terça-feira, agosto 25, 2020

O mal




Tenho medo de pessoas más. A impressão que tenho é que as pessoas verdadeiramente más são perigosas não tanto por serem isso mesmo, más, tóxicas, pérfidas, mas, sobretudo, por padecerem de uma qualquer patologia que as torna insensíveis, incapazes de empatia ou arrependimento, pessoas essencialmente focadas nas suas obsessões, desligadas do mundo real onde os laços de afecto são relevantes. Felizmente não tenho conhecido de perto pessoas mesmo más. Algumas um pouco, sim. Mesmo aqui na net. Volta e meia há gente que aparece cheia de elogio, gracinha, simpatia, florzinha e que, mal a gente se cansa de tanto assédio, viram onças, mudam de nome, aparecem cheias de queixas mal intencionadas, de insultos, de ameaças. Enchem a caixa de comentários com nomes diferentes mas deixando sempre o rabo de fora, reconhecíveis, pestes suínas disfarçadas de outros nomes depois de antes se terem disfarçado de simpáticas.

Na vida real tenho conhecido gente excessivamente ambiciosa que não se importa de pisar em cima de quem calhar ou gente preguiçosa que disfarça a sua inacção cozinhando pretexto, inventando mentira e desculpa falsa. Ou gente medíocre que tem inveja de todo o mundo, gente que age na penumbra, pondo pauzinho na engrenagem, lançando boato, denegrindo pela calada, gente que é santinha da cabeça aos pés. Mas isto é a minha petite histoire, o pouco que sei do mundo dos maus. Imagine-se isto em ponto grande. Os malvados no jogo da política movem-se num outro tabuleiro: são malvados encartados, dúplices, sinistros, deslocam-se sorrateiramente e, nos bastidores, malvadamente, urdem teias para apanhar vítimas, em geral vítimas indefesas (porque gente deste calibre é uma outra coisa: cobarde), jogam num outro campeonato. E digo isto na dúvida pois não estou certa de que nisto, do mal, haja campeonatos. Mal é mal é mal é mal.

E estou com esta conversa só por causa do vídeo abaixo.

Esta segunda-feira, a casa já arrumada, o dia mais tranquilo, a minha filha a passar à fase dos bibelots, a minha mãe a ocupar-se do jardim, restos de comida da véspera, pude, finalmente, dar tréguas ao meu corpo. Sinto os músculos como que rasgados. Mas sinto, também, que estou a melhorar. O descanso deve permitir que os rasgões cicatrizem. Ao fim da tarde, peguei na máquina fotográfica, e contra todos os pedidos para que não me pusesse a cirandar, fui dar uma volta pelo jardim. Devagar, meio desengonçada, tentando iludir a dor, tentando não esforçar a ligação dos músculos aos ossos que é onde sinto que o corpo fraquejou, fui curtir o fim do dia, o ar doce do fim da tarde. Um casal de rolas muito perto de nós, uns quantos pássaros pretos que eu pensava que fossem corvos e que a minha mãe diz que acha que são melros, o sol dourado, um calorzinho bom. A anterior dona perguntou se gostávamos da casa, se sentíamos boas vibrações, coisa que, segundo ela, uma arquitecta sua conhecida costuma perguntar a quem vai viver para as casas projectadas por si. E é isso mesmo, seja lá o que isso for: boas vibrações, uma boa mood, um espírito leve, um prazer em estar, uma vontade de usufruir o lugar em todas as suas dimensões.

Ou seja, depois de um dia em que iniciei (acho eu) a minha recuperação, estando a iniciar o meu desfrute deste lugar, a casa tranquila e toda a gente igualmente tranquila, a última coisa de que ia lembrar-me era do tema do 'mal'.

Mas o algoritmo do YouTube quer que eu mantenha os pés na terra e, vai daí, mostra-me como é o mundo quando enlameado e habitado por gente má.

Hesitei em traduzir evil por mal pois, em Portugal, terra de brandos costumes e fogachos alimentados a sopro e cuspo nas redes sociais, a palavra mal não é tão malvada e diabólica assim. Mas ficou. O mal, se não banalizado, é a fonte de todos os fins. O fim da democracia, o fim da liberdade, o fim de um amor corroído pelo mal de existir em solidão, o fim dos tempos.

A sobrinha, a irmã e outros que lhe são próximos, viram as costas a esse narcisista patológico que dá pelo nome de Trump, nome que, já de si, não augura nada de bom. Agora até a loura que se presta a ser apodada de burra, a Kellyanne Conway, vai largar a Casa Branca. O marido, um rapaz do Lincoln Project, essa malta que, agora, acima de tudo na vida, odeia o Trump e entourage, por sinal também vai remeter-se ao aconchego do lar. Troca por troca. Tu largas a besta-mor e eu largo o Lincoln Project. 

Pois bem: não é só do narcisista-besta-mor que nasce o mal. Há que contar com os que frequentam o seu inner-inner circle. A filha-boneca, o genro-mumificado. Gente que não parece real.

Evil is real. And it lives in Jared Kushner.



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Pinturas de Francis Bacon ao som do anti-mal, o queridíssimo Chico

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E um dia feliz a quem por aqui me acompanha

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