu devia ser artista (para além de professora). O marido fez um sorriso cúmplice. Tive que lhes dizer que nem uma coisa nem outra mas não sei se ficaram convencidos.
Quanto às leituras, continuei com o Manguel sobre Borges e assinalei umas páginas para ver se transcrevo pois gostaria mesmo de partilhar algumas passagens. Mas não hoje. Já são três, daqui a nada algum galo há-de cantar, e tenho que ir dormir (e estou aqui a pensar que deveria era ainda ir pôr a lavar as cortinas que trouxe, as que eram do quarto da minha filha). Com estes meus horários nem tenho conseguido responder aos comentários nem aos mails. Não levem a mal. Leio tudo, atentamente (e, sim, Maripa, pode colocar as minhas humildes palavras no seu blog, claro que sim; e Francisco, até pensei que se tivesse enganado a escrever, desconhecia completamente o braco alemão...), mas chego a esta hora já sem conseguir dar uma para a caixa. Receio que o post cante para além da conta, tantas as gralhas, mas conto com a vossa tolerância para me perdoarem a desafinação ou com a vossa generosidade para mas apontarem.
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- As pinturas são de Fragonard e penso que perceberão porque pensei nelas para aqui me fazerem companhia.
- Trouxe outra vez vozes de Her pois é um tema que me fascina: pode estabelecer-se uma relação de afecto com alguém que não existe? Com uma voz? Com uma presença imaterial? Com alguém que apenas escreve? Poderemos, vocês aí e eu, aqui, longe, invisível, estabelecer laços de afecto? Não sei mas gostava de saber.
- Para trazer Leonard Cohen, ainda por cima, com o Sound of Silence, não preciso de ter explicação.
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A todos um belo dia de domingo
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