domingo, setembro 06, 2020

Nada de mais: apenas um dia da minha vidinha




Começo a escrever já bem depois da uma da manhã. O dia foi longo, preenchido, bom, dourado. Caminhamos suavemente para o Outono. Estivemos in heaven, em boa companhia. Aproveitando a minha abertura para despir as casas de cor, a minha filha libertou a sala da televisão dos encarnados e substituíu-os por neutros claros. A sala cresceu, virou outra, a tranquilidade tomou conta do que antes era quente, talvez até quase fervilhante. Um dos meninos esteve a fazer máscaras orientais, fez um trabalho muito interessante. No fim, surpreendeu-me. Ofereceu-me uma. Fiquei mesmo contente, pedi-lhe uma dedicatória. No fim agradeceu-me, creio por ver que fiquei tão contente com o que ele fez. 

No regresso do campo e antes de virmos para casa, ainda passámos pela antiga casa. Já era tarde mas ainda assim o meu marido quis ir. Queria trazer umas coisas e eu, aproveitando a ida, queria ver se encontrava umas cortinas. Tive, antes, no meu antigo quarto, umas cortinas de renda belga. Não são apenas os chocolates belgas que são bons, a renda belga também o é, lindíssima. Depois o varão de baixo partiu-se (era um varão duplo, a renda no de baixo e um opaco por cima) e tirei-a. E já não me lembrava onde a tinha guardado. Sabia que não podia tê-la deitado fora. Nesta casa, a nova, a antiga dona deixou, com o meu consentimento, grande parte dos cortinados. São bonitos, estão em bom estado e são compatíveis com as minhas coisas. Ou melhor: eram. Como a casa virou clara, luminosa, num dos casos, justamente no meu quarto, os que cá estão parecem-me agora desajustados, algo sombrios. Com a colcha anterior, com os tapetes anteriores, aqueles cortinados ficavam lindamente. Agora que tudo foi arejado, só me apetecem brancuras, transparências, leveza. Lembrei-me, pois, da bela renda belga. Mas não a encontrei. 

Por fim, quando puxei os sacos de lãs de arraiolos que estavam na parte de cima de uns armários, caíu um diferente. Ao abri-lo para ver que lãs eram aquelas, deparei com os ditos cortinados. 

Entretanto o meu marido, cansado como anda e sendo já tarde, estava especialmente irritado porque, ainda por cima, não encontrava o que procurava. Ao ver sacos com lãs ficou furioso, que aquilo não estava a fazer falta para nada, que não ia andar a carregar sacos com lãs, que eu devia estar a gozar com ele, que coisas assim logo vão quando os homens das mudanças forem buscar os móveis que faltam. De certa forma percebi e não insisti.

Portanto, trouxemos algumas coisas mas muito menos que o habitual. E, no meio daquela birra, no meio dos sacos com as lãs, os ditos cortinados lá ficaram outra vez. Fiquei com pena, queria ver como ficava o meu quarto tão bonito, agora com uma colcha de renda feita pela minha avó, réplica de uma outra feita pela mãe dela. Eu adorava aquela sua colcha tão simples e pedi-lhe que me fizesse uma igual. Os tapetes também são clarinhos e os quadros são em tons fluidos, muito claros, tal como as molduras. Acho que as cortinas de renda ainda devem dar uma fluidez ainda maior. Senão, se por algum motivo não ficarem bem, talvez uns brancos que também trouxe do quarto que era da minha filha.

Quem aqui vem a esta casa refere sempre a luz, refere que é ampla. E penso que é a luz, a claridade, o espaço aberto e acolhedor que melhor a caracterizam.

