segunda-feira, junho 26, 2017

Construir uma ilha, viver em liberdade



Regressada à cidade depois de um bem vivido fim de semana no campo, e passando, no regresso, por mais uma festa de anos na qual estive rodeada por risos, carinho, doçuras e diabruras, tive, à chegada a casa, naturalmente, uma série de deveres a cumprir -- que isto de me entregar à vida como uma boa selvagem, sem horários nem compromissos, é coisa que, apesar de me ser cara, nunca consegue durar mais do que umas escassas vinte e quatro horas e é quando é.

A semana de trabalho está a recomeçar e, nesta altura do ano, o corpo a pedir descanso e a impaciência a dar mostras de estar sempre à espreita, é sempre com algum esforço que deixo para trás os meus horários desordeiros e os meus hábitos desalinhados para entrar num mundo em que os desvios à normalidade não são bem aceites.


Andar descalça em casa e na rua, ler ou escrever pela noite dentro, andar a apanhar orégãos ou alecrim sentindo o sol a pousar suavemente na pele de todo o corpo, andar em silêncio a espiar gatinhos no mato quando a noite cai ou coisas assim, que fazem a minha felicidade, terão que ser substuídas pela vivência asséptica num escritório, e eu terei que me entregar com uma energia na qual agora me custa a acreditar à análise de resultados de empresas, à partilha na tomada de decisões relativas a negócios e a outras ocupações que são também parte da minha vida.

Quem, durante a semana, me vê de saltos bem altos, maquilhada e perfumada, integrada naquele ambiente, não imaginará talvez que sou outra, completamente outra, quando posso estar à solta, em contacto com a natureza, entregue apenas à concretização das minhas vontades. E, no entanto, é também com naturalidade e motivação, que exerço a minha profissão. Portanto, jamais saberei se seria feliz se a minha vida tivesse seguido um rumo completamente diferente. Se vivesse uma vida alternativa -- sem patrões, sem estar integrada numa organização estruturada em hierarquias, sem horários que não os que eu própria me definisse -- sentir-me-ia igualmente realizada? Não sei.


Conheço uma pessoa que é investigadora e que se organizou para trabalhar a maior parte do tempo a partir de casa. Os tradutores podem também fazê-lo. Um colega do meu filho, investigador também, coisa que lhe dá margem de liberdade, dedica-se, em paralelo, à agricultura. Uma amiga da minha filha, designer, lançou uma linha de roupa para criança e agora gere o seu próprio negócio, com costureiras, a partir de casa. Quando penso neles, penso que dispôem de uma liberdade que desconheço. Mas não sei se isso seria, para mim, garantia de plenitude.

Não sei. Apenas poderei dizê-lo quando me reformar. Aí verei se me entrego ao dolce fare niente e a ser uma boa selvagem, se arranjo mil e uma ocupações alternativas (e tenho umas ideias peregrinas em mente), ao voluntariado, à política, se vou viajar pelo mundo. Ou o quê.

Seja como for, sabe-me bem observar formas de vida alternativas, à margem, no limiar da liberdade total.


Esta noite não me apeteceu acabar já o meu folhetim, parece que fico sempre com alguma pena de me despedir dos personagens que me nascem. Era para escrever o último episódio, tinha que ver que nome lhe ia dar -- comecei por pensar num nome que obviamente não podia ser, depois pensei chamá-lo 'Memórias de L.' e agora estou inclinada para lhe chamar 'L., aquela a quem um dia alguém chamou la femme infidèle'. Mas essa da femme infidèle aconteceu comigo, a mim é que uma pessoa, o vice presidente de importante multinacional, um francês enorme e intimidatório apesar de imensamente charmoso, num dia de fúria, chamou isso e assim passou a chamar mesmo quando a fúria lhe passou. As suas chamadas, de Paris, começavam sempre com essa, o meu nome seguido de la femme infidèle. Mas como eu sou uma e a Lu -- tal como antes a Diana ou a Ana ou a Eva ou a Lídia ou todas as mulheres das minhas histórias -- são outras que não eu, talvez seja melhor não fazer misturas.

Mas, portanto, dizia eu, não me apeteceu pôr já hoje um fim à história. E, assim sendo, depois de ter adormecido e acordado, pus-me a ver as fotografias que fiz no fim de semana -- das quais volto, agora, a partilhar algumas -- e, a seguir, entretive-me a ver alguns vídeos que têm a ver com diferentes formas de viver. 


O vídeo que agora partilho convosco, o terceiro de hoje, é outro que acho fantástico. Catherine King e Wayne Adams, um casal de artistas, resolveram, na margem de um rio que fica a cerca de 45 minutos da cidade mais próxima, construir uma ilha. Vivem numa casa feita à mão por eles, sobre uma ilha feita à mão por eles. E há um estrado para dançar, uma galeria de arte, um jardim. E é uma maravilha. Há vinte e quatro anos que ali vivem. E, do que se vê, vivem felizes, em absoluta liberdade. Isto passa-se no Canadá mas podia passar-se em qualquer outro lugar do mundo porque vivem isolados, entregues a si próprios.



Em liberdade numa ilha só deles



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A quem chegou agora aqui, permito-me aconselhar os dois posts que se seguem por conterem dois vídeos que, pelo menos eu acho, são extraordinários. Já aqui abaixo a história de um homem sem braços que, juntamente com um amigo cego, já plantaram mais de 10.000 árvores.

De lá poderão descer para o outro onde mostro o compositor que imaginou uma sinfonia que desafia a eternidade.

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