As discrepâncias de rendimentos entre os extremos são chocantes mas mais chocantes seriam se se conseguissem conhecer. De facto, nem se sabe ao certo qual é o rendimento mínimo com que alguém consegue viver sem recorrer à mendicidade ou a outros apoios tal como não se consegue saber qual o verdadeiro rendimento dos super-ricos.
Após a última crise financeira -- chocante por ter ficado bem claro como a ganância de uns quantos fez derrocar, como um dominó, instituições financeiras e empresas que antes se julgavam sólidas e eternas -- penso que alguma coisa mudou. A consciência social parece-me mais desperta. A precariedade é agora socialmente condenável e os argumentos de que a economia estremece se se subirem os salários mais baixos já não colhem. Começa a ser claro para muitos que qualquer sociedade é mais coesa, mais evoluída e mais feliz se a discrepância entre muito ricos e muito pobres se atenuar. Nem os ordenados muito baixos devem ser admissíveis nem os ordenados e prémios super-milionários devem ser encarados como naturais.
Rendimentos anuais abaixo dos dez mil euros são uma tristeza à luz das necessidades da vida normal tal como os que se aproximam ou ultrapassam o meio milhão de euros são um escândalo.
Nada disto se resolve facilmente. E, sobretudo, não é por decreto que isto se ultrapassa. Os mais pobres estarão sempre mais desamparados e vulneráveis e os mais ricos sempre consistentemente respaldados.
Mas, como dizia acima, qualquer das realidades, quando extremadas, não são facilmente visíveis. Quer os muito pobres, quer os muito ricos escondem que o são. Uns por pudor, outros por receio.
E tal como os ricos não compreendem como é possível viver com apenas umas centenas de euros por mês, também os pobres não imaginam o que é o verdadeiro luxo.
Conheço algumas casas muito boas e famílias muito ricas. Mas, ainda assim, não conheço nenhumas super-ricas. Nem sei se em Portugal as há, pelo menos tanto quanto, por exemplo, as de Londres.
Há um artigo no The Guardian que nos dá uma boa panorâmica do que é uma capital europeia nos tempos que correm onde vivem muitos super-ricos.
Recomendo a sua leitura:
Study exposes thousands of opulent basement schemes with cinemas, pools … and a beach
O meu filho comprou, há uns tempos, uma casa abandonada que chegou a ser habitada por 'ocupas' e na qual, mesmo depois dos outros se irem embora, vivia na cave um homem que alugava camas a imigrantes. A casa não tinha água nem luz (nem portas, nem janelas). Quando o meu filho lá ia ver a casa de dia, não encontrava ninguém, apenas vestígios de lá ter estado gente de noite (marcas nas camas, roupas, por vezes roupas estendidas). Quem lá pernoitava saía cedo, provavelmente para trabalhar, e regressava tarde. Onde arranjavam água ou condições para viver não o percebíamos. Tenho ideia que traziam água, através de uma mangueira, de um outro quintal. Mas era toda uma realidade oculta aos olhos de quem vê apenas o que é visível.
Quantas pessoas vivem quase escondidas, longe de olhares alheios, sem luz natural, em caves, casas abandonadas, em quartos alugados?
Pois bem. Como se lê no artigo, o mesmo fazem os muito-ricos: escavam por debaixo das suas casas e constroem imensas caves onde têm ginásios, salas de cinema, piscinas ou os quartos dos empregados. E não se está a falar de meia dúzia de mansões. Não. Muitas. Muitas casas, muitos metros de área, muitos metros de profundidade. Um mundo de luxo, oculto, misterioso.
Underground mansion ... Edmund Lazarus's 16,000 sq ft mega-basement conversion plan, which includes a 25m swimming pool, cinema and split-level gym |
Leio que os super-bilionários estão a forçar a saída dos habitantes de casas com caves e que, logo que tomam posse dos imóveis, entram as máquinas a esventrar os espaços. Há queixas do ruído das máquinas e já há quem se tema pela segurança de certas zonas da cidade.
Também algo chocante (pelo menos para mim é) que muitos super-ricos fazem tudo isto e que, depois, não usufruem do que foi construído. Salas enormes vazias de vida, piscinas onde ninguém nada, salas de cinema ou de jogos silenciosas e com ar desabitado. Não sei quem serão essas pessoas nem como adquiriram tamanho poder de compra. Do que se vê quando por lá se anda, há muitos árabes, africanos ou gente de leste. Mas não sei se esses que a gente vê a entrar e sair dos super hotéis são os mesmos que compram prédios para, por debaixo, construirem faustosos bankers.
Não sei isso nem sei nada. Sobre este assunto a minha ignorância é total. Sei apenas que o que é verdadeiramente chocante é invisível aos olhos ingénuos e despreparados dos que julgam que sabem tudo. Nunca se sabe tudo. Por baixo de nós há um outro mundo: o mundo dos fantasmas-vivos, uns muito pobres e outros muito ricos.
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Caso vos apeteça antes saber do pesadelo da Cleópatra, queiram, por favor, descer até ao post que se segue.
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