sábado, abril 13, 2019

Vamos embora, disse ele. Mas eu fiquei. A ouvi-lo.





Já estava um bocadinho atrasada mas o dia estava tão bonito que isso não foi tema. Quando cheguei ao pé do meu marido, ele disse-me: 'Não te disse? Tu disseste cinco para a uma e eu disse que se fosse à uma e cinco seria uma sorte'. Expliquei a razão do meu atraso. Quando estava a sair, tinha sido interceptada por alguém que teria muito para dizer mas cujas palavras interceptei. Então, ele contou: 'Mesmo agora passou por aqui o ex-ministro [e referiu a pasta] e hesitou, como se me conhecesse e viesse cumprimentar-me'. 'E tu?'. 'Eu desviei-me, disfarcei'. Mas logo a seguir apareceu o presidente [e disse o nome de uma associação patronal] e aconteceu  mesma coisa, vinha cumprimentar-me. A mesma coisa, exactamente'. 'Mas estavam juntos?'. 'Não, primeiro um, e entrou para o restaurante. A seguir o outro. E entrou também'. Achei graça e ele também tinha achado. E, assim conversando, dirigimo-nos ao simpático restaurantezinho que descobrimos há pouco tempo.


Pedimos aqueles gostosas entradinhas de que ambos tanto gostamos e estavamos no petisco e a conversar quando reparei que ele estava de olhos postos não sei onde que não em mim. Não gosto. Zanguei-me: 'Estou a falar e tu a prestares atenção não sei a quê'. E ele disse: 'É que acho que entrou a [e disse o nome de uma conhecida deputada europeia] e não pude deixar de reparar'. E, quando me virei para olhar, já ela vinha avançando para uma mesa perto de nós. Jeans, botins, maleta de viagem. Por uma vez não a achei pior nem mais baixinha do que se vê na televisão. Pelo contrário. Bonita, aspecto simpático. Sempre ao telemóvel mas, como é apanágio dela, sempre com um ar vagamente sorridente.


Quando saímos, comentando o ar primaveril e ele brincando com o facto de no prazo de menos de uma hora ter estado ao pé de três pessoas tão 'famosas', olho para o lado e quem vejo? Uma conhecida senhora com uma toilette primaveril, bouquet primaveril na mão e um sorriso encantado de quem tinha acabado de ser presenteada. Fiquei com vontade de ir cumprimentá-la: 'Ora viva! Então como está, Santa Mana?' mas comportei-me.


A seguir separámo-nos e seguimos em direcções opostas, cada um para o seu trabalho. Pensei que teria precisado de um almoço mais prolongado e de ter visto mais celebridades para aguentar melhor a sessão em que ia participar a seguir. Não gosto de me maçar antes de estar no meio das maçadas mas, neste caso, conhecendo do que a casa gasta, não pude deixar de me pôr a pensar no possível antídoto ao que me esperava nas próximas horas. Ia na Antena 2 mas apeteceu-me espevitar. Pus na TSF. E, então, para minha alegria, estava a começar os Sinais. Para se perceber como sou tão absurdamente primária, confesso aqui que, instantaneamente, me esqueci da reunião que ia ter e de tudo o mais à superfície da terra. Encantada, ouvi. Encantada. Como tantas vezes, com aquele arrepio que me percorre a pele. Felizmente o meu piloto automático funciona bem pois a verdade é que desligo. Desligo mesmo. Involuntariamente entrego-me à emoção que me toma: isto quando ouço os Sinais, um andante de Debussy, uma fuga de Bach, o canto de um pássaro, quando contemplo o voo de uma gaivota, a beleza de uma árvore, uma pintura, quando leio uma poesia, quando recordo um momento especial.

Vamos embora, intuí que se chamasse a crónica. Que bom poder testemunhar o prazer das palavras ditas por quem as tão bem sabe escrever e dizer.

Vamos embora -- disse o senhor Rádio, Fernando Alves de seu nome


E depois a reunião foi longa, longa, agitada, e, a meu ver, inconsequente. Mas o tempo o dirá. Penso, para me dar descanso, que não tenho que tentar evitar todos os meus passos que vejo à minha volta. Como nos disse uma vez um senhor da aldeia a quem pedimos que plantasse choupos num lugar que ele dizia inapropriado: 'Mas querem que eu ponha aqui os choupos, eu ponho. Em havendo dinheiro...'. 

E depois, já noite, vim para casa. Como habitualmente, vim conversando. Com a minha mãe, com a minha filha. Depois, já cá em casa, fizemos planos para o fim de semana. Mas, entretanto, em conversa com o meu filho, os planos levaram uma reviravolta. 

E, entretanto,  adormeci. 


E agora estou a ver de novo Out of Africa, um dos filmes que nunca me cansarei de ver. E estou a reparar como um dos actores é igual, igual, igual, a um colega meu. Porque é que nunca antes tinha reparado? Porque nas outras vezes que vi o filme ainda não o tinha conhecido? Ou porque o actor entretanto mudou de feições e de maneira de ser para se pôr igual ao meu colega? Mistério.

E agora estou a ver aquela cena de que tanto gosto, uma intimidade profunda, uma cumplicidade que é tão boa de (vi)ver.



E é isto. Vamos embora.

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Um bom sábado a todos.
Que a alegria vos acompanhe.

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2 comentários:

Isabel disse...

Tenho o "África Minha", que é também um dos filmes que não me canso de ver. Dois dos meus actores preferidos, de sempre.

Beijinhos:))

Um Jeito Manso disse...

É um filme a todos os títulos muito bom. Um dos meus, forever.

Beijinhos.