sexta-feira, abril 25, 2014

25 de Abril de 2014 - quarenta anos depois da madrugada que tanto esperámos, aquele dia inicial inteiro e limpo onde emergimos da noite e do silêncio. Agora que, livres, habitamos a substância do tempo, não deixemos que noite escura e fria nos volte a enterrar em vida.


Já aqui contei sobre o meu tio-avô que vivia na clandestinidade e que aparecia e desaparecia misteriosamente e que, para desgosto da minha avó, sua irmã, não teve a felicidade de ver chegar a madrugada limpa pela qual tantos tanto esperaram. 

Quem vive como vivemos agora, em liberdade, dificilmente imagina o que eram os tempos sombrios antes do 25 de Abril de 1974. Os jovens que hoje não se interessam pela política não sabem da espada sobre o pescoço que era a guerra ultramarina para a qual eram mobilizados a não ser que fugissem do país e vivessem exilados. Tive colegas que, por defenderem a melhoria das condições de ensino, o direito à liberdade de expressão e o fim da guerra, foram expulsos da universidade.

E queria-se livros e não os havia, pois a censura impedia a sua distribuição, ou queria ver-se alguns filmes de que se ouvia falar e cuja divulgação em Portugal era proibida, e, se a vontade de os ver era muita, ia-se a Badajoz.

Coisas cuja importância é relativizada por quem não as sentiu na pele ou não conheceu pessoas que relatem na primeira pessoa esses tempos que não devem ser esquecidos para que não deixemos que regressem. Coisas de somenos. Ou talvez não. 

Os meus filhos são relativamente politizados mas a minha filha disse-me ontem uma coisa que me deixou tão surpreendida que nem reagi. Dizia-lhe eu que tencionava ir para a rua, para o Largo do Carmo, e responde-me ela que, se não fossem os miúdos, ia também porque deve ser giro, uma cena revivalista.

Ou seja, mesmo para uma pessoa informada e que cresceu a ouvir falar de política, andar na rua no 25 de Abril, o Movimento dos Capitães, o Largo do Carmo, tudo isso é visto como uma cena revivalista, uma coisa gira, retro.


Mas não interessa: que seja por convicção, que seja por reinvenção da forma de valorizar a liberdade e o direito à igualdade de oportunidades, que seja por que for, seria bom que os jovens não tomassem a democracia como um bem adquirido mas, sim, como algo de precioso pelo qual vale a pena lutar, estar atento para que não aconteçam retrocessos. E seria bom que reconhecessem a rua como o lugar de cidadania no qual todas as vontades devem ser manifestadas.

A vida de um País é naturalmente cheia de períodos bons e de outros para esquecer. O período que estamos a atravessar é destes últimos: para esquecer. Um período negro, em que os actuais governantes, parecem possuídos por uma doentia sanha destruidora relativamente a tudo o que o Abril de há 40 anos nos trouxe. Sem dó nem piedade esta gente ataca o ensino público, a saúde pública, o direito à dignidade, o respeito pelos direitos acordados com as pessoas, destrói o caminho do desenvolvimento e do conhecimento, afasta os jovens e afronta os velhos.

Fogo de Artifício às 0 horas do dia 25 de Abril de 2014

Os portugueses são naturalmente dóceis (naturalmente ou fruto do jugo férreo do tempo do salazarismo que os habituou a não protestar, a tudo aceitar com humildade, com mansidão) e, por isso, este bando de amadores (rodeados de uma garotagem arrogante, insuportável, em grande parte igualmente néscia, que os assessora) tem conseguido tão facilmente arrasar o País e dar cabo da vida dos portugueses.

Mas há-de haver o dia em que os portugueses vão acordar, pôr-se de pé e lutar pelo direito a um futuro construído sobre um terreno de esperança.

Abril é um bom mês para renascer. 

Que a esperança renasça, que a vontade de lutar renasça, que a força renasça - até porque nossos são todos os caminhos.


Grande painel com o rosto de Salgueiro Maia sob o Arco da Rua Augusta


Bravos homens estes que se puseram a caminho desde Santarém para virem resgatar a capital
de um regime opressivo, atrasado, provinciano
Bravo homem este com um rosto doce que revela simplicidade, generosidade

Nunca lhes agradecermos o suficiente
por virem de madrugada devolver-nos a inteireza pela qual tanto esperámos.

