quarta-feira, dezembro 31, 2014

As gravações do Conselho Superior do GES nas quais de ouve o que se passou naqueles dias de medo e horror que precederam a resolução do BES: o símbolo perfeito do que foi este ano de 2014.







Não quero falar do que de mau e estranho aconteceu em 2014, nem quero fazer balanços nem selecções. A minha memória não mo permite e a minha natureza não me puxa para o passado.

Mas sei que foi um ano estranho, em que a dissolução parece ter acometido parte da sociedade portuguesa. Prisões e julgamentos em catadupa e sempre aquela sombra de exagero, de judicialismo que assusta, um Estado que parece estar a ser tomado por dentro pelo que existe de mais medíocre, mais perigosamente moralista. Aquilo que eu tomava por borra parece ter-se alcandorado ao estatuto de nata. Uma nata feita de borra infecta.


Há pouco a televisão revelava as gravações das reuniões de Conselho do BES, a família ali toda representada, os Espírito Santo dos cinco ramos reunidos em torno de uma hecatombe que, qual tsunami, avançava na direcção deles, tudo derrubando à sua passagem. 


Ouvem-se vozes aflitas, sente-se o medo, um pavor gelado, um império a ruir sem que eles o pudessem conter. Está na hora de pôr o Moedas a trabalhar, diz um, e Ricardo Salgado liga-lhe e ouve-se a chamada. E a voz de Ricardo Salgado, o líder em quem os outros confiavam, sente-se quase trémula. Antes ele tinha contado de um processo que lhes estava a ser movido no Luxemburgo, diziam que podia ser o fim, ele dizia que eram más notícias, a voz mal escondia o medo. E, de novo, ele ao telefone, desta feita para Carlos Costa que nem sim, nem não, e sabemos agora que, sem o assumir, já estava a lavar as mãos. Na altura em que ali se reuniam sem saberem já como salvar o grupo e o seu bom nome, eram já, sem que o soubessem, um grupo de condenados.

E eu, enquanto os ouvia, senti vergonha. Vergonha por eles. Sinto a vergonha que devem sentir quando ouvem as suas conversas, o seu estertor, a ser difundido para o mundo inteiro, nas televisões. Que tenham gravado tudo para depois transcrever e melhor fazerem as actas ainda vá que não vá. Agora que alguém tenha pegado nisso e oferecido ou vendido às televisões e jornais parece-me abjecto. 

Penso com nojo no traidor que, tendo ali estado, vivendo por dentro aqueles momentos de pânico, foi a seguir vender ou oferecer esses momentos que deveriam ficar na intimidade de quem os viveu. Uma abjecção.

Que a TVI divulgue esse material acho menos grave já que reconheço que é matéria que, inegavelmente, tem interesse jornalístico. Mas há no acto de vender aquelas vozes uma indignidade, uma sujidade moral, que me incomoda. 

Todos quantos têm passado pela Comissão Parlamentar e confessado que não sabiam nada do que se passava não devem estar a faltar muito à verdade. Muita da alta gestão é feita assim, na ignorância, confiando que alguém há-de saber o que está a fazer. Até ao dia em que alguém não sabe ou age de má fé. E ninguém dá por nada porque não estão lá para ver balancetes, balanços, extractos, análises de pormenor. Estão lá para fazer lobby, para mover influências, para patrocinar, para socializar - não para trabalhar. E depois a nobreza, a legítima e a presumida, tem destas coisas, parece que todos os bens lhes são devidos e que são inesgotáveis. Não sabem acautelar, vigiar, prevenir. 

Receberam com quase indiferença os milhões que os contribuintes iam pagando a mais (dos submarinos e sabe-se lá de que mais) como se fossem prebendas que lhes fossem devidas, o povo a pagar aos nobres. Mas tudo feito desmazeladamente, com excesso de confiança. E não é de espantar, sabem que a justiça está a mando de outros igualmente desmazelados. 

Uma sociedade em que as elites são assim, desmazeladas, incultas (e temos ouvido como mal sabem falar) de vez em quando derrapa para o charco, é natural.

São as elites que temos, nada a fazer.

Até que se assista a um rigor maior a nível político (e não se confunda rigor com prepotência, e não se confunda competência com palavras soltas coladas com cuspo, e não se confunda determinação com cegueira), empresas com as do GES, incluindo o BES, ou a PT ou outras que ainda por aí andam, correm o risco de a todo o momento poderem estourar. 

Um regime politicamente avançado que potencie a boa estratégia, a saudável gestão, que impeça habilidades fiscais, que premeie o fogo de vista, saberá impulsionar a qualidade a todos os níveis e vigiar as que assentam em fogo de palha.

Agora isto... Traições, denúncias, sabujices, gáudio pelo mal alheio, invejas, intrigas. Tudo isso só revela uma sociedade doente. E disso eu não quero falar.

Prefiro continuar a acreditar que somos um país com muitos séculos de história, que da nossa ancestral raiz seremos capazes de descobrir o resto da seiva pura que nos há-de, um dia, fazer crescer com orgulho. Quero acreditar que, apesar de parecermos um país de velhos agarrados a uma história que parece nunca nos ter conseguido ensinar nada de frutuoso, temos ainda em nós a capacidade e a vontade de nos reinventarmos, temos em nós a sede de liberdade que nos há-de levar à nossa verdadeira independência e soberania.




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As fotografias são de Beth Moon e mostram árvores muito velhas e muito belas.


Interpretada pela orquestra Divino Sospiro e pela soprano Eduarda Melo, a música é um excerto do concerto “Jommelli, Gluck e Avondano: 300 anos do nascimento" 

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1 comentário:

António Lino disse...

Desejo um Bom Ano Novo de 2015 para si, para a sua família e para o UJM. Nós estamos bem. Reformámo-nos,saímos da linda e barulhenta Lisboa, e mudámos, definitivamente, de armas e bagagens para cá da Fresca Serra de Sintra.A praia com nome de fruta e, também, conhecida pelas "NEBLINAS MATINAIS",é o nosso Heaven. Quanto ao blog da Teresa-Tita, mudou de nome.O nome próprio não é o a da mãe de Dom Afonso Henriques mas, sim, o da heroína de Dante.Se visitar esta zona não se esqueça de trazer os seus "Pimentinhas" para visitar o Museu do Brinquedo de Sintra e, como amante da literatura, visite a "Casa Museu" de Ferreira de Castro que é uma delícia.Entre vários objectos tem lá um que me deixou inrigado; um embrulho de papel pardo lacrado, e, que com a letra do escritor, só pode ser aberto, salvo erro, em 2041.É muito difícil, mas não impossível, este casal estar no mundo dos vivos. Pensamos que deve ser matéria amorosa que o autor quis proteger. A minha " OUTRA METADE DO CÉU" desconhece este comentário. Agradeço a sua discrição. Não desista. Portugal precisa de si.A sua máquina digital vai gostar desta zona. Aconselho as estações da Primavera e, sobretudo ,a do Outono com as folhas doiradas dos plátanos. António M....l R...e Lino. O novo blog, simples e despretencioso, está nas palavras deste têxto.