Assim de repente ocorre-me dizer que hoje, ao atravessar a cidade, o tempo a escurecer, as árvores numa agitação, a chuva a começar a cair com toda a força, as pessoas a resguardarem-se junto aos prédios, me ocorreu um outro dia há muitos, muitos anos, um dia assim, nós dois pouco mais que adolescentes a procurarmos casa num sítio onde ambos nunca tínhamos estado, onde não conhecíamos nada nem ninguém, encharcados, com frio -- e eu a pensar que seria tão bom que já tivéssemos uma casa nossa, onde pudéssemos refugiar-nos de um tempo assim.
Nesse dia tão distante procurámos a paragem do autocarro e ficámos, à chuva, à espera. Hoje ia sozinha no carro, com a temperatura condicionada, com música boa, e via, como se visse um filme, aquele outro dia e, quase em justaposição, o mau tempo de hoje, as pessoas a procurarem abrigo, pensando que seria bom que o carro viesse equipado com máquina fotográfica para eu poder fotografar o que minha memória estava a registar para que, daqui por alguns anos, talvez num outro dia assim, eu pudesse rever como tudo muda menos o devir do tempo.
No banco, ao meu lado, um livro que, nos semáforos, ia espreitando com surpresa. O tempo e os acasos de que é feito o nosso devir trazem-me flores, livros, sorrisos, palavras, surpresas e eu, agradecida, transporto tudo isso no meu colo, nos meus braços. O tempo e a vida que se desenrola neste breve intervalo traz-me aprendizagens e imprevistos e a nada eu viro a cara.
Hoje, na livraria, procurei o livro. Pelo que era pensei que não teria sorte. Mas tive-a. Quase exclamei um ah! quando o vi. Um livro cheio de salamandras robotizadas, uma visão talvez tenebrosa e avant la lettre do que poderá estar para vir.
A seguir, tentei por mim, descobrir o paradeiro dos pipis, outra recomendação. Não consegui. Pensei que convinha fazer a pergunta a uma livreira e não a um livreiro e, de preferência, sem audiência por perto. Podia ser minimalista na pergunta, 'tem o meu pipi?', mas pensei que me arriscaria a ouvir: 'tenho mas é meu'. Então perguntei, de mansinho, 'Sabe uns livros de que há quer os diários quer os sermões: o meu pipi?'. A rapariga disse: 'Ah, acho que não, isso já faz uns anos'. Disse-lhe que achava que havia edição nova. Foi ao computador e disse que de um havia um e de outro nada. E foi à procura do que havia. Vi que tinha ido para o 'desporto'. Por lá andou de cócoras à procura do meu pipi mas não teve sorte. Apareceu desolada. Eu disse: 'Mas também não sei se estaria no desporto'. É que, não sei porquê, acho que o meu pipi desportista é que ele não é. Ela disse: 'Não, onde procurei, em baixo, é humor'. Aí eu perguntei: 'Mas acha que o teriam posto no humor? Não seria em 'diários'?'. A rapariga pensou e disse: Não, diários não temos, só se for em coisas de senhoras'. Fiquei sem resposta mas a achar que ela era mais rápida de raciocínio do que eu. Ela foi ver e também não. Resolvi depois fazer a monda por mim. Para começar, fui ver às coisas de senhoras, só para perceber a lógica dela: ginecologia, obstetrícia, partos, etc. Devia estar a pensar na anatomia propriamente dita. Acima estava o lifestyle ou o well-being ou lá o que era. Pensei que também podia ser. Mas não. Mas, quem sabe, em filosofia...? Poderia, pensando bem, estar em todo o lado por onde eu passasse, o meu pipi. Entretanto, durante esta minha demanda, ao pé de mim passou um senhor interessante com uma clave de sol tatuada no pescoço e eu pensei que qualquer conversa com ele deve começar sempre por aí: 'É músico?'. Pensei que, se fosse eu, só por isso já não perguntava, perguntava era: 'é mergulhador?' só para ver o espanto dele. Quando passou mesmo perto de mim, senti-lhe o cheiro. Era bom. Pena era não se descobrir o meu pipi. Mas estou confiante, há-de aparecer. É daqueles casos em que se aplica o ditado popular: guardado está para quem o há-de comer.
Hoje, na livraria, procurei o livro. Pelo que era pensei que não teria sorte. Mas tive-a. Quase exclamei um ah! quando o vi. Um livro cheio de salamandras robotizadas, uma visão talvez tenebrosa e avant la lettre do que poderá estar para vir.
