Sabes? Hoje li que as borboletas estão a desaparecer. Notícia triste, não achas?
No outro dia dei comigo a pensar que não sei para onde vão as borboletas quando morrem. Nunca as vi caídas no chão. Pensei que, se calhar, vão para o céu. O que achas? Um céu cheio de borboletas, já pensaste?
Li que o desaparecimento tem a ver com as alterações climáticas. As borboletas e outros insectos. Li que a polinização pode ficar em perigo e, sem polinização, o que acontecerá é tão mau que nem quero falar-te nisso.
Mas deixa que te conte outra coisa. No outro dia, vieram chamar-me para ver. Fotografei-a, claro. Uma borboleta muito bonita.
Uma semana depois fotografei outra, igualmente bonita. Mais colorida. Depois, no mesmo sítio da primeira vez, vi outra igual à primeira e pensei que poderia ser a mesma. Depois pensei que não sei se as borboletas conhecem os lugares, se voltam a eles, se pensarão que estão a voltar a um lugar onde já foram felizes. Também não sei se pressentem as pessoas por perto.
Uma semana depois fotografei outra, igualmente bonita. Mais colorida. Depois, no mesmo sítio da primeira vez, vi outra igual à primeira e pensei que poderia ser a mesma. Depois pensei que não sei se as borboletas conhecem os lugares, se voltam a eles, se pensarão que estão a voltar a um lugar onde já foram felizes. Também não sei se pressentem as pessoas por perto.
(Tu pressentes-me?)
Contemplei-as, encantada com a sua beleza. E intrigada. Faz-me muita impressão que um ser tão belo -- uma daquelas belezas perfeitas para as quais conseguimos encontrar explicação: simetria, harmonia, conjugação feliz de cores -- resulte de uma metamorfose que parece um passe de mágica. Sabes o que penso? Penso que o mundo real é, afinal, um mundo de magia onde os milagres acontecem. E isso enche-me de esperança.
Eu não sei como explicar que seres tão sublimes habitem o mesmo mundo que eu. Não sei se para seres assim, que nascem outros e que são tão efémeros na sua extrema beleza, o tempo é o mesmo que o meu. Não sei se uma borboleta, recém nascida depois de ter sido outro ser, tem consciência de como o tempo passa. Não sei se sente que o seu tempo se esvai mais rapidamente do que para mim. Talvez não. E talvez seja o meu tempo que passe sem que eu o sinta, tão longe estou. Tão longe estou. Tão longe. Sentes isso, não sentes?
Que tempo é o nosso?
Que tempo é o nosso?
Sentirá a solidão, a bela borboleta cujo tempo se esvai? Sentirá que um dia ninguém mais saberá dela? Saberá que um dia o bicho anterior não mais se transformará, deixando-a por acontecer? Quantas coisas, diz-me, quantas coisas ficam por acontecer sem que ninguém o saiba?
Olha. Fecha os olhos e pensa. Como ficará o mundo sem a beleza efémera das borboletas? Consegues imaginar? A tristeza e a escuridão descerão sobre nós? Ou teremos nós, entretanto, adquirido a capacidade de nos transformarmos em seres sem destino, inexplicáveis, fatalmente belos e efémeros?
Olha. Fecha os olhos e pensa. Como ficará o mundo sem a beleza efémera das borboletas? Consegues imaginar? A tristeza e a escuridão descerão sobre nós? Ou teremos nós, entretanto, adquirido a capacidade de nos transformarmos em seres sem destino, inexplicáveis, fatalmente belos e efémeros?
Faço muitas perguntas, não é? É que não sei respostas, sabes? Tu sabes? Tens respostas para mim?
Saberás tu que contemplo a beleza das borboletas? Saberás que sinto que o tempo, um dia, nos surpreenderá na sua suprema sabedoria? Será que deus, afinal, é o tempo? O tempo que está em todo o lado, infinitamente sábio, infinitamente bondoso. Um deus que nos transporta, que nos suspende, que nos traz os sonhos que nos mantêm vivos. Um deus que nos abraça. Que nos traz a palavra que nos abraça. Que nos traz aquele olhar. Aquele sorriso. A tua mão que se estende até mim. Mesmo que em sonhos.
