domingo, junho 16, 2013

Quando eu fui professora; eu e as burocracias; a 'cena' das avaliações - coisas sem interesse de maior -; e a prima da minha prima e a justa luta dos professores [e, para nos acompanhar nesta minha conversa, Kiki de Montparnasse por Man Ray]


Há uns anos, na altura de Maria de Lurdes Rodrigues, não me identifiquei com o alarido que veio do lado dos professores. Pareceu-me uma luta excessiva para o que estava em causa, as avaliações. O método poderia não ser o melhor mas a ideia em si, a de avaliar o desempenho dos professores, parece-me normal, aceitável.




Eu sou ferozmente anti-burocracia. No desempenho das minhas funções raramente tomo apontamentos, eu própria não guardo papéis (as pessoas que trabalham comigo, por força das suas funções, guardam alguns mas isso é lá com eles). 

Ao contrário dos meus colegas que, quando mudam de instalações (e as vezes que eu  e os da minha idade já mudámos nem dá para acreditar), têm caixotes e caixotes, eu tenho para aí uns dois e uma parte é com tralha que não tem a ver com trabalho (uma pedra que apanhei numa praia, uma caixinha de alumínio com a imagem do Fernando Pessoa, uma peça de madeira de que gosto, uns quadros, coisas assim). 

De todas as vezes que mudei, aproveitei para deitar coisas fora de que ainda não tinha tido coragem de me desfazer em vezes anteriores (dossiers relativos a projectos feitos com o acompanhamento do Banco Mundial, reestruturações acompanhadas pela Mckinsey, outras pela Boston Consulting Group, outras feitas internamente, outros trabalhos que me marcaram, etc - tudo para o lixo. Passado. Lugares a que não vou voltar. Tanta e tanta coisa que foi ficando para trás. Para quê guardar provas disso? Lixo.)




Quando vou para reuniões vou eu e nada mas que eu. Não vou com computadores, não vou com dossiers, a maior parte das vezes nem a caneta encontro na carteira. Os meus colegas vão com brutas pastas, carregadas nem sei de quê, outros abrem os portáteis e ali estão e eu chego e até me sinto mal, parece que vou a passeio. Se calha discutir-se algum assunto que me parece relevante, ainda peço uma folha e escrevo meia dúzia de palavras. Quando chego a casa e vejo uma folha na carteira, já nem me lembro do que é e, quando vou ver, já me parece irrelevante - e lixo com ela.

O que é importante fica-me na cabeça: não me esqueço, ponho em marcha, acompanho. O que não retenho é porque não merece ser retido e, portanto, para quê acumular papéis, apontamentos, actas?




Antes de trabalhar no mundo empresarial para onde entrei mal acabei o curso, tinha dado aulas durante dois anos e picos no ensino secundário (entre o na altura chamado bacharelato e a licenciatura que, na altura, era composta de 5 anos lectivos). 

Quando acabei a licenciatura, muito por influência da minha mãe que achava que ser professora era o máximo (ela era professora), concorri para o estágio e fiquei colocada na escola que queria. Mas apenas lá estive até ao final de Outubro, data em que entrei para a empresa. Mas aqueles dois meses de estágio foram um suplício: planos de aulas, planos e fichas de aulas, nem sei. Tudo aquilo me parecia uma chachada, uma aberração contra-producente. Eu, que sou uma intuitiva, de ir para onde a intuição me leva, achava que aquilo violava a minha natureza. Não via a hora de me livrar daquilo. O orientador de estágio era, para mim, uma pessoa limitada. Os meus colegas de estágio ainda mais limitados eram. Todos achavam normalíssimo ter que preencher tanta papelada, e olhavam para a minha repulsa como se eu é que fosse anormal. Não me via metida naquele filme. Foi a minha primeira experiência burocrática.




Depois, na empresa, sempre tive a liberdade de funcionar à minha maneira.

Contudo, há uns anos, depois de ter fugido disso durante muito tempo, não tive como escapar às avaliações.  Aqui que ninguém me ouve, digo-vos que acho isto das avaliações, na forma como as fazemos e na forma com grande parte das organizações as faz, uma treta. 

Mas não posso fazer vingar a minha ideia, tenho que me sujeitar a seguir o método adoptado. Avaliar é importante mas deve ser feito de uma forma quase intuitiva e deve ser monitorizado por quem tenha grande conhecimento de causa - nunca por burocratas, que têm uma visão administrativa da coisa.




Mas este mundo não é perfeito. 

O que faço eu então? Aligeiro, aligeiro, aligeiro até não me dar quase trabalho nenhum. E aproveito a ocasião, isso sim, para falar com cada um dos meus colaboradores e dizer-lhes, francamente o que penso deles: que se deixam entusiasmar por ideias novas e se marimbam para o que tem menos interesse e que isso não pode ser, que gostam de se exibir e que eu, mais do que estrelas, gosto de quem trabalha bem em equipa e puxa pelos outros, que são pouco pró-activos e que eu preciso que me dêem ideias e não de ter que andar a ter ideias pelos outros, etc. Esse é o verdadeiro momento de avaliações para mim, aquele em que discuto, de forma aberta e adulta, o que acho do desempenho de cada um dos meus colaboradores, tentando que melhorem. O resto do acompanhamento é feito no dia a dia. Antes de falar com eles, na altura das avaliações, preencho umas fichas e chego a um valor para cada um, que lhes transmito. Regra geral concordam comigo. Sou capaz de levar um dia nisso. E é tudo.

