quarta-feira, abril 20, 2016

Isabel dos Santos, BPI, Santoro, CaixaBank, Ulrich, parcialidade, falsidade, bruá-á, bruá-á.
E, perante um certo nervoso miudinho que se sente nos corredores da pedinte finança portuguesa, qual a indústria que floresce?
A indústria dos comentadores, pois claro. Magotes.
Mas eu já não tenho paciência, juro.
Por isso, se me permitem, vou ao baile. Bailemos.


De repente, escasseando o capital onde antes ele circulava em abundância, há como que um impacientar, um mal disfarçado nervosismo entre todos quantos aí se movimentam.

Uma coisa é um ciclo expansionista, liquidez à espera de lugar para ser parqueada, e outra é o contra-ciclo, o petróleo a desvalorizar, os fundos sob suspeita, o país sob resgate, credores a bater o pé, um regime há muito sob suspeita, um cerco que parece querer apertar-se.

Os animais, mesmo os mansos, quando se sentem feridos ou ameaçados tornam-se perigosos, traiçoeiros.

A bela Isabel dos Santos, sorriso doce e covinhas no rosto, promete dar luta e, atrás dela, estão os amigos de seu pai. Em Portugal, por todos os lados onde ela andou a deixar o seu dinheiro, teme-se: e se ela...? e se isto dá mesmo para o torto?



Assim estamos. Depois de termos caído, cegamente, nos braços do capital angolano, agora estamos receosos, já ensaiando mesuras, prontos a baixar a nossa dúctil coluna, vergando-nos, se necessário for, aos pés dos senhores do poder. 

Um dia talvez também estejamos assim perante o capital chinês. Tantas empresas importantes nas mãos de capital chinês, angolano. Ou brasileiro. Ou de fundos. Tanto dinheiro que tem entrado, na verdade sem que dele se conheça a verdadeira proveniência, tanto dinheiro que comprou os destinos de tanta gente em Portugal.

Não foi apenas coisa dos anos de governação de Passos Coelho. Há quanto tempo Portugal se pôs a jeito? Há muito, sobretudo desde o tempo de Cavaco primeiro-ministro. A economia posta em seco, no estaleiro, a definhar, a troco de mãos cheias de moedas para fazer rotundas, pavilhões multi-usos, formação de faz de conta, parvoíces nas quais os portugueses são exímios quando os videirinhos tomam as rédeas.

Não foi só com ele, mas, de facto, muito se passou nestes tristes anos de Passos Coelho. Com que pressa se despachou a Cimpor para logo de seguida ser desmantelada? Com que pressa se despachou tudo, de qualquer maneira? Chamam-lhes conquistas, os senhores de Bruxelas que temem que este Governo ponha em marcha retrocessos num caminho que acham tão louvável. 
Conquistas? Os trabalhadores com menos direitos, milhares de pessoas num desemprego de onde dificilmente sairão? Conquistas, isto? Deserções, sim, rendições, também.
As verdadeiras reformas não foram feitas e não será fácil fazê-las com os cães de fila de Bruxelas à perna. Um país permanentemente adiado, uma economia desamparada, sem energia para se levantar -- isso é que é.

No meio disto, tal como perante as infindáveis sessões das Comissões de Inquérito a que abaixo já me referi, as televisões rejubilam e refloresce a indústria dos comentadores a granel. Poderia a coisa refinar-se, pescarem apenas os muito bons. mas não, vai tudo a eito. Os comentadores em Portugal viraram commodity
Expulsam um treinador num jogo qualquer: de imediato saltam dezenas de comentadores para os balcões das televisões. 
Os deputados no Brasil votam o impeachment em nome da mãe, do filho, do clube, do gato e do piriquito: boa. Mais cinquenta comentadores repartidos pelos vários canais. 
O Banif foi parar ao Santander sem se perceber como? Jackpot. Comissão de inquérito em directo e em diferido e comentadores em permanência. 

Os Panama Papers envolvem o Júdice e o Rendeiro? Ui. Ponham no ar os dois ao lado um do outro, de sobretudo, afamados a bastados, e que mais trinta macaquinhos e quarenta papagaios venham opinar sobre o caso. 

Ai, a Isabel dos Santos roeu a corda? Melhor ainda. Até salivam. Caem das árvores mais umas dezenas deles, cri cri cri, cri cri cri.

E não tarda o Pedro Santos Guerreiro fará um vídeo, e o José Gomes Ferreira, o João Vieira Pereira e o Ricardo Costa naqueles seus números de travesti, despirão o fato de jornalistas (que já pouco ou nada são) para se apresentarem, doutorais, a parlar de alto sobre os sucedidos.

