terça-feira, julho 04, 2017

Julho. Dia de calor.
Reportagem fotográfica na praia.
[E outros faits divers tais como a minha 'elegância' estoicamente conquistada e a deposição das espadas à porta do Marcelo]


Dia de calor abrasador. No domingo, tivemos que ir para a beira do mar. Mas, em dias de confusão e enchente, gostamos de sentir o mar com algum distanciamento. Para já, evitamos horas ou percursos que augurem dificuldade nas manobras de retirada. Desta vez, em concreto, optámos por passear cá em cima, no paredão. Uma hora de caminhada, o sol quente que queria ferver na pele a ser atenuado pela leve brisa que subia das águas -- e eu, de câmara fotográfica em punho, a registar o ambiente.

Como é sabido, sou comedida nas minhas reportagens e, por isso, embora os motivos que solicitam a minha atenção sejam mais do que muitos, contenho-me e ignoro os físicos aparatosos, as mais evidentes manifestações de quase nudez, os muito gordos, os muito magros, os muito exuberantes, os muito marretas, a senhora com um cão ao colo que era exactamente a cara dela, a beldade de salto de agulha e perfume chamativo que parecia que ia para um cocktail no sunset, etc, etc.

Limito-me, embora contristada com a minha auto-censura, ao normal e, se possível, de forma que não se identifiquem as pessoas. Mas, ainda assim, gosto de fotografar. Vejo melhor quando vejo através da lente. Parece que a minha visão se foca no detalhe que fixa o momento. Mas pode ser apenas impressão minha. Só que, ainda assim, é uma impressão boa. Passo, vivo o momento e registo-o, como se o tempo, por um instante, se detivesse para ficar vivo para todo o sempre.




Ao longe, o Bugio, os pequenos veleiros, o azul. Um amigo meu ia de barco para a praia do Bugio, gostava de lá estar. Era ele e as gaivotas. Apanhava sol, mergulhava. Não sei se ainda terá o barco. Se calhar tem e, se calhar, ainda foge para lá para se esquecer das agruras do dia a dia. Pelo menos lá não há dramas, pressas ou espanhóis a moerem-lhe a paciência.


Numa das pontas, o cenário é o que abaixo se vê. E eu, vendo tamanho enxame, pergunto-me se serei mesmo humanista. Humanista no sentido de colocar o homem no centro da doutrina. Se calhar acho que sou e sou mas é um bicho do mato. É que, confesso, gosto muito de pessoas mas desde que guardem alguma distância de mim e que, mesmo que ligeiramente afastadas, na minha vizinhança não haja uma grande concentração delas. Não suporto ter o meu espaço invadido por humanos. Incapaz, mas mesmo incapaz, de estar com gente deitada ao meu lado, de, para ir para a água, ter que andar a ver onde ponho os pés não vá pisar a pança reluzente e bronzuda de algum cavalheiro. Não posso. Nem suporto ouvir as conversas todas de toda a gente nem consigo falar sabendo que a irmandade inteira vai ouvir o que digo.

Vejo uma praia pejada de gente e dou meia volta. Neste caso não ia para a praia, estava simplesmente a passear mas, até de longe, sinto ânsias. As sombrinhas coladas umas às outras e, de pé, junto à água, um formigueiro humano que me causa brotoeja.

Mas isto sou eu. Não estou a dizer que não seja bom. Eu é que sou assim, bicho pelos vistos solitário, bicho que precisa de largueza e que almeja o silêncio. 


Abaixo, uma coisa em que reparo sempre que observo pessoas na praia: há casais que são metades que se completam. São fisicamente afins, partilham gostos, maneiras de estar. Gosto de observar como os anos de convivência moldam fisicamente os casais. Dizem que também os cães ao dono mas isso deve ser por outra razão.


Outra coisa que gosto de ver e que me faz sentir sempre algum desejo de experimentar é isto do paddle board. Parece que quem o pratica caminha sobre as águas. Parece que o fazem sem esforço, com uma serenidade que dá inveja. Uma inveja não branca mas azul que é das melhores que há. Inveja azul não é pecado, é virtude.