A seguir, tentei por mim, descobrir o paradeiro dos pipis, outra recomendação. Não consegui. Pensei que convinha fazer a pergunta a uma livreira e não a um livreiro e, de preferência, sem audiência por perto. Podia ser minimalista na pergunta, 'tem o meu pipi?', mas pensei que me arriscaria a ouvir: 'tenho mas é meu'. Então perguntei, de mansinho, 'Sabe uns livros de que há quer os diários quer os sermões: o meu pipi?'. A rapariga disse: 'Ah, acho que não, isso já faz uns anos'. Disse-lhe que achava que havia edição nova. Foi ao computador e disse que de um havia um e de outro nada. E foi à procura do que havia. Vi que tinha ido para o 'desporto'. Por lá andou de cócoras à procura do meu pipi mas não teve sorte. Apareceu desolada. Eu disse: 'Mas também não sei se estaria no desporto'. É que, não sei porquê, acho que o meu pipi desportista é que ele não é. Ela disse: 'Não, onde procurei, em baixo, é humor'. Aí eu perguntei: 'Mas acha que o teriam posto no humor? Não seria em 'diários'?'. A rapariga pensou e disse: Não, diários não temos, só se for em coisas de senhoras'. Fiquei sem resposta mas a achar que ela era mais rápida de raciocínio do que eu. Ela foi ver e também não. Resolvi depois fazer a monda por mim. Para começar, fui ver às coisas de senhoras, só para perceber a lógica dela: ginecologia, obstetrícia, partos, etc. Devia estar a pensar na anatomia propriamente dita. Acima estava o lifestyle ou o well-being ou lá o que era. Pensei que também podia ser. Mas não. Mas, quem sabe, em filosofia...? Poderia, pensando bem, estar em todo o lado por onde eu passasse, o meu pipi. Entretanto, durante esta minha demanda, ao pé de mim passou um senhor interessante com uma clave de sol tatuada no pescoço e eu pensei que qualquer conversa com ele deve começar sempre por aí: 'É músico?'. Pensei que, se fosse eu, só por isso já não perguntava, perguntava era: 'é mergulhador?' só para ver o espanto dele. Quando passou mesmo perto de mim, senti-lhe o cheiro. Era bom. Pena era não se descobrir o meu pipi. Mas estou confiante, há-de aparecer. É daqueles casos em que se aplica o ditado popular: guardado está para quem o há-de comer.
À noite cheguei a casa mais tarde, o programa meteu jantar e tudo, mas desta vez foi por um bom motivo. Depois o meu marido quis saber novidades e estivemos a conversar. Neste momento, estou reclinada no meu sofá a ver o Louçã corado e estranhamente sorridente, cá para mim interiormente intimidado, ao lado da Cláudia Raia, a qual, como sempre foi e sempre o será, é aquele mulherão replandescente de carnalidade e auto-confiança
E, enquanto isso, está a acontecer-me aquilo que tantas vezes me acontece: ter vontade de fazer uma coisa e perceber que não tenho tempo. Estar aqui a jogar conversa fora quando me apeteceria era deixar-me ir na onda dos meus pensamentos é o tipo de coisa que me frustra. Tinha aqui hoje muita coisinha boa para dizer, ah tinha, tinha. O que me vale é que também não tenho tempo para frustrações -- até porque agora apareceu a dupla mais maluca da actualidade, a Beatriz Gosta e o Gel. Não há nada mais divertido do que ver a interação entre dois ganda malucos.
Bem. Já chega. Já é tarde e ando mal dormida.
Passo, então, ao expediente. E o que tenho a reportar é o seguinte:
Há, pelo menos, um restaurante que factura as perguntas estúpidas. Aliás, consta do cardápio pelo que nenhum cliente poderá invocar desconhecimento. Faz pergunta estúpida, paga. Perfeito.
Assim é que é e melhor ainda seria se a moda pegasse e a cada um que fizesse pergunta parva ou emitisse opinião estuporada tivesse que pagar. Agora não sei é se o preço que o restaurante leva não está deflacionado, direi mesmo que mais parece ser caso de dumping. Portanto, acho que a moda deve pegar mas, em vez de um preço simbólico, deve mas é ser um preço a doer.
