quarta-feira, junho 25, 2014

O que o meu país faz aos seus melhores. Camões, Fernando Pessoa, Ruy Belo, Ruy Cinatti. Por exemplo. A palavra a Pedro Paixão que fala também do seu amigo Miguel Esteves Cardoso. Ao som do homem que diz adeus, Bernardo Sassetti. O sol a reflectir-se num espelho quebrado.


O post que se segue a este é um post triste. Vi Isaltino Morais, velho e magro, a sair da prisão e isso fez-me impressão. De que valem tantas vitórias e tantos ganhos quando há o risco de se passar por isto?
A seguir falo da entrevista de António Costa na SIC com a beldade que veio do frio, Ana Lourenço.
E, mais abaixo ainda, falo de António Costa e de Tó-Zero inSeguro enquanto festejavam o S.João a norte, cada um em sua margem, um rio de diferenças a separá-los.

Mas isso é a seguir.

Aqui, agora, a conversa é outra. Muito outra.


O homem que diz adeus






Cada pessoa é um mundo feito de memória, a mais subtil de todas as matérias e, no entanto, a única que verdadeiramente existe.

O que é certo é que este meu país deu cabo do meu amigo. O génio do meu amigo foi esmagado, obliterado, esquecido por este país.

O meu país é um país que não reconhece o verdadeiro valor, não gratifica a excelência, e mal suspeita de alguma coisa original, logo, estranha, esmaga-a.

Camões morreu pobre e desolado. Provavelmente sem ter tido sequer a sorte de ter tido um único amigo, como eu tive.

O Pessoa, que viveu de quarto em quarto, foi morrer com o fígado trespassado a um hospital com nome francês que está no Bairro Alto e, ao que se diz, a última frase que se lhe ouviu foi em inglês que a disse I do not know what tomorrow will bring, para tirar as dúvidas a quem as tivesse.



O Ruy Belo, um magnífico poeta, foi um herói desprezado primeiro pela academia fascista e, depois, pela academia democrática.

O Ruy Cinatti, um poeta entre os maiores, enlouqueceu com a revolução dos medíocres e presumidos cravos, que entretanto desapareceram como espécie.

Eu só não me deixei esmagar porque não tenho valor algum em particular, nunca tendo chegado a ser o que queria, que é o que acontece a grande parte da gente, senão a toda a gente, que habita o meu país.

O meu país só reconhece os génios depois de estarem bem mortos e enterrados, de forma a já não poderem ofuscar nenhum dos irrisórios entes que tendem a demorar a morrer e gerem a chamada cultura nacional.


Aliás a maior manifestação cultural do meu país é o futebol, um jogo que se joga principalmente com os pés, uma manifestação que não só esmaga todos os desportos à sua volta como todas as outras manifestações presumivelmente culturais.

O Fernando só foi plenamente reconhecido quando começou a dar dinheiro, por assim dizer, e, passada uma eternidade de estar sepultado no cemitério dos Prazeres, as entidades culturais decidiram mudá-lo para o Mosteiro dos Jerónimos, do outro lado onde deviam estar os ossos de Camões, mas não há nada, a ele que explicitamente escreveu nada haver de mais estúpido do que a Igreja Católica.

Do último exíguo quarto onde foi morrendo devagar, fizeram, abusando do seu nome, uma casa de vários pisos onde decorrem as mais variadas manifestações culturais. Algo de intensamente agoniante, diria mesmo lúgubre, uma verdadeira falta de respeito pelo poeta, e pela essencial carência da poesia.


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A música é O homem que diz adeus pelo trio Bernardo Sassetti com ele no piano (música escolhida por Beatriz Batarda na Antena 2, ao ser-lhe pedido uma música especial do Bernardo)


As fotografias são do americano Bing Wright e representam o pôr do sol reflectido em espelhos partidos.

O texto abaixo do vídeo é da autoria de Pedro Paixão in 'Espécie de Amor' do qual foi mais ou menos extraído o título deste post.


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Relembro: por aí abaixo encontrarão mais três posts, todos relativos à actualidade 
(por esta ordem: o magro Isaltino, o seguro Costa, o inseguro Tó-Zero)


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E, por agora e sem ser capaz de rever tanta conversa, por aqui me despeço.
Tenham, meus Caros Leitores, uma boa quarta feira.

1 comentário:

Olinda Melo disse...


Bom dia, UJM

Comecei muito bem o dia, vindo aqui ler este seu post que nos traz grandes verdades sobre os nossos poetas que só valem alguma coisa depois de mortos. Já para não falar de outros valores que só depois de reconhecidos no estrangeiro têm alguma valia por cá.

Não desço mais abaixo porque o dever chama-me, mas concordo consigo sobre a nossa triste condição humana se não procurarmos valorizar-nos através de boas acções e elevados pensamentos.

Bjs

Olinda