segunda-feira, julho 27, 2020

Com o que se parece um optimista?





Penso que sou optimista. Em regra, perante qualquer situação, não me dá para antever o pior. Conheço pessoas que, haja o que houver, mesmo sem nuvens negras no horizonte, começam logo a preocupar-se com o que pode vir a acontecer.  Eu não. E, se há problemas, eu, em geral, em vez de me entregar ao afundanço, ao fatalismo, começo é logo a ver como é que a coisa se há-de resolver. Mas é mais do que isso: mesmo em situações que, para outras pessoas, podem ser contratempos, para mim é coisa de nada, na maior parte das vezes nem dou por isso. Sinceramente, acho que isto é uma coisa boa que tenho em mim. Passo pela vida mais descontraída, sem querer saber do que pensam ou dizem de mim, sem me pré-ocupar com o que pode vir a acontecer. Pelo contrário, aproveito bem o lado bom da vida, deixo que as pequenas coisas me encantem. Provavelmente sou é distraída. Na volta é isso: distraída + míope = optimista.


Por exemplo, perante a situação que estou a viver, tenho aqui em casa quem, ainda a coisa não tinha começado, já antevia trabalhos acrescidos, cansaços insuportáveis, quem protestasse por antecedência, quem me avisasse de que depois não viesse eu dizer que não estava avisada. E eu na boa, mãos à obra, sem dramas, para a frente é que é caminho. Claro que, depois de trabalhos esforçados, chego ao fim do dia cansada, mesmo cansada, até na pele das pernas sinto formigueiro. Hoje o dia foi outra vez daqueles. Tudo passado a pente fino, armários todos ao léu, tudo prontinho para ser limpinho por dentro, tratado, as madeiras hidratadas. Uma trabalheira das valentes. Mas e daí? Claro que parte do trabalho pesado não me cabe a mim, cabe-lhe a ele. Tirar tantos livros para fora é obra. Horas. Ter os armários vazios não é coisa para todos os dias mas quando os vejo limpinhos, um cheirinho bom a óleo reparador ou de cedro, rescendendo a casa lavada, eles todos novos, acho que todos os esforços são justificados. Claro que depois será preciso voltar a pôr tudo dentro deles e, aí, aproveitar para repensar algumas coisas, reorganizar tudo. Têm saído livros, copos, serviços de jantar. Claro que aqui chegada deveria abrir um capítulo para falar do que para aqui tenho e que nunca uso. O meu filho, nestas circunstâncias, aconselha a ver-me livre de tudo o que não preciso. A minha filha, há pouco, também me disse que era uma boa ocasião para pensar se não daria para me desfazer da tralha de que não preciso.


Mas há patamares a que ainda não cheguei. A sala de jantar basicamente está cheia de coisas que não uso mas das quais não consigo separar-me. O serviço da Vista Alegre, que os meus pais me ofereceram antes de me casar e que já está descontinuado, lindo, que não quero arriscar-me a que fique incompleto, o serviço de copos absurdamente elegante e frágil que uma das tias do meu marido nos ofereceu (e que quase não uso com medo de partir obra de arte tão sensível), garrafas de cristal que, ao longo do tempo, fomos recebendo de presente, peças também de arte, pesadas e lindas -- coisas assim. A minha mãe disse-me que também é assim, também tem coisas dessas que mal usa com medo que alguma coisa se parta. Por exemplo, tem dois serviços da Vista Alegre, um que é um modelo clássico, e outro, especial (e de que, por acaso, nem me lembro, tão encafuado deve estar sempre) que nunca 'põe a uso'. Recordou a minha tia, aquela de quem eu tanto gostava. Diz a minha mãe, referindo-se a ela, que nunca conheceu 'coisa' mais desapegada. Diz que dava ou deitava fora tudo aquilo de que achava que não precisava, Lembra-se do meu tio, um dia, lhe perguntar onde estavam umas calças mais velhas que costumava usar quando fazia alguns trabalhos em casa e de ela ter dito, na maior descontração, 'deitei-as fora, já não estavam capazes'. Diz a minha mãe que o meu tio se ia passando, que ela deitasse fora as coisas dela, era com ela, mas que estava farto de lhe dizer que não mexesse nas coisas dele. E que ela encolheu os ombros, nem aí, para a próxima faria o mesmo. A minha cunhada é igual. Não me esqueço da surpresa do meu cunhado quando, depois de desesperar à procura dos seus calções de banho preferido, foi dar com o jardineiro da quinta com eles vestidos. E a minha cunhado, com a maior naturalidade, 'Que é que queres? devo ter achado que estava na altura de teres uns novos, dei-os ao Leontino. Qual o problema?' 

Eu não. Custa-me desfazer de coisas que acho que ainda estão boas, ou de coisas valiosas ou com valor estimativo.


Mas isto vem a propósito de quê, caraças...?

Ah, já sei. Meto-me nestas empreitadas de peito feito, sem me preocupar por antecipação, sem fatalismos, sem encarar com pessimismo o que parece missão impossível, sem sofrer por sentir que me meti numa never ending story. Penso é que o que for soará, que para a frente é que é caminho e bola para a frente. Chego, de facto, ao fim do dia, mais do que exausta e percebendo que nem tão cedo vou ter descanso pois o trabalho que ainda tenho pela frente é ciclópico. Mas não faz mal. Agora custa um bocado mas todos os males fossem estes e, no fim, vai ser tão bom, vou sentir-me tão bem, tudo terá valido a pena. 

E isto, acho eu, é a conversa típica duma optimista. Claro que as más línguas dirão que optimista coisa nenhuma, que isto é coisa é de gente maluca. Pois que seja. Desde que a maluqueira seja inofensiva, há lá coisa melhor que uma pessoa ser maluca...?


Para fim de conversa, recapitulando: míope + distraída + maluca = optimista. 

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Qualquer coisa nesta base:

Charlie Chaplin - Chilkoot Pass / The Lone Prospector - The Gold Rush



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As maravilhosas fotografias do fundo do mar são de Chris Leidy
e espero que gostem de mergulhar nelas ouvindo o The Sound of Silence na interpretação de Stephanie Jones

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Até já

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