segunda-feira, novembro 25, 2019

Podia ficar-me pelo meu encantamento in heaven ou pela maravilhosa decadência do Ginjal.
Mas prefiro chamar a vossa atenção para aquilo que sabem.





Fim de semana tranquilo. Mas não estive na melhor forma, estive um pouco adoentada. Resfriei-me na sexta-feira e mais do que pensava. 

No sábado estive no campo. De tarde, pensei que estava melhor, pus-me a passear por entre as árvores, andei nas minhas deambulações, nem dei pelo frio. 

Voltaram a aparecer as pegadas de bicho grande, a terra escavada. Eu estava longe mas pareceu-me o meu nome chamado pelo meu marido. Era ele mesmo: tinha visto aquelas marcas, quis alertar-me não fosse haver javalis por ali. Mas não. Provavelmente só por ali andam à noite. Pelo menos, assim o espero.


O que é curioso é que aparentemente andam a lavrar a terra com o focinho ou com as patas exactamente nos mesmos sítios onde andaram antes. A minha mãe no outro dia, quando lhe mostrei fotografias de tantos cogumelos, disse: 'Se calhar, também por lá tens trufas'. Não sei, não faço ideia. Mas, ao ver como a terra está, fico com a ideia de que há animais por ali a quererem encontrar alguma coisa. Será mesmo trufas? Nem sei como descobri-las. Sei que se parecem com torrões de terra pelo que não faço ideia de como procurá-las. E há também muitos cogumelos arrancados, meio comidos.


O campo está verde, lindo. Tudo se cobre de musgos, de líquenes. Não consigo olhar para os campos e ver ali o ocaso de nada. Pelo contrário, o próprio processo de transformação das folhas rubras em nada, misturando-se e preparando-se para a a dissolução final, tudo me parece um fenómeno maravilhoso, de uma beleza difícil de reproduzir ou descrever, como se tudo estivesse a nascer, a acontecer.


As cores e os perfumes e as aragens enchem o espaço bem como o canto dos pássaros que parecem andar mais felizes e livres do que nunca. 

Fotografo, fotografo. Parece que nunca vi tamanha beleza, parece que é um milagre que estou a testemunhar pela primeira e única vez, parece que é uma bênção de que me é dado fazer parte.


O sentimento de pertença que ali sinto envolve-me toda, todas as células do meu corpo. Uma paz, uma felicidade, uma harmonia tão absoluta, uma total fusão com a terra, com o ar que transporta cheiros e cantos, com a magia da luz cuja cor muda os cenários em minha volta. Um estado de encantamento, de puro e agradecido encantamento. Não sei dizer de outra forma.


Convencida de que já estava bem, fui à noite a casa dos meus pais. Por precaução, levei a echarpe em volta do pescoço, a tapar-me a boca. Embora um resfriado não seja contagioso, não quero que haja o risco de lhes passar alguma coisa.

Mas talvez tenha voltado a apanhar frio. Este domingo de manhã estava outra vez um pouco congestionada mas, como não tenho paciência para estar fechada e me apetecia ir a um sítio onde não ia há algum tempo, fomos ao Ginjal.


E, de novo, aquela sensação de alegria pela descoberta. A cada vez que lá volto as paredes estão diferentes. Como um ser vivo que se transmuta, assim aquelas velhas e decadentes paredes: sempre novas, cada vez mais belas. 


Fotografei, fotografei. Como é possível um lugar assim?

Lisboa vista dali é bela, magnífica. Tão bonito tudo. E tão bom andar por ali. A maré muito cheia, as águas muito perto, aquela frescura boa, molhada, aquele cheiro a beira do rio, aquela vastidão, aquela perfeição que as paredes grafitadas, tingidas, devastadas pelo tempo apenas complementam. E o rio, largo, imenso. E os barcos e as gaivotas e as pessoas. Tudo tão bom, tão bonito.


E, de novo, devo ter apanhado algum frio pois voltei a sentir-me pior. Felizmente a mim o chá quente e uma sesta fazem milagres e voltei a sentir-me boa. 

