domingo, maio 26, 2019

Matemática, poesia, pintura, justiça


Para mim, é muito claro que a criatividade é o ingrediente mais importante da matemática. Essa criatividade tem de ser acompanhada pelo rigor. É como para um acrobata: a performance tem de ser perfeita. Na matemática queremos fazer coisas interessantes, chegar a novas ideias e ao desafio de produzir asserções completamente novas. Todos os passos do nosso trabalho têm de ser provados, mas precisamos de imaginação e criatividade.
       É por essa atenção ao pormenor que lhe chamam “artista da matemática”?
É talvez por ser bastante sensível à conexão entre a matemática e a poesia. Gosto de fazer conexões entre a matemática e a arte.
(...) 
Se quiser pintar, precisa de inspiração e, para isso, tem de deixar o cérebro livre e abrir espaço nele. Esse espaço não pode ser usado para duas coisas ao mesmo tempo. Claro que há comparações possíveis: eu adoro pintura abstrata. Acho-a absolutamente maravilhosa, porque é muito semelhante ao que fazemos na matemática: os objetos abstratos que introduzimos e selecionamos são mais reais para nós do que os objetos do real, da vida concreta. Para mim um dos mestres da evolução da arte figurativa para a arte abstrata é o [Claude] Monet, que fez desaparecer progressivamente a forma concreta, como ela é dada pelo real, a fim de a tornar um objeto da mais pura pintura. E isto está tão perto do que eu sinto na matemática… É o que é maravilhoso no Monet. Em certas pinturas dos nenúfares [série de pinturas a óleo do artista], ele fez desaparecer as flores e chegou a algo que é muito mais real, feito de cor e movimento.

Porque é que precisamos da matemática?
[Por um aspecto] civilizacional. Como pensar de forma correta. O que é uma prova, o que é uma asserção, o que é uma hipótese, o que é uma conclusão. Quando fazemos matemática, temos de provar que algo é verdadeiro, não fazemos política. Um matemático que prova alguma coisa é uma pessoa que tem de ouvir os outros. Neste mundo de fake news, toda a gente grita. Na matemática nós ouvimos quem provou alguma coisa.

[Excertos de “A matemática que se dá na escola não tem grande significado” no Expresso de 2019.05.27, entrevista de de João Diogo Correia a Claire Voisin.

Claire Voisin foi a vencedora europeia do For Women in Science, prémio atribuído pela unesco a cinco cientistas, de cinco regiões do globo, para suprir a ausência de mulheres nos principais galardões científicos. Esta francesa é uma das grandes matemáticas do nosso tempo]

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