Cada casamento terá as suas características, uns mais românticos, outros mais apimentados, outros mais tumultuados. E, quando falo em casamento, falo em sentido lato. Refiro-me a uma relação íntima, estreita, uma união para a vida (mesmo que não dure uma vida). Não precisa de papel passado.
Conheço vários tipos de casais. Num dos mais extraordinários apenas conheço um dos elementos, o homem. O que sei daquele casamento é através do que ele conta, das fotografias que, volta e meia, mostra e dos telefonemas que recebe, frequentes, e porque, pelo exaspero em que fica, fala em voz tão alta que eu não posso deixar de ouvir. E o que ouço deixa-me perplexa. Se o meu marido falasse assim comigo, quando chegasse a casa tinha a fechadura trocada e um saco de plástico à porta com um par de cuecas, um par de meias, uma camisa que já não lhe servisse e umas calças de verão se fosse inverno ou vice-versa. Contudo, a este meu conhecido a mulher já nada deve levar a mal pois, mal ele lhe desliga o telemóvel, passado segundos já ela está a ligar de novo e ele volta a gritar e a desligar e ela volta a ligar. E, no entanto, são inseparáveis. E, aparentemente, não apenas as discussões constantes não os abalam enquanto casal como, pelo que constato, não o abalam a ele pois acaba estes turbulentos telefonemas e, acto contínuo, continua a conversa comigo ou com quem for como se nada se tivesse passado.
Conheço outro que dizia que gostava em absoluto da mulher e que, desde novo, queria acabar os seus dias com ela ao lado. E era sincero. Gostava dela em todas as vertentes: achava-a bonita (e é), prendada (e é), inteligente (e é), boa pessoa (e é), educada e simpática (e é), boa companhia (e é), elegante (e é). E, no entanto, tinha uma qualquer pulsão que o levava a traí-la dia sim, dia sim, deixando-a num permanente estado de ciúmes e de nervos. Até que a rotura foi inevitável. E aí ele andou de namorada em namorada até que se fixou numa que é a antítese da primeira: feia, mal jeitosa, mal arranjada, antipática, bardajona. E, no entanto, quando se pensaria que aquilo não poderia durar, a verdade é que já lá vai quase tanto tempo com esta segunda como com a primeira. E isto mantendo-se em contacto com a primeira e quase parecendo que, tivesse ele coragem, seria para ela que voltaria. E, no entanto, não volta -- para desgosto dela e não sei se também dele. Uma coisa que jamais perceberei.
E conheço um outro casal, uma vez mais pelo que sei do lado dele. É o segundo casamento. Para mim é um casamento de fachada pois, do que lhe conheço, não fosse ele dependente da opinião alheia e já há muito teria assumido a sua orientação noutro sentido. Faz-se de muito macho mas a mim não me engana ele. Há uns anos contou-me que a mulher andava aborrecida, queria separar-se, dizia-me que a mulher andava com ideias esquisitas. Enquanto ele falava eu só pensava: 'Qual o espanto...?'. Depois foram superando as crises e a verdade é que continuam casados. De vez em quando ouço-o ao telefone com ela. Parecem grandes amigos, diria que cúmplices. Da maneira como fala dela, diria que não passam um sem o outro.
O meu casamento não é como nenhum destes. Presumo que não haja dois casamentos iguais. Nem sei qual a receita para um casamento duradouro. Mas também não acho que o objectivo seja ter um casamento duradouro. O objectivo deve ser a felicidade, sendo que cada um se sente feliz à sua maneira. Se a relação é uma fonte de angústias ou uma permanente frustração, então, mais vale pôr um ponto final. E vida nova.
Os membros de um casal devem sentir-se mesmo unidos, um deve apoiar o outro e esse apoio deve ser equivalente, não pode ser um apoiar totalmente e o outro fazer de conta que sim. E devem acompanhar-se, mas acompanhar-se mesmo, e devem achar que a companhia do outro é a melhor companhia do mundo. E devem estar juntos nos bons e nos maus momentos. E devem ser uma fonte de boa disposição, devem fazer-se rir um ao outro. E devem compreender os receios e as incertezas um do outro e devem ajudar o outro a encontrar forças quando elas faltam. E devem ser uma fonte de amparo e de carinho. E devem gostar mais ou menos das mesmas coisas.
