domingo, janeiro 06, 2019

As implacáveis Procuradoras: a Santa Mana Joana e a Manuela Boca Guedes
[E Marcelo e Bolsonaro e o tal da TVI que convidou um criminoso fascista e etc]





De passagem pela SIC vejo anúncio à Procuradora Manuela Moura Guedes. Espuma raiva. Acusa, condena, decreta penas. Implacável. Com ela não há inimigos que lhe escapem. Não precisa de provas nem de contraditório. Com ela é assim mesmo: chateaste-me, já dançaste. A cartilha lida, o destino traçado num piscar de olhos, num retorcer de boca.

Foi-se a Santa Mana Joana e ficou a Moura Guedes. Estava a vê-la e a pensar na implacável Santa Mana a quem também ninguém escapava. Só escapavam os que, lá de dentro, enviavam informação, gravações, vídeos e o que calhasse para o Correio da Manhã e Lixeiras associadas.

No pontificado da Santa Mana, muita gente tombou. Gente importante. Tombaram e todos nós assistimos ao seu tombo. Vimo-los humilhados. Era chegado o tempo de dar cabo dos corruptos. Lemos as transcrições, ouvimos as gravações, vimos imagens que comprovavam que eram culpados. Corruptos da pior espécie finalmente vergados. A Santa Mana até foi canonizada em vida, tantos os seus bons feitos: com ela não ia ficar pedra sobre pedra e pena era que não ficassem logo presos mal os investigadores lhes punham os olhos em cima.


Até que agora veio o desfecho de um caso, o dos Vistos Gold. Afinal quase todos inocentes, os processos sem ponta por onde se lhes pegasse. Entretanto, durante anos a vida destas pessoas devassada, a vida pessoal e profissional sacrificada. E por nada. Apenas porque a Santa Mana e a sua malta resolveram que sim. 

Arrependimento pelo que vão destruindo à sua passagem? Estou em crer que nenhuma. São implacáveis, estas duas Procuradoras. Estão bem uma para a outra. Com elas não há inocentes, só culpados, e ainda bem que elas estão atentas e são como são.

Um dia destes a Procuradora Boca Guedes voltará à política. E será bem sucedida. Todo o palco que a SIC lhe está a dar é uma boa rampa de lançamento. Haverá muita gente a achar que sem elas os corruptos continuariam à solta. Há que ter Procuradoras justiceiras e poderosas para que o mundo fique mais limpo. Se, pelo meio, destroem uns quantos inocentes, azarinho.


Entretanto, na TVI um tolo que não faço ideia quem seja resolveu levar um criminoso com ideias racistas e fascistas a divulgar as suas ideias. E há quem ache que isso é liberdade de expressão. Um dia destes, alguém dará mais um passo e convidará o criminoso a ter presença cativa num programa de televisão, que é um lugar bom para lançar na política os alarves, os boçais, os populistas. E, se for a votos, capaz de muita gente votar nele, não sabendo ou não querendo saber dos seus antecedentes, e achando que ele é dos bons, que diz as verdades, que é justiceiro, que é dos rijos.


E há também aquilo de Marcelo 'normalizar' o bronco e perigoso Bolsonaro, tratando-o como irmão e dando um passo maior de aproximação, convidando-o a visitar Portugal. Dadas as circunstâncias históricas e dadas as comunidades de portugueses lá e de brasileiros cá, que mantivesse um relacionamento diplomático discreto parecer-me-ia razoável -- mas que Marcelo não tenha arranjado uma forma diplomática de se demarcar das ideias anti-democratas de Bolsonaro deixa-me francamente incomodada.


Caminhamos sobre areias movediças. Há perigo rondando as nossas vidas e vem de onde menos se esperaria -- das instituições que deveriam zelar pelo cumprimento da lei e que, afinal, em puros exercícios de paranóia ou vingança dão cabo de muita gente, dos órgãos de comunicação social que promovem difamadores, demagogos, fascistas, de políticos que elegemos sem cuidar de escolher bem. A  qualquer momento um inocente pode ver a sua vida desgraçada sem nada de mal ter feito. As instituições democráticas são frágeis.

