A sensação que se tem ao confirmar que há pessoas iguais é uma sensação estranha. Já aqui contei como já me aconteceu alguém confundir outra pessoa comigo. A última foi na Gulbenkian e foi, uma vez mais, bizarra, talvez até desconfortável. Duas pessoas estavam certas que eu era outra pessoa, não tiravam os olhos de mim. E diziam que era o aspecto físico, era a cor dos olhos, era a forma de sorrir, era a voz. Não percebiam que pudesse ser possível eu não ser a outra. Assim mesmo tinha acontecido em Espanha, com uma jovem incrédula, arrepiada, não acreditando: eu era tal e qual a tia e, à medida que eu ia falando, explicando que não, que nem era espanhola, mais ela ficava aterrada, jurando que eu falava tal e qual a tia, que o cabelo, os olhos e até a forma como me vestia eram dela.
Pois hoje aconteceu-me a mesma coisa com outra pessoa. O homem estava a fumar, sentado junto ao alpendre de entrada do restaurante. Sendo muito magro, cruzava as pernas como os homens muito magros as cruzam. Falava também ao telefone. Eu nem queria acreditar: tal e qual o João César Monteiro.
Nós entrámos, sentámo-nos. Passado um bocado, o homem entrou e juntou-se a quem estava na mesa redonda, grande, perto da nossa. Estava de frente para mim. Rosto fechado, de cada vez que falava, toda a gente desatava a rir. Quando uma das comensais, uma loura bem fornecida e com um vestido solto com muitas aberturas, se levantou para fotografar o grupo, veio recuando, quase para cima do meu marido que, se encolheu, divertido com a cena. Tão absorta estava na escolha do ângulo certo que nem deu pelo quase abalroamento. O sósia do João Vuvu manteve-se inalterado mas mal a fotografia aconteceu disse qualquer coisa, com a voz também igual, e a mesa rompeu em gargalhadas.
Perto do fim do nosso almoço, voltou a levantar-se. Quando saímos estava no mesmo sítio, de novo a fumar. Até nisso, igual, igualzinho, ao outro.
Não sei como acontecem fenómenos destes, absolutamente improváveis. Se eu sou igual a outras pessoas que não conheço, é uma sensação um pouco estranha mas, creio eu, muito menos do que se eu conhecesse as outras de quem sou a réplica. Mas um homem que é igual a outro de quem há imensos registos e que pode ver-se ao espelho sendo a imagem de um outro deve sentir-me mesmo incomodado. Digo eu... Ou então, a maneira de ser deste é igual à do outro e diverte-se à brava com isso.
No caminho para casa, vindo a falar na insólita semelhança absoluta, lembrei-me da aula dada pelo Vuvu na escadaria da Assembleia da República e pu-la para meu marido ouvir. Enquanto eu me ri à gargalhada, ele apenas sorriu. É muito contido. Mas, entretanto, já reprocessou o que ouviu e já me fartei de rir com as derivações e parvoíces que já disse. E tentei descobrir o da madre superiora mas não encontrei para lhe mostrar. Mas agora fui à procura e já aqui está. Uma cantiguina deliciosa.
A Isabel e outros Leitores bem comportados que me perdoem mas já sabem que, não sendo eu vernacular na forma como habitualmente me exprimo, não me choco com o vernáculo alheio especialmente quando vem servido com elegância, destemero e humor. E, no caso do João César Monteiro, esse ganda maluco com toda aquela dose de absurdo, aquele surrealismo tresloucado diverte-me mesmo.
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Agora ainda vou ver se o vídeo que fiz hoje ficou alguma coisa que se aproveite ou se é outra vez para esquecer.
Amanhã, para além do vídeo (caso não esteja tão impróprio para consumo como os da semana passada) também tenho uma questão para formular ao nosso ubíquo presidente.
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E um belo dia de domingo.
5 comentários:
Um sósia do JCM, muito bom! Eu ter-me-ia mijado a rir se visse tal pessoa.
Ainda hoje partes dos comentários dele sobre as reações ao "Branca de Neve" servem de "private joke" aqui em casa.
Um rico domingo.
João César Monteiro foi genial! E fez-me rir a bom rir! Ainda me lembro de o ter encontrado um dia na Avenida deRoma, em Lisboa, sentado num café, a dizer das suas, com uns amigos e amigos a rirem a bom rir, do que ele ia dizendo.
O que ele diria dos tempos de hoje e o que faria com isso em cinema!
Se há coisas que aprecio neste Mundo, cada vez mais pífio e reaccionário, é uma boa pitada de Humor!
Prefiro um João César Monteiro a estes políticos cinzentos que poluíem o nosso universo político.
Boa semana!
P.Rufino
PS: há outra cena dele, quando vai visitar uma jovem amiga dele, na prisão, e lhe pede um pintel...e ela lá lhe dá. O comentário dele é de ir ás lágrimas!
Francisco,
Então somos dois: eu não digo em voz alta, em público, mas em privado ou em surdina repito a reacção dele. É libertador...!
E consegue imaginar uma criatura igual, a papel químico, clonada, incluindo na forma de traçar a perna, de falar, de tudo? Qual será a explicação para uma coisa destas?
E terá ele a percepção que é igual ao outro? Se tiver, não se sentirá pouco 'original' sabendo que já houve outro?
Uma boa semana para si, Francisco, a começar já por esta segunda-feira.
Olá P. Rufino,
João César Monteiro foi daqueles artistas que andou sempre ali a pisar a subtil fronteira entre a genialidade e a maluquice encartada. E, como todos os bons marginais que são ao mesmo tempo inteligentes, descarados e sem nada a perder, nunca reuniu consensos.
Lamento que a sua obra seja tão pouco recordada. A sua arte do absurdo é deliciosa e eu, que gosto de coisas que andam ali pela borderline e sempre prontas para pisar linhas vermelhas, aprecio-o imenso. E divirto-me imenso.
Teve nais sorte que e,P. Rufino: nunca estive perto dele. Só agora neste senhor em quem ele reencarnou...
Uma boa semana, P. Rufino.
Muito embora conheça vários casos de sósias, um sósia do JCM é uma coisa que não consigo imaginar, porque sempre achei o senhor inigualável.
Uma boa semana também!
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