quarta-feira, janeiro 10, 2018

Tocar o céu




Às vezes digo na brincadeira que acho que já devia ter direito a ser um homem. De facto, já fiz dois filhos, já escrevi material que dava para um monte de livros e já plantei nem sei quantas árvores. Um homem e dos grandes.
Mas, claro, é brincadeirinha pois estou muito bem como estou, mulher de corpo e alma.
No entanto, metáforas à parte, isto de uma pessoa ter que fazer certas coisas para atingir o estatuto de gente inteira faz-me sentido. Não sei como seria eu se, por algum acidente do destino, eu não tivesse conseguido ter filhos, não me desse ao desfrute de escrever sempre que me apetece ou não tivesse tido a oportunidade de plantar árvores. Se penso nisso, concluo a mesma coisa do que quando alvitro o que teria acontecido se a minha mãe tivesse casado com outro que não com o meu pai: não era eu que aqui estava.


Quando estudava e era muito boa aluna, custava-me aceitar elogios e parabéns e não era por falsa modéstia: é que, genuinamente, achava que o que alcançava era por acaso. Não por louvável mérito mas, sempre, por mero acaso. Já o contei muitas vezes: nunca fui de me esforçar. A vida tem solicitações demais para eu as desperdiçar e, em vez de as agarrar, andar a perseguir outras. Talvez por isso, nunca fiz directas enquanto estudava, nunca sofri de males de amor, nunca me senti frustrada por não ter alguma coisa. Contentava-me (e contento-me) com o que a vida punha (e põe) no meu caminho. E se a vida tem sido generosa. Pôs-me um par de mãos que escrevem que se fartam -- e eu não as impeço. Pôs-me um homem mesmo ao meu gosto no meu caminho -- e, por ele, larguei o que tinha. E em boa hora o fiz pois este, certamente melhor do que o outro o faria, completa-me e com ele fiz os meus filhos queridos que me completam ainda mais. E pôs-me um bocado de terra em bruto debaixo dos meus pés -- e eu não desdenhei de tanta pedra e tanto mato. E ainda bem. Fez-me sonhar, imaginei que dela fazia um petit bois e, de facto, dela nasceu um pequeno bosque onde florescem pássaros, borboletas, flores, frutos, sombras, grutas, aconchegos.


As minhas árvores minúsculas pelas quais lutei como uma fera luta por crias frágeis e indefesos, estão hoje enormes, vigorosas. Encanto-me com elas. Fotografo os troncos, passo as mãos pelos fios de seiva cristalizada, abrigo-me à sua sombra, vejo como a vegetação que junto delas também se abriga se diversifica. Aparo as ramagens que a desconfiguram, espreito as bagas, os rebentos, as pinhas, os frutos, os verdes, a beleza total, passo a mão pelas suas rugas, aspiro o perfume que exalam, sinto o bafo morno da terra que se amacia para melhor as tratar. Deslumbro-me com a generosidade da mãe-terra de cujo ventre vem o alimento que faz viver as minhas queridas árvores.


Há quem sinta devoção por deuses abstractos ou por ídolos concretos. Eu sou mais de outros mundos: eu sinto-me abençoada quando na presença de milagres como a existência de árvores. Não sei se são seres divinos, metamorfoses de espíritos livres, acasos improváveis ou o quê. Mas sei que são uma fonte de maravilhamento e religiosidade, isso eu sei. Olhando-as eu toco o céu.


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E estou a escrever estas palavras e mostrar estas fotografias que fiz no fim de semana in heaven -- mais um post a propósito de árvores -- pois a L., Leitora amiga a quem muito agradeço, me enviou um vídeo que logo me encantou: Judi Dench e a sua paixão por árvores. Atrás desse vídeo vieram os que aqui partilho convosco.






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E aqui chegados permito-me sugerir que não percam tempo com rapazoladas e hugalexadas em volta do que a ministra Francisca disse sobre a putativa Sta Mana Joana. Deixem isso para a gentinha desqualificada que pulula por entre os balcões televisivos onde se despacham comentários a metro. Nem percam tempo com aquele outro rapazola fora de prazo que, perante a Dominatrix de Sousa, mostrou que tem mais graça quando anda armado em conquistador das dúzias do que quando, inutilmente, tenta parecer credível. Por isso, aceitem o meu conselho: fiquem por aqui em vez de descerem ao post que se segue. Aquilo de que ali se fala não se aproveita para nada.

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