No outro dia estiveram cá, de novo, os antigos donos. Ainda não a tinham visto decorada com as nossas coisas. Hesitaram, receavam ficar com pena de esta já não ser a sua casa. Mas estavam curiosos, acabaram por não resistir. Gostaram muito, via nos seus semblantes que ficavam surpreendidos e agradados com as soluções que arranjámos, com as peças que usámos. Penso que está mais espaçosa do que quando eles cá viviam. São muito simpáticos. Conversam muito e com grande à vontade. Acho imensa graça à espontaneidade deles, especialmente à dela. Conta-me coisas espantosas que não relato aqui por razões óbvias, a agente nunca sabe quem nos lê. Mas gostaria de contar pois são coisas por vezes muito divertidas. O marido é mais calado mas também muito simpático. Aproveitei para lhes pedir uns contactos. Achava que eu devia ser professora. Depois, ao ver umas coisas pintadas por mim, exclamou: 'Ah, também é artista...?' e fez um sinal ao marido como se já lhe tivesse dito que eu devia ser artista (para além de professora). O marido fez um sorriso cúmplice. Tive que lhes dizer que nem uma coisa nem outra mas não sei se ficaram convencidos. 

Continuamos com o tema do cão em aberto. A nossa ideia é adoptar, e já estive também a ver o que há no Cantinho da Milú do qual fiquei a saber pelo Francisco. De manhã, a caminho do campo, fomos visitar um outro canil. Daria um outro post. Vim de lá um bocado abalada. Quando as coisas não são exactamente como estou à espera e quando são de uma dimensão acima da escala à qual estou habituada, fico assim, a não me sentir muito confortável. O meu marido viu lá um boxer que o deixou com vontade de o trazer. Mas nem pensar. Um gigante. De pé deve ser maior que eu. Possante, um corpo entroncado e uma cabeça enorme. Disse a senhora que tem que aprender a brincar pois atira-se às pessoas para brincar mas é de tal maneira que as pessoas se assustam, até porque ele as magoa. Entretanto, vi num dos sites de adopção de animais, uma labrador com poucos meses. Mas lemos que os labradores são afáveis demais, não são bons cães de guarda e queremos um que guarde aqui o pedaço. Por vezes, de noite, ouço o cão da frente a ladrar. Fico a pensar que me sentiria mais segura se também tivéssemos um cão a guardar a nossa casa. Havemos de encontrar algum. Agora, enquanto escrevia, interrompi para fazer nova pesquisa e descobri um que me parece com piada. A ver o que amanhã eles dizem o que acham (porque o tema cão é transversal à família e, nesta democracia, todos opinam, desde os graúdos aos miúdos).


Quanto às leituras, continuei com o Manguel sobre Borges e assinalei umas páginas para ver se transcrevo pois gostaria mesmo de partilhar algumas passagens. Mas não hoje. Já são três, daqui a nada algum galo há-de cantar, e tenho que ir dormir (e estou aqui a pensar que deveria era ainda ir pôr a lavar as cortinas que trouxe, as que eram do quarto da minha filha). Com estes meus horários nem tenho conseguido responder aos comentários nem aos mails. Não levem a mal. Leio tudo, atentamente (e, sim, Maripa, pode colocar as minhas humildes palavras no seu blog, claro que sim; e Francisco, até pensei que se tivesse enganado a escrever, desconhecia completamente o braco alemão...), mas chego a esta hora já sem conseguir dar uma para a caixa. Receio que o post cante para além da conta, tantas as gralhas, mas conto com a vossa tolerância para me perdoarem a desafinação ou com a vossa generosidade para mas apontarem.

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  • As pinturas são de Fragonard e penso que perceberão porque pensei nelas para aqui me fazerem companhia.  
  • Trouxe outra vez vozes de Her pois é um tema que me fascina: pode estabelecer-se uma relação de afecto com alguém que não existe? Com uma voz? Com uma presença imaterial? Com alguém que apenas escreve? Poderemos, vocês aí e eu, aqui, longe, invisível, estabelecer laços de afecto? Não sei mas gostava de saber. 
  • Para trazer Leonard Cohen, ainda por cima, com o Sound of Silence, não preciso de ter explicação.
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A todos um belo dia de domingo

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