Eu própria sou avaliada e aí a coisa ainda é mais sui generis. Então como é que se classifica? Então e na visão estratégica acha que merece quanto? Eu digo que, o que ele disser, está bem. Ele diz o mesmo. Depois eu digo que ele me deveria poupar a cenas deprimentes. E ele lembra-me que tem que ser, pelo que o melhor é despacharmos o assunto. Farto-me de rir e ele também. Quando saio, nunca faço ideia de quanto é que tive 'no exame'. É-me indiferente. 




Não me revejo no método. No entanto, uso-o - mas à minha maneira. No entanto, tenho colegas que preenchem écrans, folhas de cálculo, sei lá. Queixam-se, lamuriam-se, mas para ali estão - no fim, sem qualquer valor acrescentado, trabalho para o boneco. Eu não me queixo, aquilo não me dá trabalho que se veja, acaba por ser útil. Não estou para me ralar com o que não tem importância.

Quando foi a guerra das avaliações dos professores, ouvi falar em excesso de burocracia. Seria certamente possível adaptar. Não era caso para uma guerra daquelas.

Caso bem diferente é o que se passa agora. Depois dos cortes de ordenados, da subida de impostos, a forma aviltante como os professores são tratados, esta cena do horário zero, podendo ser atirados para a mobilidade e depois para o desemprego, o aumento da carga horária, a desvalorização de matérias que deveriam ser pilares do conhecimento e do desenvolvimento humano, tudo aquilo me fere - é muita maldade, muita iniquidade, muito maquinação. Tudo junto é insuportável.




De facto, há, na forma como este desGoverno trata os funcionários públicos, qualquer coisa que me agonia. Não sendo eu funcionária pública e trabalhando bem mais de metade do ano para impostos e contribuições, não posso, ainda assim, deixar de achar indispensável que haja uma função pública respeitada, qualificada, dignificada. Ter bons professores, bons médicos, bons agentes de segurança, bons gestores da coisa pública em geral, parece-me indispensável e todos nos deveríamos orgulhar da sua qualidade e motivação.

País que se preze deve zelar por que a sua população tenha acesso livre e gratuito a tudo o que serve para garantir o seu bem estar e desenvolvimento. E todas as pessoas que contribuam para isso devem ser olhadas pelos outros concidadãos com respeito.




Hoje, em casa dos meus pais, estivemos a falar disto. O meu tio falou de uma sua sobrinha (prima da minha prima, mas não minha prima) que, depois de andar de escola em escola, de concelho em concelho, foi colocada numa das nossas ilhas, onde, pensando assentar, comprou casa. No entanto, depois voltou a ser colocada no continente e agora vive numa casa alugada pois teme que, um dia destes, a vida volte a dar uma volta. É professora há mais de vinte anos e ainda é contratada (nem ele nem eu conhecemos bem a designação correcta pelo que não garanto que seja 'contratada' que se diz; ele disse que ela ainda é precária).

Acho isto desumano, ilógico. Acho até brutal. Como se organiza uma vida nestas circunstâncias? Esta 'rapariga', como o meu tio se refere a ela, tem quarenta e muitos anos e é solteira e diz o meu tio que é uma pessoa triste. Pudera. Como se consegue ter uma vida feliz numa situação destas?




Por tudo isto percebo agora muito bem a luta dos professores. E acho que toda a gente intelectualmente honesta deve também perceber.

Depois choca-me o acinte com que o desGoverno e seus avençados tratam a classe docente. Este desGoverno tenta lançar todos contra todos, novos contra velhos, empregados contra desempregados, pais contra professores. Uma indignidade.

Os professores, por lutarem por condições de trabalho dignas, por lutarem pela qualidade do ensino, por lutarem pela estabilidade na sua vida profissional, têm pois o meu apoio. 

Só espero que eles próprios percebam que só a sua união lhes permitirá a sua defesa.

**

Convido-vos ainda a irem de passeio até ao meu outro blogue, o Ginjal e Lisboa, para verem (e ouvirem!) como Davide Martello, tendo levado um piano de cauda para a Praça Taksim, acalmou a multidão que parou para o ouvir. Há coisas fantásticas.


Um bom domingo a todos!

2 comentários:

jrd disse...

Este governo quer fazer dos professores uma espécie de "monangambé" com "porrada se refilares".

Pôr do Sol disse...

Sabe que mais, querida Jeitinho

Pedi a Sto Antonio que nos livrasse do Passos
que o seu plouro era outro... abalando, pegou na bilha
deixou-me com o menino nos braços
e foi juntar-se à pandilha

Agora vou rogar a S.João
o milagre desejado
Oxalá não me deixe na mão
nem cordeiro nem cajado

Olhe, deu-me p'ra aqui
um beijinho e um bom domingo