Por mais de uma vez já aqui trouxe o tema à colação. Há mulheres que acham que defendem melhor a causa ou que são mais elas se não se depilarem. Claro que isto de uma pessoa ser mais ela tem que se lhe diga e só isso daria para uma exaltação filosófica. Lamentavelmente não é o momento.
O que posso dizer é que, pelos vistos, gostam de se ver assim pois mostram-se e sorriem como se se sentissem poderosas. Até criaram um movimento, e vá de alimentar a coisa com a exibição desenfreada das respectivas pilosidades. Januhairy.
Se calhar é bonito e, um dia destes, já não são apenas as mulheres das cavernas a apresentar-se peludaças, são também as januhairies desta vida. Eu não. Não sou de modas. Eu gosto de não ter pêlo. Eu gosto de ser só pele lisa, limpa e macia. Acho que perna de mulher deve ser suave, sem pêlo grande, quanto muito coberta de uma penugem doce como a dos pêssegos. Debaixo dos braços também. Fica feio. Só se for penugenzinha perfumada. Mulher deve saber fazer-se bonita. Mulher bonita e feminina e com pele macia e sem pêlos não é menos forte por isso. A fortaleza de uma mulher não vem daí, vem de dentro, vem da cabeça e, não sei, mas pode até vir do coração. Tenho a sorte de geneticamente ter a vida relativamente facilitada mas, se fosse de raça peluda e tivesse que ter trabalho semanal ou diário, teria. Não concebo é despir-me e ter pêlos grandes debaixo dos braço ou nas pernas como um verdadeiro macho-alfa.
Um cirurgião plástico, que não sei se é sádico se é humorista, anda a mostrar como deveriam ser as mulheres conhecidas se tivessem deixado a natureza pregar das suas. Chama-se Julian da Silva e, na volta, tem costela tuga. Usa um software, o Future Face, que não sei se é o mesmo que há tempos por aí andou mas que pega na imagem duma pessoa aos vinte ou aos trinta e aplica-lhe o peso dos anos para antever como é que a coisa despencaria.
[Pronto. Fui pesquisar e é coisa que há por aí free e, se quisesse, até fazia agora o download da app. Mas vade retro. Tenho tempo de me ver velha, era o que me faltava ver-me já com cento e trinta anos].
Bem.
Mas o que o fulano faz de maldade é que depois contrasta o que deveria ser e o que agora é, depois dos liftings, dos botoxes, dos esticamentos, dos repuxanços, dos revampings, dos arranjos de pálpebras, das reduções e endireitamentos dos narizes, do enchimento das maçãs do rosto e do queixo, sei lá.
E eu, vendo as imagens, fico com mixed feelings até porque, mesmo sem querer, penso em mim. Quando me vejo ao espelho constato como há rugas que se vão instalando e dou por mim a pensar se faria sentido deixar de tê-las. Se calhar faria. Mas, passado algum tempo, outras haveriam de nascer e ia outra vez refazer-me? Acho que não. Para quê querer parecer ter sempre trinta anos? Não me parece que faça grande sentido. O que acho que faz sentido é uma pessoa ir festejando os anos, feliz da vida por tê-los, feliz da vida por vivê-los. E estar sempre disponível para começar cada dia como se fosse o primeiro, sempre disponível para sentir o encantamento das coisas novas, sempre com vontade de ir à descoberta. Mas, lá está, isso sou eu.
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Lá em cima as imagens mostram trabalhos de Noronha da Costa ao som de Some kind of love pela Kate Wolf.
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Uma happy friday
2 comentários:
Nem sempre é fácil aceitarmo-nos como somos. O que não tem remédio remediado está,faz-se render ao máximo o que temos,e acreditem,muitas vezes somos surpreendidos por pessoas que,sinceramente,não sei o que vêem em nós.
Ninguém está ,antecipadamente,batido! Haja coração !
E,em caso de catástrofe, lembrem-se daquele dito da Janis Joplin para o Leonard Cohen:
- We are ugly,but we always have the music !!!
Olá Chevy,
Contente por vê-lo. Com que então não sabe o que os outros vêem em si... Modéstia hoje...? Ora, ora.
Mas é isso aí: não há que ter medo do que se vê ao espelho porque o que os outros vêem em nós é outra coisa, nem sempre está à vista de todos.
No seu caso, para além dos seus atributos físicos (sejam eles quais forem e seja ou não feio e mal jeitoso), certamente as pessoas verão em si a sua simpatia e a sua forma divertida de dizer as coisas.
Um bom sábado, Chevy!
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