Estive a ler. Cercada de livros, no conforto desta minha sala tão acolhedora, com um chá quente, com uma luz a incidir nas páginas e pouco mais, eu estou nas minhas sete quintas.

O meu marido antecipou-se-me e está ele com o Augustus do Stoner. Não faz mal, leio-o a seguir. Estive com aqueles livros em que os arquitectos falam das suas casas, mostrando como é o lugar onde vivem. Gosto do que dizem os arquitectos (alguns arquitectos). Casas, objectos, memórias, o espaço, a luz, o interior e o exterior, o conforto, a simplicidade, a história das suas vidas, a partilha -- uma maneira interessante de falar das coisas.

E agora que aqui estou, depois de há bocado ter escrito sobre a Joacine e o Livre, estou a ouvir a chuva, a ouvir música, sons bons que se misturam, feliz e tranquila, sentindo o conforto bom da minha casa.

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Antes de começar a escrever vinha com a ideia de falar um pouco mais sobre como é impossível romper com o sistema (seja lá o que isso, na realidade, significa) estando dentro do sistema como, por vezes, ingenuamente parecem acreditar os que se deixam encantar por falas aparentemente rebeldes como as do Livre (e digo isto simpatizando com o Rui Tavares a quem acho um homem genuinamente bem intencionado).

E tinha a ideia de mostrar um vídeo que me impressiona bastante. E impressiona-me não apenas pelo vídeo em si mas porque fico a pensar que o mundo poderia ser um lugar menos perigoso se mais pessoas, em lugares de decisão e poder, pensassem e agissem como parece que o protagonista deste vídeo, Feike Sijbesma, CEO da DSM, pensa. Mas não sou ingénua. As disparidades são tão abissais, o mal feito ao planeta é tamanho, a estupidez intrínseca dos humanos é tão destruidora que não é a visão solidária e inclusiva de uma pessoa, ou de cem pessoas que sejam, mesmo de mil pessoas, mesmo de cem mil pessoas que vão fazer a diferença.

Ou talvez seja. Talvez.

Talvez se muitas vozes se levantarem, talvez se, em vez de se propagarem mentiras, intrigas, futilidades e disparates nas redes sociais e na comunicação social, se difundirem bons exemplos, gritos de alerta, passos no caminho certo, talvez progressivamente haja uma leve inflexão no sentido da destruição, talvez nos desviemos da rota para o abismo que temos vindo a trilhar. Talvez. 

You know


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Sergei Polunin está lá em cima no lugar das bandas sonoras mas, obviamente, é mais, muito, muito mais que isso. Não deixem, por favor, de ver como ele voa.

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E uma boa semana a todos a começar já por esta segunda-feira.

4 comentários:

O lacrau anfibológico disse...

... é niilismo só na aparência - é sentir-se grato pela impermanência.

Boa semana também.

Paulo B. disse...


Sobre o mal feito ao planeta - que faz e fará esse heaven sobrer - um tema, frequentemente esquecido: a (nossa) pegada ecológica de internautas - https://www.nature.com/articles/d41586-018-06610-y

(e das muitas outras coisas que lhe estão associadas: o armazenamento cloud, a "inteligência artificial", o "machine learning", a mineração de criptomoedas, ...)


Boa semana!

Um Jeito Manso disse...

Oi ambíguo bicho mau,

Não sei se encaixo em alguma categoria. Espero que não. Gosto de me pensar livre, desalinhada. Nem niilista nem coisa nenhuma. Mas grata pela impermanência, para além de me soar bem, parece encaixar bem.

E obrigada pelo vídeo. Estamos de passagem. Que seja boa, muito boa.

Um dia bom para si, lembrando-se de celebrar a vida.

Um Jeito Manso disse...

Olá Paulo,

Tem razão. Obrigada pela dica do artigo.

E não é só a pegada, que é significativa, é estarmos cada vez mais dependentes de um recurso gerido não sabemos como, por quem, onde, até quando. Se a Google um dia acaba com o blogger, o Gmail e o mais que tem vindo a disponibilizar (gratuitamente) como faremos?

Uma boa terça-feira, Paulo.