Saberás tu que contemplo a beleza das borboletas? Saberás que sinto que o tempo, um dia, nos surpreenderá na sua suprema sabedoria? Será que deus, afinal, é o tempo? O tempo que está em todo o lado, infinitamente sábio, infinitamente bondoso. Um deus que nos transporta, que nos suspende, que nos traz os sonhos que nos mantêm vivos. Um deus que nos abraça. Que nos traz a palavra que nos abraça. Que nos traz aquele olhar. Aquele sorriso. A tua mão que se estende até mim. Mesmo que em sonhos.
Olha, não me respondas. Prefiro não ter respostas, prefiro sonhar com borboletas livres e eternas voando e dançando in heaven. Prefiro adivinhar-te. Prefiro pressentir-te aí, imóvel, escutando em silêncio a minha respiração.
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E prefiro não pensar no dia em que as borboletas vão desaparecer.
E sabes porquê, não sabes? É que não sei se ainda vamos a tempo de as convencer a ficar por cá e isso entristece-me muito.
O que achas? Temos tempo? Vamos ter o nosso tempo?
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E agora, a quem possa interessar, convido a descer até ao post seguinte. É o avesso do outro, do das metáforas.
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E um dia feliz a todos.
6 comentários:
Que maravilha este seu texto, dos mais belos que tem publicado!
Verdade, Profundidade e a extraordinária beleza da Palavra em todo o seu esplendor!
Como agora a juventude amaricanizada costuma exclamar UAAAAAAU!!!
Um grande abraço
Olá Ujm, o texto é belíssimo!
Mas permita-me estragá-lo com uma nota de optimismo. Na aldeia onde passo os dias livres as borboletas já tinham desaparecido há uns anos, pesticidas diziam-me, substituídas por moscas e mosquitos, animais em currais era a razão. Infelizmente "as gentes" estão a envelhecer e já não se cultiva nem se criam animais como dantes, pelo que para meu espanto as moscas estão a diminuir e as borboletas voltaram. A natureza é imensa e necessita apenas que a deixemos em paz para renascer! Vamos acreditar que também nós somos natureza e possamos renascer na forma de viver. Ana
Não sei se, para além da Maria Callas, acompanhe com esta https://www.youtube.com/watch?v=-H5aC1wAWfg se com esta https://www.youtube.com/watch?v=Cw5ZPh_hqJQ
Boas questões! Não tenho respostas, claro, mas uma convicção... ou melhor, sérias dúvidas: a de que aqueles que menos têm irão abdicar de ambicionar ter aquilo que outros, hoje, têm. E, ainda que estes últimos venham a estar dispostos a abdicar de uma parte daquilo que hoje têm, questiono-me se será suficiente.
Abraço,
Paulo Batista
Oh Joaquim! Que bom!
Está tudo bem consigo? Muita passeata? Muita fotografia?
Nunca mais consegui descobrir o seu blog. Tenho ideia que era 'outro olhar' e já fiz várias tentativas à volta disso. Mas não o descubro. Na volta, o nome não é nada disso.
E olhe lá, senhor Engenheiro, que é feito de comentar deixando um poema? Essa é que era...
Abraço. Saudades. Saúde, Joaquim, e dias felizes.
Olá Ana,
Obrigada pelas suas palavras.
E tomara que nunca os insectos desapareçam, moscas e tudos. E que as borboletas continuem a ser milagres esvoaçantes.
Uma boa sexta-feira, no meio das árvores, das flores e das borboletas.
Olá Paulo,
Como gostei da Inquietude do Bernardo Sassetti... Que boa ideia a sua. Do outro, acho graça à ideia e gosto mas não tanto como da Inquietude.
E pertinentes (e inteligentes) questões a que levanta.
Gostei.
Muito obrigada.
Uma bela sexta-feira, para si
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