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Esta é a madrugada que eu esperava 
O dia inicial inteiro e limpo 
Onde emergimos da noite e do silêncio 
E livres habitamos a substância do tempo.

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Fragata no Tejo (em frente a Sta Apolónia) e a caminho do Terreiro de Paço em Abril de 2014

(tal como na manhã de 1974 quando se preparava para interceptar as forças revoltosas mas, felizmente, não o fazendo e permitindo uma entrada 'limpa' dos tanques e chaimites no terreiro do Paço)



A minha nora enviou-me o link para um artigo do Público que fiquei com vontade de transcrever, da autoria de Tiago Matos Silva que é antropólogo, doutorando e investigador. Penso que traduz bem o que tentei dizer acima. Ilustro com fotografias da exposição alusiva ao 40º Aniversário da Revolução que está patente no Terreiro do Paço.



25 de Abril: o meu é, obviamente, o próximo


O meu 25 de Abril é um problema. É um problema porque eu nasci dois anos depois da revolução dos cravos e o meu 25 de Abril é feito de imagens de arquivo, cortejos apaziguados Avenida da Liberdade abaixo e histórias fragmentadas de família.

O 25 de Abril é dos meus pais como o fascismo foi dos meus avós: Salazar não me sugere nem rigor financeiro duma casa bem gerida nem cultura de excelência no ensino; Salazar para mim é a sardinha dividida por seis irmãos da minha avó Adília, é o meu avô Artur em Jacarepaguá durante 20 anos, é a escrita insólita de quem nunca foi à escola da minha avó Belandina, é a cama sempre quente que o meu avô Diamantino partilhava com outros trolhas beirões num quarto em Lisboa, é o meu tio António João em Angola a defender um Portugal de Minho a Timor (de que não conhecia o Minho, quanto mais Timor), é a rede que separava rapazes e raparigas no liceu da minha mãe, é o meu pai a comprar livros e discos proibidos por debaixo da bandeja e a descer aos saltos as Escadinhas do Duque para fugir à polícia que reprimia um 1º de Maio ainda ilegal.

Salgueiro Maia comovido,
mordendo o lábio para não chorar,
depois de ver que podia avançar com as tropas sobre o Terreiro do Paço

Maia Loureiro fazendo o sinal de vitória

(fotografia de Eduardo Gageiro)

Mesmo o 25 de Abril e o PREC, se extirpado da história que li, desagua no meu pai a tentar ver-se na multidão a preto e branco das imagens do Carmo, no meu avô a explicar ao piquete que vai caçar e não apoiar o Spínola no 28 de Setembro, na minha mãe à varanda a ver passar os caças do 11 de Março; são entusiasmos e aflições deles, foi e é a vida deles: dos que estiveram no Carmo e no primeiro 1º de Maio, dos que foram à Fonte Luminosa “defender a democracia”, passando pelos que tentaram “educar a classe operária” e se viram ultrapassados pelo 25 de Novembro.










Em casa houve de tudo

Carro de combate e militares aguardando no Terreiro do Paço

(fotografia de Alfredo Cunha)

Lá em casa houve de tudo: democratas e saudosistas do salazarismo, católicos progressistas e crentes na “primavera” marcelista, retornados e marxistas-leninistas; e às vezes a mesma tia foi à vez, em momentos diferentes, coisas que nos parecem inconciliáveis. E se isto é História tal como o saudoso Le Goff a definia: “Lá onde está a carne humana é onde está a nossa caça”, não deixa de ser um longínquo país estrangeiro para a minha geração, alimentada a música pop e aspirações europeístas, que cresceu sem perceber muito bem as diatribes raivosas que despertavam Soares ou Rosa Coutinho, a confundir o Salgueiro Maia com o Otelo, sem perceber exactamente quem era o Barreto da Reforma Agrária dos murais descascados, perdida entre vinte cincos de Novembro, onzes de Março, vinte e oitos de Setembro e vinte e oitos de Maio.

E no entanto, quanto mais se explora este passado exótico, mais próximo ele nos aparece do nosso presente; numa oposição paralela da mensagem dos espelhos dos carros: em vez do “objects in mirror are closer than they appear” o que aprendemos é que os objectos estão bem mais próximos do que parecem.

