quinta-feira, fevereiro 27, 2020

Love is blind?
Ná. Não me parece. Sou mais pelo amor em Paris. Paris, Texas, obviamente.





Há um lado de mim que tenta manter-se à margem. Acontece com alguma frequência não conseguir participar na conversa por não conhecer o mundo que descrevem. E já nem falo nos Faces ou nos Instas, coisas que haverão de passar à história antes que eu sinta necessidade de me arregimentar. Idem o Twitter. Dizem-me: razões profissionais. Mas eu nunca senti necessidade ou, sequer, curiosidade de perceber a vantagem de saber o que uns quantos pensam, exprimindo-se em meia dúzia de palavras. Presumo que seja coisa que também passe de moda. Só vejo vantagem nisso para quem está em contexto de guerra ou de isolamento e não tenha como se comunicar com o mundo senão por esta via. 

Mas, mais recentemente, pior mesmo é a cena do Netflix ou HBO ou sei lá o quê. Todos falam das séries, todos se confessam devotos, viciados, experts... e eu zero. Os mais cépticos já se renderam, já não há quem não. Excepto eu. Já olham para mim com incompreensão.

Mas resisto e creio que, enquanto puder, continuarei a resistir. 

Aliás, se eu soubesse o que sei hoje acho que nem ao mail eu teria aderido. Ainda agora, neste momento, recebi um mail com questões e, logo a seguir, plim, plim, um atrás do outro, um com uma apresentação para eu validar antes de ser enviada. Uma permanente intrusão. 

Cartas escritas com tempo, revistas, isso sim. Ou, vá lá, faxes. 
No outro dia, uma jovem disse-me que no banco estavam com um problema qualquer e que tinham dito para se mandar um fax. Fiquei perplexa: 'Fax? Mas ainda há disso? Nós cá acho que já não temos'. Mas uma secretária que ouviu a conversa sossegou-nos: 'Então não há? Claro que há!'. E lá se enviou um fax. Pareceu-me coisa próxima de ter mandado um dos motoristas montado num cavalo com um rolinho de papel na mão.
Mas pessoas que considero legítimas (seja o que for que isso quiser dizer) falam-me de séries que me fazem pensar que talvez eu gostasse de ver. Só que não quero arranjar mais coisas a que possa ficar agarrada. Eu quero é rodear-me de verde. Ou de azul. Ou de branco. Eu quero é rodear-me de silêncio. Eu quero é descobrir por mim. Não quero que me sirvam aquilo a que eu, rendida, fique presa. Também me seria mais fácil comprar comida feita. 
Tenho amigos que, para mais de seis pessoas, falam para empresas de catering e recebem em casa a comida que servem. E acima de dez, junto com a comida, contratam empregados. E, para mais de quinze ou vinte, contratam comida, empregados e mobília. Eu sou animal antigo. Faço comida, lavo a louça, vou buscar bancos à varanda, cadeiras onde as houver. 
Por isso, para encher o meu tempo livre, que é absurdamente escasso, eu prefiro pegar num livro, procurar vídeo, escolher música, pôr-me a escrever, deitar-me a divagar, espreitar a televisão. Não quero ser invadida por posts ou fotos ou stories dos outros nem ficar agarrada às séries dos canais de streaming.


Mas isto porque, eu que gosto de saber o que por aí há, que filmes estão para ser dados à luz, agora passo a vida a dar com o nariz na parede: lançamentos Netflix. Portanto, vai chegar o dia em que vivo do lado de cá de uma parede e o que vai aparecendo de novo está do outro lado. Por exemplo, andava a passar ao lado de um falatório sobre uma qualquer que parece que acha que voz sexy é voz de bebé e, às tantas, fui tentar perceber de que é que estavam a falar. Pois bem: Love is Blind. Na Netflix, claro.


Fui espreitar ao YouTube. Ao princípio lembrei-me do Paris, Texas, filme tão infinitamente precioso.  A perspectiva de dois estranhos se comunicarem através de palavras, neste caso através da voz, parece-me apelativo. Mas afinal, do que dá para perceber, aqui a coisa rapidamente descamba e parece virar um banal reality show. Não se percebe, parece que há uma atracção pela banalidade. Teria sido impossível fazer aquilo mas com os participantes a manterem-se intangíveis, invisíveis? Creio que não. Mas não, foram pelo caminho mais fácil: desfazem o mistério e banalizam o contacto e, claro, desfaz-se o encanto, sacrifica-se a magia. Do que se vê, há zaragata, macacada, zero romance.

Ou seja: não vai ser por isto que vou deixar-me tentar pela Netflix. Melhor assim.



Já agora:

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Desta vez apeteceu-me ir buscar obras de John William Waterhouse que retratava mulheres com tempo para serem mulheres. E, para meu agrado, Passenger & Gregory Alan Isakov interpretam Kathy's Song. 

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E queiram descer um pouco mais para poderem ouvir Thanks for the Dance. Cohen, eterno.

E uma feliz quinta-feira

7 comentários:

Maria Santana disse...

Concordo plenamente!

Um Jeito Manso disse...

Olá Maria Santana

Obrigada!

Uma boa sexta-feira.

Anónimo disse...

Pois, por isso, por o amor ser cego, é que por vezes as pessoas se enganam!
Vá lá que pelo menos existe o divórcio para erros desse tipo!
Gina

Um Jeito Manso disse...

Olá Gina (Gina Geia ou Gina também com um e e um i no nickname?)

Tem razão. O amor cego geralmente dá maus resultados.

Mas há aquilo de que o que é importante é invisível aos olhos. Portanto, creio que podemos amar sem ver com os olhos (aliás, como não? não é o que acontece aos cegos?) mas não podemos amar quando fechamos os olhos àquilo que não gostamos de ver.

Um belo sábado, Gina,

Um Jeito Manso disse...

Gina,

Enganei-me. O ditongo a que me referia não leva i, leva a.

Paulo B disse...

Não sei muito sobre isso, mas o Sérgio, a Manuela e o Hélder dizem umas coisas que me fazem sentido:

https://youtu.be/VIjmGJk4aFI

Um Jeito Manso disse...

Olá Paulo,

Ah, os Clã, muito bom. E bom vídeo. Boa escolha. Tenho estado a ouvir e estou a gostar.

Thanks pela dica, Paulo!