É obrigação de todos nós e das instituições que nos representam zelar activamente pela qualidade e sustentabilidade da democracia. E isso tem que começar a ser ensinado e praticado nas escolas, desde a infantil ao ensino superior (no dia em que isso acontecer, de certeza que praxes humilhantes acabam naturalmente -- só para dar um exemplo) e também é bom que comecem a existir, nas estações públicas, programas (criativos, interessantes) que ensinem e fomentem a cidadania livre, exigente, democrática. E é bom que os deputados se debrucem sobre todos estes riscos e engendrem formas de os evitar ou, pelo menos, mitigar.


É que uma coisa é certa: não podemos estar à mercê de Procuradoras como a Guedes ou a Vidal e é bom que por aí, em lugares de influência, não esteja gente estúpida, ávida de protagonismo ou ignorantes que abram a porta às serpentes que devoram a democracia. Nem devemos pôr-nos a jeito para que haja alguma vez o risco de virmos a ter por cá um anormal como o Bolsonaro ou o Trump. É essencial que nós, os inocentes, possamos viver uma vida descansada e que o país em que vivemos não seja um lugar perigoso.

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As imagens mostram trabalhos de James Turrell.

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E agora, caso ainda não estejam ao corrente, queiram ver a minha resposta muito a sério ao Anónimo e Meio. É já a seguir pelo que queiram descer um pouco mais.

15 comentários:

José Ferreira Marques disse...

Apoiado

bea disse...

Parece-me mal, quase me ofende que o português médio, entendendo pela designação uma possível maioria de portugueses, cole às opiniões de Moura Guedes ou da ex procuradora Joana Vidal. E temo que seja verdade. Pelo que já ouvi.

Também me ofende que Marcelo Rebelo de Sousa, presidente de uma democracia até especial, não se tenha demarcado. Afinal, não quereríamos que cortasse relações com o Brasil, seria comprometer o futuro de muita gente. Mas os democratas esperavam alguma diferença. Ou será o mesmo, assistir à tomada de posse de um democrata ou de um fascista...fiquei algo perplexa.

Quanto à TVI, penso eu que de vez em quando lhe vêm tiques de correio da manhã e vale tudo.

O que eu gostava, UJM, era que não fôssemos apenas nós e mais dois ou três gatos pingados a reparar nestas coisas. Porque, como bem diz, temos direito a viver descansados por esse lado. Lições de democracia precisam-se.

AV disse...

Como digo às vezes, eles andam por aí e muita gente está distraída. Há uma erosão da democracia que se tem vindo a normalizar devagarinho. Talvez não tenha começado ali, mas a guerra no Iraque e os falsos relatórios sobre armas de destruição em massa, bem como os voos secretos da CIA, para transportar e torturar prisioneiros, sob o silêncio e com a conivência de algumas das chamadas democracias ocidentais, foram um um passo marcante nessa direcção.

Anónimo disse...

Tem toda a razão, UJM. Quanto ao que a Leitora Ana Vasconcelos diz, que subscrevo, acrescentaria o apoio miserável a um regime do pior, o da Arábia Saudita (dado pelo Ocidente) e a trágica guerra civil no Iémen, um verdadeiro genocídio, onde milhares de pessoas, civis inocentes, crianças entre elas, que são vítimas do apoio saudita a essa guerra infame e das armas e munições que os EUA, Reino Unido, França, ALE, etc, vendem a quem pratica esses crimes.
Quanto ao caso do Mário Machado na TVI, é pena que não tenhamos legislação como no Reino Unido, onde alguém que, publicamente, defende ou ajuda a promover (como fez a TVI) ideias Nazis e Fascista é preso, por constituir um crime. A Democracia tem e deve ter limites de tolerância, sob pena de um dia baquear.
Quanto ao nosso PR, fez muito mal em ter lá ido e conversado, da forma como o fez, com Bolsonaro. De certo modo, procurou branquear um facínora. E se o homem vem mesmo até cá um dia, vai ser uma confusão política.
A razoabilidade e bom senso parecem estar em deficit neste país.
P.Rufino

Victor Barão disse...