E estão mais próximos não só porque é a vida dos nossos pais e dos nossos avós, não só porque “Abril não se cumpriu” ou porque as continuidades com o antigo regime às vezes assustam, ou porque os portugueses, novamente aflitos, recomeçam a cantar a “Grândola”. 

Estão mais próximos porque a tensão basilar que animava os resistentes de ontem: a tensão entre os que vêem no "status quo" o melhor dos mundos possíveis e os que acreditam na humanidade como algo para além da soma do medo e da ganância dos humanos, se mantém. 


Estrelas luminosas num céu ao rubro
Cravos para Abril


E é por tudo isto que o meu 25 de Abril é, obviamente, o próximo.


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Venham e tragam outro amigo também


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Os Filhos da Madrugada e Traz outro amigo também são da autoria e interpretados pelo Zeca Afonso.

O poema (em itálico) é de Sophia de Mello Breyner Andresen

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Desejo-vos, meus Caros Leitores, um excelente dia 25 de Abril.

11 comentários:

LSR disse...

Um feliz 25 de Abril para si, e mesmo que não nos conheçamos, estaremos ambos juntos amanhã no Largo do Carmo.

Um Jeito Manso disse...

Olá Luís Miguel Rosa,

Lá estaremos, então.

Há bocado, debaixo do fogo de artifício, comovi-me, pensei que era bom que a força do fogo entrasse no corpo de toda a gente e toda a gente viesse para a rua lutar pelo direito ao seu destino.

Lá estaremos, pois.

25 de Abril é uma data cheia de sonhos e somos responsáveis por mantê-los vivos.

Tété disse...

Que se confirme este dia pelo qual tanto esperaram os nossos avós, os nossos pais e nós mesmos, que crescemos sem poder exprimir o que sentíamos e privados de tudo o que nos interditavam a "bem da Nação".
E esperemos que o nosso país rume a um futuro que permita aos nossos filhos e netos viverem e crescerem em dignidade.
Um dia feliz para si e família e VIVA O 25 DE ABRIL!!!!!!

Anónimo disse...

O que é agradável nestas comemorações de rua do 25 de Abril (as da A.R nada me dizem), é ver gente de todos os estratos sociais e de diferenres grupos etários ali a conviver juntos, a passear juntos, a comemorar juntos. O 25 de Abril, felizmente, não morreu para muita gente. Quer no que foi, para quem o viveu à época (como eu e muitos outros), quer para quem o vive hoje, nasceu depois dele, como muitos outros e outras. E ao passarmos pelo que hoje se passa, sob o jugo de um governo desumano e anti-social, não admira que muita gente tenha decidido sair á rua para o festejar, pacificamente. Cujos espectáculos foram muito bonitos.
Quanto à juventude cá no seio da família, fico algo chocado, quer com o total desinteresse, quer sobre a pouca informação que têm. Dos dois filhos, ambos gente com alguma cultura, um, hoje a viver fora, há já algum tempo, o 25 de Abril é-lhe completamente indiferente. O outro, mais politizado (embora mais novo), lá vai seguindo o que se passa, com algum interesse (embora relativo). Já quanto aos sobrinhos/as, a coisa é deveras confrangedora. Não só possuem pouca informação sobre a data (como é isto possível?), chegando, nalguns casos, a ser caricato o que julgam “saber”, como se estão completamente a marimbar. Mas, marimbam-se totalmente também para a política, sem terem sequer uma qualquer ideia do que este governo faz, decide, pretende, etc. Nem querem saber. As conversas deles e delas são ou sobre futebol, ou sobre idas ao Algarve, sobre amigos, sobre carros, sobre novas tecnologias (tlm, Ipods, ipads, androides,etc), conversa de facebook, alguma coisa, pouca, sobre os trabalhos, sobre as noitadas, enfim, muitas vezes, de um vazio inacreditável. Quando vão ao estrangeito, não aproveitam para ver uma exposição, nada. E, a maioria nem sequer vota, ou votou antes. Não querem saber. Num caso, o casal assume o oportunismo político (um inscreveu-so no PSD, outra no PS, exclusivamente para efeitos de melhor singrarem nas suas vidas profissionais privadas, ligadas a empresas de consultadoria, ou de advogados). No caso deles, rapazes, não deixaram de estar nos tais festejozitos do Benfica, no Marquês, mas querem lá saber se há mais desemprego, se a economia está mal, se há miséria, se se comemora o 25 de Abril! Gente num grupo etário entre os 22 e os 34 anos! Espantoso. Falar com eles sobre determinados assuntos é inútil. Vivem a vida dia a dia, com horizontes curtos relativamente a essa mesma vida. Querem apenas: um emprego, ou mantê-lo, dinheiro, carros, estar actualizado quanto ás tais novas tecnologias. E não lêem. Não compram livros. Gente da classe média cujos pais vivem bem. Alguns prolongam até o estarem em casa dos pais (“para quê mudar? Um dia se verá!”). Uma tristeza. Mas a realidade, pelo menos aquela que me é mais próxima. E é assim.
P.Rufino
PS: Ainda sobre o 25 de Abril, gostaria de sublinhar a minha, de sempre, especial admiração por Salgueiro Maia. Pela sua contribuição nessa data e pela forma como soube depois afastar-se da ribalta.

