quarta-feira, janeiro 03, 2018

A prima pasteleira -- e o efeito AXE




Para não estar com rodeios: à falta de assunto, fui à arca do costume. Não que não tenha assuntos. Tenho. Só que não me apetece. Para escrever sobre um tema tem que haver uma convergência astral entre a natureza do tema e o meu estado de espírito. Ora acontece que aquilo sobre o qual talvez pudesse escrever requereria uma outra concentração e dedicação que neste preciso instante não está presente. Ainda no outro dia. li, dito por escritor encartado, que, antes de escrever, o que mais faz é procrastinar. Não me comparo com essa pessoa, claro está, para percebo o conceito. Em contrapartida, há temas da actualidade sobre os quais poderia depositar a minha pena.


Mas não tenho pachorra. Tudo me parece banal, desinteressante. Claro que isto é coisa minha pois temas bizarros é o que não falta. Por exemplo, poderia falar dessa grande descoberta sexual, a sologamia. E se isso teria que se lhe dissesse. Mas para comentar uma filosofia de vida que assenta num conjunto de bacoradas teria que ter uma ligeireza de espírito que hoje também não me assiste. Pelo menos, por enquanto. Talvez lá mais para as quinhentas esteja no ponto. Por enquanto, ainda não.


Portanto, lá fui, como quando era pequena e ia visitar uma prima da minha avó que, sem filhos e, logo, sem netos, e sem outra ocupação que não a de ser uma simpática dona de casa, tinha enveredado pelo entretenimento de fazer bolos. Tinha verdadeira arte. Começou por tentar fazer pastéis de nata, depois doces de ovos moles e foi por aí fora, de experiência em experiência. Senhora de gostos refinados, muito elegante e muito simpática, para surpresa geral acabou por fazer disso um negócio. As principais pastelarias da cidade tornaram-se suas clientes. A família e a vizinhança ficou pasmada: não passava pela cabeça de ninguém que uma pessoa como ela, casada com um senhor tão importante e sem quaisquer necessidades materiais, fizesse bolos para vender. Mas ela nunca quis saber disso. 

Então, quando eu vinha da escola para ficar em casa da minha avó até ser hora de os meus pais me irem buscar, volta e meia ia lá bater à porta dessa prima que morava uma rua abaixo da da minha avó. Ela gostava muito de me receber ou pelo menos assim eu o percebia. Morava numa moradia bonita, muito bem decorada. Cheirava sempre a doces delicados, a forno suave. E, então, ela conduzia-me à cozinha e oferecia-me alguns bolinhos.


Claro que eu não me denunciava em casa. Mas se ela encontrava a minha avó ou a minha mãe, com naturalidade dizia que eu lá tinha estado em casa. A minha mãe e a minha avó passavam-se: que parecia mal, que jeito tinha eu ir lá, estando mais do que na cara que ia para ela me dar bolos, que era uma vergonha essa pedinchice. Não me lembro como reagia mas lembro-me que interiormente pensava que era o que faltava deixar de dar o prazer das minhas visitas à prima. Ainda me lembro bem daqueles bolinhos tão bons, frequentemente ainda mornos. Não tenho ideia de alguma vez lá ter ido e que não houvesse bolinhos.
Tinha olhos claros e apanhava o cabelo atrás, no que se chamava 'banana', e um nome que a mim me soava como extraordinário. O marido era simpático, silencioso, sempre sorridente. Apoiava-a naquela sua ocupação e quando se reformou, transformou-se no ajudante dela, já que as encomendas não paravam de crescer. A vizinhança olhava com estranheza aquele casal: ele, de quadro dirigente duma importante empresa, tinha passado a ajudante de pasteleiro. Nada que os incomodasse, pelo menos do que me lembro de ouvir dizer em casa. E era ele que a conduzia quando ela ia levar os doces às pastelarias. Ela não tinha carta de condução, o que de resto era relativamente frequente, naquele tempo, entre mulheres. Mais tarde, ele teve aquilo a que sempre ouvi referir como 'trombose'. Ficou inválido. E ela, sem conduzir e sem o seu 'motorista', teve que deixar os seus bolinhos para vender. A minha mãe contava-me que ela tinha envelhecido muito. Até que foi um e, pouco depois, o outro. Ficou, para mim, apenas esta memória.
Mas adiante. Isto apenas veio a propósito. Assim, agora, quando vou bater à porta do youtube: nunca venho de lá de mãos a abanar.

Hoje, tinha este anúncio. Como todos os anúncios da AXE, este aqui abaixo é também obra. 



E esta fantástica compilação aqui em baixo. Até a nossa bela Sara Sampaio aqui aparece. 
Que publicidade bem engendrada, senhores...!


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As fotografias meio abstractas que usei a enfeitar o textúnculo, as que têm uma etérea esfera, mostram imagens de gelo e neve e, convenhamos, são tão bonitas que aqui até são mal empregadas.

Lá em cima, as bailarinhas fazem de pequenos cisnes do Lago dos Cisnes.

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