Face a este lindo panorama, dizer o quê? 

Nada. Não me apetece dizer nada. Zero. Farta desta indigência. Vou mas é dançar. Venham também.



Apetece-me, isso sim, recordar umas noites de há mil anos atrás, uns bailes à noite no recreio da escola, cordas cruzadas com papelinhos coloridos e recortados a enfeitarem, a fazerem como que um grande telheiro rendilhado, o recinto enfeitado com luzes às cores, a minha mãe muito elegante, alta, com vistosos vestidos floridos e rodados, o seu cabelo muito louro, saltos altos, o meu pai desportivo, elegante, sempre pouco exuberante, as amigas da minha mãe todas muito bonitas e alegres. Juntavam mesas, juntavam-se em volta das mesas, conversavam, riam. Por vezes havia petiscos. Bifanas. Caracóis. Camarões. O que eu adorava aquilo, aqueles cheiros, o apetite que me dava toda aquela energia. Comiam, conversavam, a música muito alto.

E os filhos todos. Eu e muitos outros meninos e meninas. Eu também com vestidinhos bonitos, sandálias, talvez tranças ou, então, cabelo apanhado em cima, um laço a condizer com o vestido.

Debaixo do verdadeiro telheiro do pátio estava o palco. Cantavam, tocavam. Tenho ideia que havia sempre concertina. Eu gostava tanto. Os meus pais iam dançar, os amigos também. 

E eu e os meus amigos também. Ou isso ou brincarmos às escondidas. Ou corrermos. Mas eu gostava de dançar. Por vezes, o meu pai pegava-me ao colo e dançava comigo e eu ficava toda contente. Ou pegava-me ao colo e eu dançava entalada entre ele e a minha mãe. Ou os meus tios solteiros e amigos da farra. Que orgulho quando se punham a dançar comigo.

Por vezes, os meus avós também iam, o meu avô contrariado, e, por isso, pouco depois de volta a casa, ele dizia que tinha que se levantar cedo. A minha avó viúva também ia. Sempre fez questão de mostrar que o seu coração continuava preso ao meu avô mas eu via nela uma mulher bonita, jovem, com vontade de viver. Mas nunca cedeu. Não dançava. Mas conversava, ria, dizia graças. Se algum homem, por brincadeira, fazia menção de a tirar para dançar, ria-se como se o gesto fosse um gracejo, e não aceitava. Ficava na conversa com outras mulheres, tenho ideia que com outras viúvas.

Eu gostava de ver os homens, geralmente os jovens e solteiros, atravessarem o pátio e, sorridentes, sentindo-se uns valentes pela ousadia, irem pedir para dançar as jovens que se juntavam em mesas, tímidas, ansiosas, sorrindo cúmplices, talvez com medo de que ninguém as quisesse e que ficassem abandonadas o resto da noite. 

Íamos muito tarde para casa, os meus pais e os amigos conversando animadamente, a minha mãe de braço dado com o meu pai, eu e os meus amigos felizes por nos irmos deitar tão tarde.

Foi há tanto tempo. Talvez na província ainda haja destes bailes no verão, talvez a alegria ainda seja a mesma. Nas cidades acho que já não há, assim, com famílias, com crianças. Mas tenho que procurar pois, se os houver, quero ir. Apetece-me dançar para espantar tanto mal.

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As imagens são das campanhas publicitárias Dolce & Gabanna.

Ali em cima, era o Duo HuuBér, Bér Donkers & Huib Hölzken, alegremente interpretando uma Musette.

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E, caso ainda não tenham visto a cena do Detector das Mentiras que muito vivamente recomendo para as sessões públicas do Big Brother das Comissões de Inquérito Parlamentares, aceitem o meu convite e continuem, por favor, a descer.

2 comentários:

Corvo Negro disse...

Texto espetacular.
Escrever é de facto uma arte que só bafejou alguns (poucos). Pena eu não ter sido um deles. Partilhei.

PS. Ontem foi dura com o Solar dos Zagalos. Eu moro pertinho e aquele espaço tem muitos eventos culturais.

Um Jeito Manso disse...

Olá Corvo Negro!

Muito obrigada. Veja lá se eu o levo a sério e fico para aqui toda vaidosa....

Não fui dura com o Solar dos Zagalos, fui dura para quem não revitaliza aquilo e não consegue ter uma programação que o faça viver a sério. Um ou outro evento não chegam. Aquele lugar tem que ter sempre gente lá dentro, tem que ser um lugar 'habitado'. Era domingo e estava vazio.

Mas olhe, tem sorte em morar lá perto. E isso significa que mora perto de outros lugares muito bonitos.

E uma vez mais: muito obrigada.

Um bom dia!