sábado, janeiro 18, 2020

Não concebo que estejas ausente.
Julgo-te longe e distante.
[A palavra ao LS, Leitor do Um Jeito Manso, e Poeta]





O LS é um generoso Leitor que muito estimo e de quem recebo poemas, frequentemente lidos pelo próprio. 

Creio que ele não se importará da minha inconfidência: apetece-me partilhar com os demais Leitores deste meu jornal não apenas os dois poemas que hoje recebi bem como parte do texto que os acompanhava:
Sei que foge, a sete pés, dos estados melancólicos. Melhor, em si, a luz e alegria de viver interditam a ligação osmótica com a sombra e a nostalgia.
Apesar disso...
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Não concebo que estejas ausente
Num outro lugar, mesmo que inventado
Na substância que a invenção consente:
Foz de rio, mar navegado,
Recanto escondido no pensamento,
Caminho feito ao arrepio,
Rasgado no grito, aberto no lamento,
Coado na vastidão do frio.

Me dizem da irremediável partida
Algures num já distante dia
Com vozes caladas de despedida
Asas quebradas pelo vento,
Urgências que nenhuma força adia.
Me dizem da tarde inacabada
Do rasteiro voo de um tormento,
Vestígios de um débil respirar
Na voz quase apagada
Ímpio chicote vergastando o ar.
Me dizem e mesmo assim não acredito
Continuo a encontrar-te por aí
São falsas notícias para me deixarem aflito
Quem sabe, tentarem que me esqueça de ti.
Companheira nas mesmas viagens,
Como sempre imprevistas e casuais
Acontecidas no largo rio sem margens,
Nos gestos abrangentes e totais.
Não me deixarei pelo desespero dobrar,
Talvez chegues novamente com o chegar
De alguma, ainda que longínqua,  alvorada
Na minha memória, apesar de tudo, intocada




Julgo-te longe e distante,
Perdida num sítio indefinido do espaço,
Algures em algum levante
Onde o sol desenha a rota do seu passo,
Galopante,
Em redor do teu abraço.
Mas que sei eu de distâncias,
De enigmáticas lonjuras?
Das ressonâncias
Do caminhar nessas ruas escuras,
Da conversão do breu
Em rituais de rutilâncias
Onde a luz, de todo, ensandeceu?
Como entender o substantivo
Lugar, algures no infinito,
Onde fica cativo
O eco do teu grito?
Resta-me apenas esta dormência,
Esta estranha inquietude
Negando a tua ausência,
Forjando a plenitude
Deste incessante tateio
Sobre e sob a pele,
O abraço e o enleio
Do indomado e liberto corcel.


Não que as palavras do LS precisem de imagens mas isto é coisa minha: gosto sempre de as ter, tal como gosto de música que, neste caso, vem pela mão do pianista Sviatoslav Richter que interpreta Bach sobre filme Nostalgha de Andrei Tarkovsky. As pinturas que ilustram a melancolia são, respectivamente, de Olaya Caldera, Degas, Louis Jean François Lagrenée e Edvard Munch.

E obrigada, LS, pelos seus poemas

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E até já.

2 comentários:

Francisco de Sousa Rodrigues disse...

Muito obrigado!!

Fantásticos.

Um Jeito Manso disse...

Olá Francisco,

O LS é um Leitor que escreve poemas muito bonitos e, com uma gentileza que me toca, envia-me, frequentemente em vídeos com imagens, música e a sua voz. Desta vez, ousei partilhar pois acho quase egoísmo ficar com eles só para mim.

Dias felizes!