Só mesmo para dizer que tem dias em que odeio as segunda-feiras. Pior ainda se for Verão, estiver fartinha de muita coisa e vierem querer que eu tenha paciência. E se, para ajudar à festa, quiserem remoer, remoer, remoer, conversa que parece de bubas que não se cansam de repisar. E eu, a ranger mentalmente os dentes, capaz de virar a mesa, e do outro lado que não estão a perceber -- e toma lá com mais cinquenta dúvidas -- e eu, já nos meus limites, a querer abreviar tamanha impresciência; mas eles que não, que não estão confortáveis com a explicação, e eu nas tintas, mas nas tintas, caraças, para o desconforto deles, que se vão confortar ou desconfortar para casa da prima que eu quero lá saber disso. E eu a sentir que mais um pestanejar deles e o caldo fica completamente entornado e eles sem perceberem o risco que estão a correr.
Em dias assim, ao começar, eu rogo para que ninguém me dirija a palavra. Rogo assim: afasta de mim o género humano, afasta. Entro, cumprimento e sigo não vá alguém querer fazer simpatia. Enfio-me no gabinete e espero que ninguém se aperceba da minha existência. Ansiando que haja um simulacro e toda a gente se evacue do edifício para fora, aguardo que a costa esteja livre para ir buscar um café. Mas há quem se arrisque -- ainda antes que eu, ao menos, disfarce a matinal e natural antipatia com a cafeína -- e meta a cabeça à porta. Como andei na catequese, guardo o ensinamento de que não devo fechar a porta deixando a cabeça de um lado e o corpo do outro; ou seja, facilito -- mas nem encaro. Continuo a olhar o computador esperando que o aventureiro perceba que está em risco e bata em retirada. Mas há os afoitos. A esses não consigo disfarçar e fingir que quero tratar bem. Pior, ainda, se me enfrentarem e fizerem ar de quem não está para sair dali sem uma resposta. Não corre bem e, para além da paga na hora, não escapam de vingança retardada. Não levo afronta para casa, em especial em dias de segunda-feira aguda.
Mas a coisa pode sempre ser pior. Se eu, ao almoço, puder espairecer, pode ser que, na parte da tarde, possam cruzar-se comigo sem correrem sérios e generalizados riscos. Agora quando algum desinfeliz envia invite para logo a seguir ao almoço, sem me dar tempo livre para esvaziar a bilís, aí, então, a coisa transcende. É muito mau. Almoçar a correr, atravessar a cidade a correr e, ao chegar ao meeting, em vez de dar de frente com uma mesa vazia, encontrar a sala cheia e gente motivada, cheia de questões -- é do pior. Mau. Muito mau, mesmo. Gente motivada em dias destes é coisa insuportável. Em dias assim. o mais que suporto é que me façam adeus de longe. Mas não. A tarde toda. Até às quinhentas. E logo ali, tanta a motivação, um plano de acção. E eu a espumar, cada minuto seguinte da minha existência logo ali a ser planeado, como se eu suportasse tal afronta. Coisa horrorosa, tudo. Trabalhar, aturar gente de manhã à noite, e não ter um minuto para respirar entre cada picada de melga. Uma violência. Tento não mostrar, guardar-me, tentar ficar na moita. Ou seja: mal abro a boca e, quando abro, é para mostrar que não sou das que ladram, que é melhor fugirem logo. Mas não. Arriscam-se muito.
Do pior. E não estou a contar nada. Não gosto de carpir.
Terça-feira outro dia de cão em perspectiva. De tarde, lá, na mesa cheia -- eu a guardar a fúria para altura mais oportuna, para quando puder atirar-me directamente à jugular -- o telefone sem som, só a reluzir e a estremecer, as chamadas e as sms a chegarem. E eu, de olhos semi cerrados, varada, a fingir que não via. Não se aguenta tamanho assédio em dia de segunda-feira. Depois mails e mais invites. Portanto, terça-feira vai começar-me o dia igualzinho a segunda. Acho que vou escrever uma faixa e colar na testa: Já chega de projectos, desafios ou trabalhos urgentes, críticos ou interessantes. Abaixo os e as melgas. Tragam-me massagistas, preparadores de sumos tropicais, tragam-me piscinas portáteis, trovadores, podologistas, osteopatas, cabeleireiros. Até rompo e dieta e aceito pasteleiros. Qualquer coisa. Tudo menos executivos motivados. Isso é que, por favor, não.
Mas não tenho essa sorte. Portanto, depois de um massacrante dia que transpirou segunda-feira por todos os poros, já aí está outro em perspectiva. Um cansaço. Não se aguenta.
Um Post Scriptum infantil para acabar em beleza a ver se regresso ao espírito de domingo
No domingo, à mesa da festa de anos do bisa, todos conversavam e, na altura, deitaram-se a adivinhar a idade da bisa. Às tantas falaram da outra avó de um deles e pergunta o de quatro anos e que era o mais novo antes do bebé nascer: Mas essa ainda é real?
Espanto geral. Real? Mas como real?
E ele: Se ainda existe...
Logo todos: Rapaz... Disparate. Claro que existe. Está viva, queres tu dizer. Que coisa, rapaz...
_____________
E, um bocado depois, para a bisa: Porque é que tens assim essas peles no pescoço?E o pai, logo atalhando: Este gajo... sempre inconveniente. E puxou-o, fazendo com que a criança desse uma cabeçada na porta.
Veio a bisa, contemporizadora: Deixa-o lá. Quer perceber. Faz muito bem. Olha, a avó explica: as pessoas mais velhas têm a pele assim, assim como os perús, estás a ver?
E ele, circunspecto: E também ficam com o nariz assim como o dos perús? E fez o gesto de nariz pendurado.
E a bisa: Ai... isso espero que não, credo....
_____________
Quanto à última jericada do láparo, nada a dizer. Aliás: nada a fazer. Dali nunca há-de nascer nenhum pinto ou ideia luminosa. Só boutades e papagaiadas mal vertidas para conversa de gente normal. Desta vez a coisa saíu-lhe pior mas quantas têm passado despercebidas só porque não são tão chocantes....?
A única coisa a fazer é esperar que adormeça e que, enquanto isso, os outros lhe passem a perna. Ou pode ser que adormeça desprevenido e venha o gato.
Temos pena.
______________________________________________________
[Ilustrações de Norman Rockwell.
Antes, fotografias feitas in heaven]
________________________________________________________
Mas pronto. Para isto hoje não ser só prosa vagabunda, remato com um pouco de poesia e uma que, como convém, tem uma mensagem. E com tanto mais significado quanto é dirigida, entre outros, a um coelho. Não que o tema do poema tenha a ver com a toca infeliz em que o nosso tão bem conhecido láparo fez questão de se enfiar a propósito dos incêndios mas, enfim, também não se pode ter tudo.
"A Cursory Nursery Tale" de Ogden Nash (lido por Tom O'Bedlam)
_________
E uma boa terça-feira a todos
(e que a minha não me chegue com laivos de segunda-feira, pleeeeaasseeee)
_____________________