quinta-feira, julho 09, 2020

Um post cheio de inuendos desprovidos de mensagem que se veja


© Fede Delibes


Às vezes escrevo para dizer o que digo. Mete-se-me uma na cabeça e, pimba catrapimba, lá vai disto.Talvez nesses casos, e só nesses, se possa dizer que os meus posts têm uma mensagem. Ou que, redundantemente falando, os meus posts são mensagens. Mas, noutras vezes, os meus posts são meras palavras tresmalhadas que se acolhem, por si, à minha beira e se amancebam em total fluidez (no pun intended) por forma a parecerem um todo minimamente coerente. Bem, não totalmente coerente. Evito isso. O excesso de coerência, especialmente em textos à toa, parece-me coisa kitsch. Por isso, talvez apenas fractalmente coerentes: a little bit coerentes com derivações a little bit coerentes até chegar à sílaba. Também levemente coerente, claro está. Ou fractalmente. Ou, talvez, impressionisticamente coerente. Ou whatever, que a mim tanto se me dá. Não desfazendo, não sou dada nem a taxonomias nem a filosofias.

Modelo Chanel

E ponho imagens nos posts não para isto ou para aquilo ou, sequer, para erotizar ou pseudo-erotizar a conversa mas porque sou dos sentidos e gosto de ouvir, ver, tocar, sentir, provar. Se pudesse perfumar os textos melhor ainda. Bergamota, pinheiro, rosa, turquesa selvagem, aragem de fim da tarde -- um bouquet assim. Se, então, lhes pudesse dar um sabor, ah que bom seria. E seria um sabor a figo doce e carnudo ou a ameixa polposa, sumarenta e doce, ou a canela e mel. E se as imagens distraem alguns leitores só posso ficar contente: ficaria arreliada é se o texto fosse uma seca não permitindo nem uma distração, nem um ponto de fuga. Podem elas não ter a ver com o texto (se é que não têm mesmo) mas sobre isso eu nada posso fazer. Pôr aqui texto seco sem imagem ou música seria como sair à rua sem brinquinho, sem perfuminho. Gosto de caprichar. Não é para ninguém, é mesmo só porque sim. Se estou em casa, sem visita, sem reunião, ando por aqui que nem a boa selvagem que, de facto, de facto, sou. Descalça, sem fantasia, sem vaidade. Com calor, até nua ando. Pelo meio da rua e tudo. Passarinho, por aqui, está por tudo: não só não faz fofoca como não torce o nariz a descaramento. 

© Fotografía: Elena Olay

E se estou com estes inuendos todos não é por ser dada a metáforas ou a blablablas; é apenas porque estou numa de disclaimers. Não gosto de vender gato por lebre. Se alguém mais distraído pensa que por aqui é tudo muito by the book, mensagem estruturada, obedecendo a uma lógica cartesiana e que hei-de, ainda, servir as palavras com despojamento, pois não. De asceta tenho pouco, de bem comportada ainda menos. 

E, agora, adiante.

Tirando esta introdução, o que posso dizer é que se concretizou no outro dia mais uma mudança na minha vidinha. Mas são tantas mudanças e todas tão em sobreposição que parece que, cada uma, por si, de pouco vale. E esta é de ordem material, não me diz muito. Mas é coisa boa e de coisas boas a gente não deve desdenhar.

Acresce que, nestes dias de calor em que as cigarras parecem ter enlouquecido e os pássaros disputam todas as ondas sonoras -- uma cantoria pegada, cantoria à desgarrada de manhã à noite -- a casa tem estado cheia. Os meninos brincam e riem e chamam por mim e, frequentemente, chegam-se à minha beira e sentam-se ao meu colo. Coisa mais boa. Mais bôinha, mesmo. Meninos queridos.  Ou uns ou outros ou todos juntos -- têm sido tempos não de distaciamento mas de boa e terna proximidade. De vez em quando, lembro-me do corona. Nessas alturas, mergulho os meus lábios nos seus cabelos, beijo-os na nuca, na parte de trás do pescoço, tentando assim que a minha respiração não se misture com a deles. Mas penso que aqui é tudo aberto, total largueza, ar circulando em liberdade, não há-de haver problema. Problema devem ser os espaços confinados, o ar recirculado, o ar condicionado em circuito fechado. Aqui, pelo contrário, o ar é sempre novo, limpo, tudo é arejado, oxigenado, clorofilado, saudável. E somos todos cuidadosos no contacto com o exterior. A covid não pode anular o afecto, não pode destruir a proximidade de quem se quer bem. 

Claro que exfiltrando do dia, para aqui colocar, apenas o lado lúdico ou afectivo, poderá ficar-se com a ideia que isto, por aqui, é tudo devoção, zero obrigação. Mas não. Com excepção dos meninos que já estão de férias, todos estamos a trabalhar e, para alguns, de sol a sol. Cruzam-se realidades distintas, preocupações disjuntas, palavras que não convergem. Os meninos vão absorvendo tudo. Vais usar o quê? O Teams? O Zoom? O Webex?  e logo manejam a coisa, Qual o teu ID, para te juntares? Sem mistério. Pronto, já estás.


E, passado um bocado, enquanto eu estava na dita reunião, devidamente aperaltada (noblesse et coquetterie obligent), ela, a minha menina mais doce e mais linda, ali ao meu lado, fora do ângulo de visão, a espreitar, a ouvir. Passado um bocado, às tantas, perguntou-me em voz baixinha: 'Isto não é um bocadinho seca para ti...?'. Estava sem som, claro, pelo que pude confirmar: 'Sim, um bocadinho'. Ela fez um sorriso de apoio solidário, como que a querer consolar-me. Passado um bocado, de forma disfarçada, as mãos à frente da boca para que do outro lado ninguém percebesse, perguntei-lhe: 'Quando fores grande, querias ter um trabalho como o meu?'. Ela hesitou e depois fez um trejeito levemente entediado, associado a um leve encolher de ombros que indiciava sérias dúvidas: 'Não sei...' Percebo-a.  Agora é que estava na altura de eu ir fazer um teste vocacional. O que é que daria...? Juro: gostava de saber. Que profissão escolheria eu para mim se fosse agora começar uma vida profissional? 

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E quem não tem destas frescuras são os intervenientes deste vídeo maravilhoso. Há alturas em que penso que este mundo tem bocadinhos que parecem ainda valer a pena.


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E, por hoje, não passa disto. É o que é. E quem dá o que tem a mais não é obrigado, certo? 

Um dia bom, tranquilo, feliz.

2 comentários:

Anónimo disse...

E o burro sou eu, como dizia o Scolari.
Muito gosta a senhora de fazer dos outros parvos.

Um Jeito Manso disse...

Sério? Sentiu-se parvo, foi? Mas foi só depois de ler o que escrevi ou isso é um sentimento que o acompanha?