Se uma relação não for um espaço de paz, harmonia e construção do futuro, então, bye-bye.
Se uma relação não for um espaço de paz, harmonia e construção do futuro, então, bye-bye.
E não pode haver desconfiança de um em relação ao outro. Não pode. A desconfiança mina, mata. Deve haver confiança plena, inquestionável. E não me refiro a minudências. Pelo contrário, acho que devemos passar ao largo das pequenas coisecas que apenas servem para chatear. Confiar não é sinónimo de possuir. Ninguém possui ninguém. Ninguém deve querer possuir ou ser dono dos actos do outro. Um casamento deve ser um espaço de liberdade. Liberdade. Referia-me à confiança de verdade. Saber que, se estivermos doentes, se necessário for, o outro se sacrificará para atenuar o nosso sofrimento, saber que, se precisarmos de suporte no auxílio a terceiros, poderemos contar com ele, sabermos que, em qualquer momento difícil que atravessemos, o outro estará lá para nos dar a mão. Esse tipo de confiança que é o chão, o ar e o céu de que precisamos.
E estou com isto porque hoje o santo algoritmo do YouTube me apareceu com uma invulgar: uma queda num número acrobático que nos faz parar a respiração. Aliás, antes da queda já a respiração quase me faltava. É preciso uma pessoa confiar muito na outra para fazer o que estes dois aqui fazem. É certo que 'love is courage'. Pelo menos assim o vi escrito numa parede. E concordo. Mas coragem como a destes dois é coisa invulgar.
Mas os acidentes acontecem.
E estou com isto porque hoje o santo algoritmo do YouTube me apareceu com uma invulgar: uma queda num número acrobático que nos faz parar a respiração. Aliás, antes da queda já a respiração quase me faltava. É preciso uma pessoa confiar muito na outra para fazer o que estes dois aqui fazem. É certo que 'love is courage'. Pelo menos assim o vi escrito numa parede. E concordo. Mas coragem como a destes dois é coisa invulgar.
Mas os acidentes acontecem.
E a seguir, sugeriu que visse o que aconteceu num destes dias, numa exibição já este ano.
Uma confiança ilimitada. Uma coisa que supera o imaginável.
Uma confiança ilimitada. Uma coisa que supera o imaginável.
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O algoritmo ousou, apresentando-me uma coisa que foge aos meus gostos habituais mas, uma vez mais, acertou. Gostei de ver.
Lembrei-me de ir buscar pinturas de Chagall e de trazer Grace com You Don't Own Me com Kate Moss a dar corpo à liberdade.
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Um dia feliz para si aí desse lado. E coragem, ok?
3 comentários:
As coisas interessantes que se podem trabalhar em contextos psicoterapêuticos.
Para haver casamento, como maravilhosamente descreve, é preciso amor, a capacidade de viver o outro sem se perder no outro.
Dias felizes.
Olá Francisco,
Quando estava a escrever estava a pensar que gostava de poder ser mais explícita para o Francisco poder 'visualizar' melhor aquelas relações e poder pensar nas explicações possíveis. Os afectos assumem muitas formas e podem ser gratificantes de maneiras imprevistas. Mas podem também ser irracionais e fazer mal a quem os vive. Perceber onde está a fronteira pode ser difícil. Penso que é aí -- ou melhor: também aí -- que o papel dos psicoterapeutas é fundamental.
Seja como for, um casamento deve ser bom para ambos pois, se não for, não se justifica. Acho eu...
Um abraço, Francisco. Um dia feliz.
Sem dúvida!
E também acho que se não for bom para os dois, deixa de ser um casamento na sua totalidade e não se justifica.
Um dia feliz também.
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