O azul parecia uma pintura de Cesariny, daquelas das linhas de água com que as pessoas engraçavam, pedindo-lhe sempre que ele as pintasse. E ele, trocista, pintava e recebia uns cobres.

E, portanto, sobre uma tela de Cesariny, ali andava o homem, tranquilamente passeando, envolto em azul.


Algumas pessoas preferem outras modalidades. Surf ou body board. As meninas do surf têm fama de ser bonitas e, de facto, quando se vêem algumas nos seus fatos coleantes, são atraentes: mulheres da água, quase sereias. 

O meu filho fez body board. Nunca mais vi o fato dele, deve tê-lo levado. Durante anos, ali estava aquele fato gigante, escuro, pendurado no chuveiro da casa de banho pequena que ninguém usa. Quando lá entrava, assustava-me sempre: parecia que estava ali um homem pregado à parede.

(Agora que perdi seis quilos e dez centímetros de perímetro abdominal*, tenho que aqui confidenciar: vesti um fato de banho e pasmei com a elegância. Uma cinturinha de que já não havia memória. Capaz de ficar uma sereia vintage se me ornamentasse com um fato como este aqui abaixo, em alface viçosa. Mas a minha filha diz que, nisto da demanda da elegância suprema, ainda tenho caminho pela frente e a minha própria mãe, este mesmo domingo, apertou-me a cintura, mais concretamente o que remanesce do ex-pneu e sentenciou: ainda pode sair mais. Tive que avisá-la que calma aí, não tenciono ficar esquelética, não faz o meu género, parece que tenho que ter qualquer coisa de Rubens para me sentir formosa)


Um pouco mais à frente, uma mesa redonda de surfistas. Concentraram-se no meio do mar e ali estavam à conversa. Devia estar-se bem ali, nem devia sentir-se o calor. Parece uma boa ideia para fazer reuniões. Bem melhor que estar numa sala sem janelas, a respirar ar condicionado. Com tanta coisa que inventam para nos sentirmos felizes no trabalho e ainda não se lembraram desta tão óbvia: reuniões com os pés de molho, sentados sobre pranchas, a meio do mar.


Depois, no paredão, algumas pessoas em contra corrente. Escrevi contra corrente e fiquei a olhar. Parece que havia um r a mais, que devia escrever conta-corrente. Mas não. Uma conta-corrente humana não sei o que seja.

Outra confidência -- que hoje estou assim, desbocada --: um dia talvez me torne repórter. Neste caso em concreto, fiquei cheia de vontade de ir meter conversa com estas pessoas aqui abaixo, conhecê-las, saber o que andavam ali a fazer, de onde vinham, o que achavam das praias.


Ou esta mulher bonita, aqui em baixo, que ali esteve o tempo todo, eu à ida, eu à vinda, e ela ali, olhando a praia: estaria a ver alguém em concreto lá em baixo ou na água? Ou estaria apenas absorta, a apanhar sol ou a ver o mar?

Se eu chegasse ao pé dela e lhe dissesse: 'Posso conversar consigo?', que me diria ela? Assustar-se-ia? Se eu lhe perguntasse: 'Posso fotografá-la de frente? Posso fazer-lhe perguntas?', o que me diria ela? Que fosse chatear outro? Ou gostaria?

Não faço ideia porque se alguém fizesse isso comigo tenho muitas dúvidas sobre o que faria. Provavelmente seria função de quem me abordasse. Mas não sei. Também não interessa, ninguém ousa fazer isso.


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Mas, portanto, apesar do calorão, não pus o pé na areia e tomei banho foi na minha banheira.

E a reportagem não passou disto.

[Mentira. Passou. Eu é que não mostro. Não posso. Compreendem, não é?]