Estando nesta partilha abordadas diversas temáticas, que em qualquer dos casos dariam muito o que dizer ou não, pois que em grande medida falam por si sós.
Mas não deixando de expor a minha perspectiva de forma tão sucinta quanto possível:
_ Por um lado, no relativo A Procuradora/es Judiciais da Republica, como a outros níveis deste belo rectângulo à beira-mar plantado, parece que pecamos de incurável paradoxo de por um lado parecer que a/os "grandes" senhora/es da Nação serem mais ou menos todos amigalhaços, colegas de faculdade e afins, a ponto de durante décadas se irem tapando impunemente uns aos outros, no limite no que a dividas judiciais duns e doutros respeita; passando-se depois, para o que parece ser a mais corrente norma que é a, senão criminoso, pelo menos muito judicialmente duvidosa violação do Segredo de Justiça, neste último violativo caso como que parecendo haverem agentes, mais ou menos elevados ou intermédios do Sistema Judicial, que não querendo correr o risco de ver a/os "grandes" senhora/es da Nação passarem total e protegidamente impunes por influência dos seus restantes pares, ainda que com isso caindo no limite inverso a impunidade que é o precoce e se acaso injusto julgamento dumas e doutros na praça pública, aquém e além da instituição Legal-Judicial, com expressão máxima nos tribunais.
_ Por outro lado e sem prejuízo dos seus próprios e em alguns casos descarados defeitos, no entanto no que a estações televisivas nacionais respeita, a minha preferência vai, por assim dizer, em 90% para a RTP, 10% para a SIC, a TVI, quase me apetece dizer que não conheço, pelo menos não mais que para não me apetecer ver _ tudo isto, ressalvadas as devidas excepções, com extensão aos programas, a/os apresentadora/es e comentadores de serviço, incluso algum/a que saiu e reentrou na RTP, nesta última esteve sempre melhor que na concorrência, o que tão só ao nível de entretenimento recordo por exemplo o Herman.
_ Por fim, com extensão ao anterior ponto, por alusão a um propagado convite a um radical extremista para um programa de televisão público-privada nacional e mas também muito para além disso, está a toda a genérica temática da emergente ascensão de radicalismos, no limite, potencialmente criminosos, com mais recente expressão do Sr.º Bolsonaro, Presidente do Brasil, esta é absolutamente lamentável, quer pelas suas causas, quer pelas suas expectáveis consequências; por isso não menos lamentável foi e é a (quase) subserviência da Presidência do Prof.º Marcelo, face à Presidência do Cp.ão Bolsonaro _ subserviência nacional Portuguesa face a, na melhor das hipóteses, devaniantes instituições nacionais ou internacionais externas, que por destacado e explicito exemplo já havia tido o Dr.º Barroso como outro grande protagonista na malograda "Cimeira das Lajes", com os dramático-lamentáveis-caóticos resultados que bem reconhecemos, inclusive agora com o actual Presidente radical Trump, como se os EUA nada tivessem que ver..., inclusive dizendo e repetindo que "os EUA não podem continuar a "proteger" terceiros, como se mais das vezes não fossem os interesses, não necessariamente dos EUA, mas sim dalgumas das suas administrações que arrastaram terceiros para a desgraça...
Enfim, minha amiga, com pedido de perdão por me ter expandido, com tudo isto não deixo de a subscrever na sua própria linha de raciocínio acima, por si só como fonte deste meu comentário.
Feliz semana
VB

Eduardo Costa Dias disse...

