No post abaixo falo de algo que apenas à primeira vista parece turvo. Olhando bem, tudo parece estranhamento claro. Refiro-me às medidas que a cobra venenosa Crato, na moita, vai tomando. Às suas mãos um dos mais importantes pilares da democracia, a Educação, ameaça ruir.
Mas isso é a seguir. Agora, a conversa é outra. Agora é uma conversa boa.
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Diane Arbus (1923-1971) era uma fotógrafa americana que gostava de fotografar pessoas pouco comuns. A originalidade poderia consistir em ser diferente da maioria (por ser anão ou gigante ou ter feições estranhas) ou por ser não singular, mas duplicado (ou triplicado).
Uma das suas fotografias mais conhecida é das meninas gémeas. Iguais. Mas uma sorri e outra mostra-se algo céptica, parece querer sorrir mas não ver grandes motivos para isso.
Ter um casal de meninas iguais em casa deve ser algo bizarro, deve ser como ter uma e o seu clone, não sabendo qual o original e qual a cópia. Mais estranho ainda por saber que afinal são duas diferentes apesar de iguais.
Mas mais bizarro será se as meninas tiverem qualquer coisa de estranho, como se fossem raras, de outro mundo.
A minha amiga M., que descobre coisas extraordinárias, enviou-me o link para o site de uma jovem fotógrafa checa, Tereza Vlčková, onde se podem ver coisas fantásticas. Algumas fotografias parecem pinturas de Magritte. Outras apresentam o mesmo tipo de estranheza que atraía Diane Arbus.
De todas, a que mais me impressionou foi a de duas meninas com grandes olhos, duas meninas muito bonitas, de uma beleza quase irreal.
Há qualquer coisa nelas que perturba, não sei se a rara beleza se a maturidade do olhar.
Há qualquer coisa nelas que perturba, não sei se a rara beleza se a maturidade do olhar.
Imagino-me a andar, à noite, num jardim desconhecido, não haver luz eléctrica, eu a sentir-me insegura, tentar ver no escuro apenas com a luz do luar mas pouco mais conseguir descortinar do que vagos vultos, ouvir roçar sem ver de onde vem o som, ouvir miar lá para trás dos arbustos mas não saber se, de facto, era miar se era gemer, e, ao dar alguns passos, ver a meia altura quatro olhos a brilhar no escuro. Aflita, pensaria, o que será? não são gatos porque os gatos andam no chão...
Depois ouviria uns risinhos de criança, talvez uns risinhos inocentes, talvez perversos, e uns olhinhos começariam a saltitar. E eu aterrorizada sem saber o que seria aquilo.
Com sorte viria a electricidade e uma lâmpada no jardim acender-se-ia, permitindo-me então ver duas meninas iguais, mesmo iguais, a saltarem à minha frente.
E uma das meninas olhar-me-ia com estranheza como se estranha fosse eu, tão irremediavelmente vulgar. A outra menina ignorar-me-ia, como se tivesse o olhar fixo num qualquer pensamento longínquo, presa ao passado, um passado com mais de cem anos.
*
Mas hoje tinha mais presentes dos meus queridos Leitores na minha caixa de correio. Dois livros que irei ler aos poucos, um mais depressa que outro, A arte de amar, já que o outro será mais para consulta, um livro de economia.
Mas recebi também vídeos de Poemas de Herberto Helder ditos por Fernando Alves, enviados por Cine Povero. Cine Povero, um nome com que simpatizei de imediato. Fui ao You Tube e vi os seus vários filmes de poesia dita, belas escolhas, bela música.
E, então, dei com este que vem um pouco a calhar com a fotografia das gémeas checas. "As Musas Cegas de Herberto Helder, poesia dita por Luís Lucas na antologia / CD editada por Gastão Cruz, «Ao Longe os Barcos de Flores» (2004)". O vídeo foi realizado por Cine Povero e tudo o que lá consegui ver é de muito bom gosto.
Deixem-se ficar a ouvir e a ver, por favor. Estou a ouvir enquanto escrevo e estou encantada, os pequenos vídeos vão passando de uns para outros e é um poema contínuo, várias vozes, vários poetas. Que feliz que estou. Agora estou a ouvir os sinos a tocar, um cão que ladra, pássaros, uma beleza. Agora entra a Natália Luiza a dizer Eugénio de Andrade. Estou maravilhada. E continua. Muito, muito bom.
Se ela um dia adormecer com cerejas junto ao pequeno
respirar, e sonhar
estes imensos arcos que os séculos vão colocando
sob os astros - e se de tudo
a sua cabeça estremecer como numa loucura,
com altos picos em volta, com enormes faróis
acendendo e apagando - escuta: se essa criança
imaginar, e todas as cordas se juntarem tensamente
para que ela invente o seu próprio rio
sem nome -
será ainda que do meu sangue se erguem finas
raízes, e o tenebroso tumulto
das minhas sombras
está no fundo, no fundo da sua ingénua vida,
da sua terrível vida sem remédio.
*
Já sabem: os assuntos desagradáveis vêm a seguir. Temos que acordar e dar um grande murro na mesa, é o que vos digo. Desçam até ao post seguinte para verem do que falo. Mas depois, por favor, voltem à beleza dos filmes do Cine Povero. A vida é o que a gente faz com ela: não podemos baixar os braços, tal como não podemos ignorar as coisas belas que nos são oferecidas.
*
E, por hoje, fico-me por aqui que esta sexta feira tenho um dia que é daqueles dias cheios de reuniões, umas coladas às outras, em que trabalho de sol a sol ou mais que isso.
Tenham, meus Caros, uma bela sexta feira.
Arranjem maneira de se sentirem muito felizes, está bem?
Arranjem maneira de se sentirem muito felizes, está bem?
1 comentário:
Eugenio de Andrade é um dos meus poetas. Ainda hoje recordei alguns dos seus poemas gravados nos bancos do jardim à beira mar junto a Belem.
Ter gemeos deve ser complicado.
Por muito iguais que sejam, têm sempre algo diferente.
Nunca me passaria pela cabeça vesti-los de igual. Contudo gosto de ver irmaos de igual mas com cores diferentes.
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