E queiram, por favor, continuar a descer

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Como se vê pela toilette,
esta beldade não sou eu
A propósito da dieta, levanto a ponta do véu. Hidratos de carbono, zero. Açúcares só os naturais, das frutas, por exemplo e com conta, peso e medida. Contudo, hoje foram dizer-me que havia bolos na copa e aí vou eu, água na boca, a dar, sem hesitações, uma facada na dieta, e a despachar uma miniatura dulcíssima em três penadas. Mas, em geral, levo o tema com disciplina luterana. Por exemplo, agora estou a escrever e está aqui um cheirinho bom ao guisadinho que acabou agora de fazer, já pronto para o jantar de amanhã: frango do campo estufado (com cebola, alho, salsa, louro, tomates, feijão verde -- e, bem entendido, sal e azeite). E o caldinho que se formou hei-de aproveitá-lo à colher. Mas batatas, arroz, massa ou pão: bola. Viste-as. E já deixei um ovo cozido para o pequeno almoço de amanhã que comerei com beterraba cozida, espargos, salada de alface, tudo temperado com um fio de azeite. Depois umas ameixas. E um café, claro. Um longo que é por causa das coisas.

A verdade é que, para o passeio acima descrito, vesti um vestidinho às flores em tons de verde e turquesa, justinho, amplamente decotado e sem costas -- que não me cabia há um bom par de anos. E o que eu gosto de poder aproveitar a roupa de antanho... é que, parecendo que não, o guarda-roupa viu-se, de repente, generosamente ampliado. Até uma camisinha de manga curta, de que eu gostava imenso, um tecido fininho em verde água com uma gola que é um amplo folho plissado sobre o decote em bico, e que não vestia acho que desde que os miúdos eram pequenos, me cabe. Bem fiz eu em não me separar dela. Nunca nos devemos separar daquilo de que muito gostamos, seja roupa, seja gente, seja sonho. Ou recordação.

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E, já agora, uma vez que vem a despropósito, sobre aquilo das espadas à porta do Marcelo, só uma coisinha que me faz espécie: os senhores oficiais, farão uma marquinha para as distinguir quando as forem recuperar? Ou para eles tanto dá, espada é espada, e tanto faz ser a do Comandante Manelinho como a do Tenente Coronel Joaquinzinho? 


E as prima donnas não gostaram que uns quantos fossem temporariamente exonerados enquanto durar a investigação, foi? Ui... Deixaram roubar aquela tralha toda e devíamos assobiar para o lado a fingir que não tínhamos dado por nada para não incomodar as excelências? Ora, ora. Só espero que o Marcelo apareça lá para os mandar ganhar tenência:  'Ó faz favor! A ver se se enxergam. Vamos lá a raspar daqui para fora, ó suas amélias, e a levar as espadas que não quero material cortante aqui à porta. Xô!'.

Ou, se é para o gesto ter impacto, os senhores militares indignados não entreguem só as espadas, que as espadas, a bem dizer, não são de grande serventia: entreguem também os sapatos e as meias e as calças e saiam dali em cuecas e descalços. Isso, sim, era lindo. E ponham o boné com a pala para trás para ficarem armados em putos grandes, uma coisa verdadeiramente na base dos putalhões, todos zangados, todos mauzões, a marcharem dali para fora, indignadões e lindões, de Belém até ao Padrão das Descobertas. Até eu lá ia para fazer uma selfie com eles. E logo ali organizaria um concurso: Mister Militar Indignado. O que obtivesse mais votos receberia de presente uma espada, até porque, segundo ouvi dizer, a virilidade de um militar está na espada. Por isso, as querem grandes e lustrosas. Às espadas, bem entendido.

[Estão a ver porque é que este meu santo blog tem mesmo que ser anónimo...? Vai que o meu familiar (próximo... muito próximo...) que é general lia isto...? Como é que eu podia continuar em segurança...? Ainda acabava, euzinha, de castigo, encafifada dentro de uma inestética farda, a suar por todos os poros e a fazer de sentinela em Tancos... Livra!]
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E tenham, meus Caros Leitores, uma terça-feira muito feliz.

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