Excelente post UJM

Francisco de Sousa Rodrigues disse...

Em 2016, votei Sampaio da Nóvoa.
Em 2021, votarei em alguém que não se chame Marcelo Rebelo de Sousa.

Eu já sabia que barracadas destas haveriam de acontecer.

Uma boa semana!

Um Jeito Manso disse...

Caro José Ferreira Marques,

Nesse caso, give me five...!

E dias felizes para si, Caro José.

Um Jeito Manso disse...

Olá Bea,

É isso mesmo. Volta e meia, quando assisto a este deslassar da nossa atenção democrática, penso que ainda bem que tenho o meu refúgio no campo, onde tudo parece sereno e longe de perigos ditatoriais.

Face ao avanço de animais como o Trump, o Bolsonaro, Le Pen e tantos outros acho que deveria haver um toque a reunir dos democratas para se reflectir nas razões que têm levado a que isto esteja a acontecer.

Espero que os políticos e a sociedade em geral acordem a tempo.

Obrigada pela partilha da sua opinião, Bea.

Uma semana feliz!

Um Jeito Manso disse...

Olá Ana, Senhora de Vasconcelos,

Tem muita razão. É aquilo daquele poema de irem levando uns e nós irmos fechando os olhos porque não é connosco até que um dia nos acontece a nós, nos levam, e já não há ninguém que nos defenda.

E coisas aberrantes vão acontecendo, como tão bem relembra, e nós deixando passar. E tudo, por maiores que sejam as alarvidades, vai sendo visto com bonomia, como se fosse normal. E a degradação vai-se instalando.

Uma preocupação que deve começar a fazer tocar alguns sinos.

Uma boa semana para si, querida Ana.

Um Jeito Manso disse...

Caro Víctor Barão,

Gostei muito de ler as suas palavras e só tenho que lhe agradecer a generosidade de partilhar a sua opinião.

Claro que concordo e claro que acho que em muito do que diz reside a fonte dos problemas que a sociedade moderna enfrenta: a má Justiça que temos, uma Justiça com pendor justiceiro, lenta, ineficaz, que favorece as fugas de informação, a nossa excessiva tolerância, a nossa tendência para a subserviência e uma comunicação social a quem cada vez tende o pé para o chinelo -- parece ser um perigoso caldo para o desenvolvimento do populismo.

E ou acordamos para esta realidade ou um dia destes damos por nós com um perigoso direitolas à perna.

Uma semana feliz para si, Víctor!

Um Jeito Manso disse...

Olá Eduardo,

Obrigada pela simpatia da sua opinião.

Eu preferia não ter razão mas, tendo-a, fico contente por haver quem levante a voz para, com a sua opinião, mostrar que haverá quem esteja disposto a formar uma barreira contra o populismo.

Dias felizes, Eduardo!

Um Jeito Manso disse...

Olá Francisco,

Eu não seria já tão radical em relação ao Marcelo. Volta e meia excede-se mas, apesar de tudo, tem outras que devo dizer que me surpreendem pela positiva. Estou convencida que ele próprio, quando parou para pensar, já viu que acelerou demais e que cometeu um erro.

Eu, quando é para votar, escolho a melhor hipótese que, infelizmente, com alguma frequência, se resume a escolher o menor dos males. Por isso, nas próximas presidenciais, consoante quem se apresente, logo vejo. Suponha que lhe aparece o Batatinha, a Manuela Moura Guedes e o Marcelo. Já viu...? Votava em quem...?

Olhe, outra coisa. A ver se me encho de coragem e venço a preguiça pois gostava de lhe mostrar por onde andei no sábado....

Dias felizes, Francisco!

Anónimo disse...

Por mim, se dessem o título de Procuradeira à MMG em vez de Procuradora, estaria tudo bem.
Abraço
JV

Francisco de Sousa Rodrigues disse...

UJM,

Não agoire, sff! ;)

Um abraço.