ERA UMA VEZ disse...

Querida Jeitinho

Tenho saudades suas e tanto para lhe contar.
Hoje não é dia para isso. Apenas para lhe dizer que a vida traz de tudo.

Notícia do Público: O filme A CAÇA REVOLUÇÕES de MARGARIDA REGO será apresentado amanhã na Culturgest antes de rumar a CANNES onde está seleccionado na sua categoria.

Já lhe falei muito da minha irmã Carmo que partiu antes de tempo. Viveu intensamente Abril, foi militante do MES depois do PS e esteve desde a Faculdade sempre na linha da frente.

Imagine como estará feliz e orgulhosa da sua filhota Margarida.

Abraço grande.

lino disse...

Pela minha parte tentei que a minha filha, apesar de apenas ter nascido 8 anos depois, absorvesse os ideais de Abril, e creio que consegui. Ela e alguns amigos visitas frequentes cá de casa.
Beijinho

Anónimo disse...

O 25 de Abril marca a queda de um regime ditatorial e totalitário, regime este que não caiu do céu aos trambolhões, mas que surgiu dos escombros da anarquia e desgoverno total da falida primeira república. Não desejo nem um nem outro para o nosso querido país, embora receie que nos estejamos perigosamente a aproximar novamente do segundo.
A liberdade e democracia que vivemos só a devemos ao 25 de Novembro.
Acho que seria muito importante também não esquecer o que sucedeu após o 25 de Abril, as nacionalizações, os saneamentos, uma autentica caça à bruxas em que milhares de portugueses tiveram de fugir do país.
Já para não falar da organização terrorista das FP 25 liderada por quem…….
É bom não esquecer… ou saber a história….

Pôr do Sol disse...

Querida Jeitinho,

Mais uma vez sinto minhas as palavras deste seu post.

Tal como o seu comentador P.Rufino choca-me a falta de interesse de grande parte da nossa juventude pela cultura e historia de Portugal.

Contudo ainda fico mais chocada e revoltada com declarações de algumas figuras publicas que chegam a ser obscenas de tão más.

Entre muitas outras asneiras, Vasco Pulido Valente disse numa entrevista: Não devemos nada aos Capitaes de Abril ZERO.

Será que é da idade? Como historiador não reconhece o valor daqueles militares, que tudo arriscaram?

A homenagem que se faz a Salgueiro Maia nunca será suficientemente grande.

Quando penso que Cavaco Silva lhe recusou a pensão de sangue e depois à viuva, com duas crianças...

Bob Marley disse...

só para pides as pensões - http://davidlfurtado.wordpress.com/2014/01/03/cavaco-silva-o-presidente-da-vergonha/


e foi esta figura 2 vezes 1.º ministro e 2 vezes PR em democracia (que nunca mais acaba, este mandato)

Bob Marley disse...

http://www.tretas.org/CavacoSilva

Anónimo disse...

É caso para pensarmos: onde errei?

http://veja.abril.com.br/blog/augusto-nunes/historia-em-imagens/as-palavras-de-ruy-barbosa-completam-a-descricao-da-paisagem-politica-brasileira-pela-voz-de-rolando-boldrin/

GG